Devaneios matinais de sábado
A esta hora que escrevo estende-se uma manhã de verão cálida e luminosa. Sábado não poderia ser antecipado de uma melhor e mais auspiciosa forma. Acordei, portanto, com recarregada energia e redobrada confiança na humanidade.
Penso que, demasiadas vezes, temos pouca fé na humanidade. Concedemos-lhe escasso crédito. E a humanidade é uma coisa extraordinária em geral, mas também em particular.
Veja-se o caso de David Dinis. David Dinis é uma individualidade extraordinária. Devíamos ter orgulho em termos tão ilustres portugueses como ele. Reparem no seu percurso: durante seis anos estudou jornalismo na Católica — terminou em 1999 — e, desde logo, devido ao seu extraordinário brilhantismo, claro está, assumiu em setembro desse ano o cargo de Editor Político no defunto Diário Económico! Seguiram-se Jornal de Notícias, Diário de Notícias e Jornal Sol, em idênticas funções. Depois, mais um salto de canguru: diretor no Observador, diretor da rádio TSF e, agora, ao que parece, do jornal Público! Que brilhantismo!
David Dinis é uma personalidade admirável! Gostava de conhecer o seu currículo em detalhe, mas também não é preciso: tenho a certeza que David Dinis terá rebentado a escala em todas as cadeiras que frequentou na universidade. Só desse modo é que é possível, penso eu, replicar tal percurso profissional. Aos milhares de jovens licenciados do jornalismo em Portugal que não conseguem arranjar emprego ou que andam a estagiar de graça e a tirar fotocópias nas redações dos jornais: ponham os olhos em David Dinis, concedam-lhe uma vénia e sintam-se inspirados pelo seu exemplo!
Num outro assunto, completamente não relacionado com o anterior, fascinam-me as histórias do folclore afro-americano daquela zona do Louisiana, Mississippi, onde um pobre coitado, sem nenhum particular encanto ou qualidade, vende a alma ao diabo a troco de um qualquer dom especial — não interessa qual. Contam-se essas histórias a propósito dos grandes músicos de Blues para tentar justificar a sua arte extraordinária que, por ser tão extraordinária, só poderia ter uma origem sobrenatural. Normalmente, o Diabo aparece em forma de mulher atraente num cruzamento de estradas poeirentas após ter sido feita uma oferenda apropriada. Concedido o dom, ao homem é também dado um prazo para dele usufruir, findo o qual, a sua alma será resgatada pelos cães do inferno.
Estas histórias fazem parte de um folclore local que inspira a cultura da região, incluindo a toada melancólica característica dos Blues. Como todas as histórias deste género, não valem pela sua autenticidade. O seu valor reside na moral subjacente que pretendem transmitir, na ligação metafórica que existe entre fábula e realidade.
Não raras vezes, parece-me que muitas pessoas do mundo real operam uma espécie de venda da sua alma. O que é a alma se não aquilo que de mais íntimo temos? O que é a alma se não aquilo que pensamos? E o entendimento deste processo revela-se útil para a compreensão, por sua vez, daqueles casos extraordinários que conhecemos na sociedade e que muito dificilmente conseguimos explicar se não com recurso ao sobrenatural.
Se observarmos com atenção estas individualidades de percurso extraordinário, verificamos que, muitas vezes, trata-se de pessoas de pensamento único, de discurso cristalizado, sem vestígio de bom senso, que fazem tudo por tudo para transmitir e fazer valer uma certa ordem de pensamento. Quando prestamos atenção, verificamos que aquele pensamento e aquele discurso não são verdadeiramente delas, são de outras pessoas. Os “diabos” ditam o que deve ser feito, o que deve ser escrito e difundido. Em troco, conferem-lhes as mais altas posições. Isto, claro, até ao momento de cobrar a alma devida, quer dizer, de proceder à sua substituição por alguém que seja mais jovem e mais inocente. Os “diabos” procuram sempre a carne mais fresca.