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Porto de Amato

Porto de abrigo, porto de inquietação, porto de resistência.

Porto de Amato

Porto de abrigo, porto de inquietação, porto de resistência.

Consistência dos conceitos

Falamos muitas coisas, falamos sobre muitas coisas, mas sobretudo falamos de forma leviana. Utilizamos os conceitos como se eles fossem entidades mais ou menos vagas ou com uma definição subentendida, mas que resulta em entendimento nenhum. Refiro-me a conceitos como “democracia” ou “liberdade”. Questiono-me muitas vezes sobre o entendimento que sobre eles temos. Porque o conceito é o conceito e não depende da conjuntura ou do contexto em que é usado.

 

Mas conceitos como “democracia” ou “liberdade” costumam ter uma interpretação na vida particular, outra na vida social, outra ainda na vida laboral e, enfim, uma outra na vida religiosa. Como se fossem palavras homónimas descrevendo conceitos muito diferentes, por vezes antagónicos, não obstante serem denominados pelo mesmo substantivo. Assumem ainda em diferentes momentos da linha temporal interpretações distintas.

 

Para concretizar vejamos o seguinte. Existe uma maioria de vozes que rejeita os dogmas, o autoritarismo, por exemplo, em diversos contextos, nomeadamente a nível político. Rejeitaram-se as monarquias absolutistas e as ditaduras, os reis-deus e os líderes supremos. Sublinho esta tomada de consciência como um dos mais importantes passos dados pela humanidade, sobretudo pelos povos europeus, no século XX. Contudo, uma parte considerável dessas mesmas vozes, importantes alicerces sociais, abraça esses mesmos dogmatismo e autoritarismo no preciso segmento onde, quem sabe, os valores da liberdade e da democracia serão mais relevantes: as suas vidas espirituais. Com efeito, aí, submetem-se frequentemente e de livre vontade, sem questionar, sem indagar o que quer que seja, à palavra de terceiros justificada por um qualquer texto dito “sagrado” em nome de uma qualquer entidade dita “deus”. Não critico o que quer que seja, bem entendido. Apenas observo a realidade. As pessoas rejeitam certos conceitos num contexto e aceitam-nos noutros, quando à primeira vista não há qualquer razão substantiva para essa dicotomia.

 

Tudo isto quando, em pleno século XXI, as celebrações religiosas poderiam ser já assembleias de diálogo e de debate, de troca de ideias, entreajuda e solidariedade, enfim, seguindo uma evolução semelhante à que os sistemas políticos sofreram, aproximando-se dos mesmos. Ao invés, mantêm-se as mesmas tradições milenares de injeção vertical de pensamentos, do pastor para o rebanho. Mantêm-se os hábitos, bem entendido, pela expressa vontade das comunidades que sustentam esses cultos. Assim elas quisessem e não haveria dogma qualquer que subsistisse.

 

Esta ambivalência de interpretações não deixa de ser desconcertante porque com ela adivinhamos a inconsistência do ponto de vista prático dos conceitos supramencionados. Adivinhamos que, por exemplo, fornecido o contexto apropriado, o que chamamos hoje de democracia e de liberdade poderá ter uma interpretação muito diferente no dia de amanhã, o que, aliás, não é inédito. Efetivamente, os anos da troika, que ainda prosseguem, vieram trazer interpretações distintas a outros conceitos e valores que uma parte do povo julgava por adquirido.

publicado às 20:31

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