Darwin estava errado
A minha geração, no sentido mais abrangente do termo, é composta por pessoas que passaram todas as suas vidas a assistir, sentadas nos seus sofás e poltronas, a um país, um único país, começar conflitos violentos, guerras sangrentas, uma após a outra, direta ou indiretamente, em cada canto do globo.
Síria, Líbia, Iémen, Iraque, Uganda, Irão, Somália, Afeganistão, Sudão, Haiti, Jugoslávia, Bósnia, Líbano, Zaire, Camboja, Bolívia, República Dominicana, Coreia, Tailândia, Vietnam, Congo, Cuba, Laos, Honduras, Palestina, Indonésia, Nicarágua, Chad, El Salvador, Chile, aqui mais vale dizer América latina, poupa trabalho e erra-se por pouco.
A maioria são intervenções militares que é termo moderno para se fugir à sujidade da palavra guerra. Outros são golpes de estado, patrocínio de rebelião, formação de exércitos de mercenários, guerra urbana, é coisa mais limpa porque não compromete, esqueci-me da Venezuela que ainda decorre e da Bolívia, também, outra vez. Porque muitos destes são cromos repetidos ao longo dos anos e esta é uma lista amanhada às pressas, assim de repente, com auxílio de uma memória de menos de um século. Muitos ficam por elencar.
A minha geração assistiu a cada cena deste filme, ouviu cada desculpa esfarrapada, ou era a democracia ou era a liberdade, normalmente eram estas, mas depois elas mudavam de nome, chamava-se petróleo ou gás natural ou alguma outra matéria prima ou, simplesmente, o mercado livre. A minha geração viu tudo isto, assistiu a tudo isto, ouviu e pôde perceber se assim o quisesse e, todavia, a maioria de nós, acha muito bem e bate palmas a esta atuação, a este modo de agir. A maioria de nós observa com entusiasmo esta enésima iteração do filme cuja rodagem se passa, desta feita, no Irão, uma vez mais.
Acho que os Estados Unidos da América são uma nação demasiado jovem para ter uma consciência tão cabalmente manchada de sangue. É certo, porém, que cabe também a cada um de nós, estados serventuários mundo fora, um quinhão de culpabilidade, um quinhão na autoria de cada crime, um quinhão de sangue nas palmas das mãos, pela nossa anuência, pela nossa cooperação, pelo alimentar de cada desculpa de conveniência.
Há uma razão pela qual os clubes vencedores têm mais adeptos do que os outros. No fundo, há muito mais que nos une aos vermes sem espinha do que aos macacos. Também nisto Darwin estava errado.