Donzela de dia, meretriz de noite
O que mais me revolta na humanidade é a hipocrisia, a dissimulação, a farsa, a imposturice. O que mais me revolta é a tentativa em fazer-me crer em algo que não é, com o singular propósito em daí extrair algum tipo de vantagem.
Na última semana, antes da visita do Papa a Fátima, uma das notícias mais destacadas, a mais destacada na região norte, sem dúvida, foi o desentendimento entre Rui Moreira, o atual Presidente da Câmara do Porto e o PS, que acabou com o primeiro a rejeitar ou prescindir do apoio do segundo à sua candidatura para um segundo mandato à frente da Câmara. Esse apoio seria de todo em todo natural, já que Rui Moreira tem governado a cidade desde o primeiro dia com o apoio declarado, assumido e formalíssimo do PS e dos seus vereadores. A razão para o desentendimento teriam sido as pressões do PS para incluir determinados nomes nas listas da candidatura de Moreira, o que poria em causa a independência da mesma e que teriam sido consubstanciadas nas declarações públicas da secretária-geral adjunta do PS, Ana Catarina Mendes. Rui Moreira chega mesmo a dizer que, na sua candidatura, os lugares são atribuídos apenas pela competência das pessoas e não por qualquer outro tipo de razão.
Porque eu sei que esta intrujice imunda passa para as pessoas e que muitas delas a aceitam assim mesmo sem pensar, vou dedicar o resto deste post para tentar desmascarar esta farsa.
Vou começar pelo fim. Se Rui Moreira apenas escolhe as pessoas do seu movimento pela competência, porque governou ao lado do PS durante estes quatro anos? Em particular, porque é que escolheu para seu braço direito e lhe atribuiu importantes pelouros um personagem como Manuel Pizarro, um puro aparelhista do PS e um perfeito incapaz fora desse estrito contexto?
Em segundo lugar, escolher a palavra independência para a defesa da candidatura de Rui Moreira é mais que uma mentira: chega a ser uma infâmia, um insulto! Rui Moreira é independente porque não tem filiação partidária? É isso?! Só quem não quer é que não sabe, porque é público, que a candidatura de Rui Moreira foi pensada por Paulo Portas, corria o ano de 2012, em reuniões com militantes do CDS nas quais Rui Moreira esteve presente. A candidatura de Rui Moreira, apresentada trapaceiramente como independente, foi apoiada formalmente, desde o primeiro momento, pelo CDS e, informalmente, por setores do PSD que, na altura, se opunham à candidatura de Luís Filipe Menezes à Câmara do Porto. Toda a gente sabe disto. Toda a gente sabe que Rui Moreira, não sendo militante do CDS, sempre foi íntimo desse partido e que frequentava (e frequenta...) as suas reuniões.
Porquê esta farsa? Porquê o embuste? Ah, é para se dizer de independente, porque está na moda e porque fica bem, as pessoas gostam, principalmente os idiotas úteis apartidários que se reproduzem como coelhos na nossa sociedade.
Chego deste modo ao último ponto ainda com esta dúvida no ar: qual a razão para este desaguisado entre Moreira e o PS, afinal? As declarações de Ana Catarina Mendes são, parece-me, de todo em todo expectáveis e naturais: se o PS apoia oficialmente a candidatura de Moreira à Câmara, é natural que festeje a sua vitória e que a interprete como também sua e também é natural que esteja representado na composição da lista de Moreira. Estranho seria o contrário. O problema, especulo eu, é que a lista em preparação de Moreira já deve ter os seus lugares bem atribuídos entre gente do CDS e “independentes”, como o próprio Moreira, afetuosos ao CDS ou ao próprio PSD. E, na verdade, sobretudo nesta fase de crispação política entre a antiga PaF e a nova Geringonça, Rui Moreira não quererá ver a sua candidatura “independente” como putativa plataforma de entendimentos entre PSD, CDS e o PS. Imagine-se: a candidatura de Moreira apresentar-se a eleições — como o foi até à semana passada — como uma pândega, vitoriosa por antecipação, entre CDS, PSD e PS!
É a candidatura “independente” de Rui Moreira, transparente e cristalina aos olhos de todos: pela frente, durante o dia, uma donzela impoluta, independente, que não se mistura com ninguém, dona apenas dos mais nobres preceitos de caráter; por trás, de noite, uma mulher da vida, uma meretriz que a todos se dá pela troca de favores e pela conquista de poder. Perdão, a todos exceto a CDU, cujos vereadores são a única força que resiste e que denuncia a patranha no seio da autarquia.