Classes como paredes de vidro
“Pilotos em greve têm que ser os primeiros a ser despedidos”, disse Miguel Sousa Tavares juntamente com muitas outras enormidades.
Esta frase encerra em si tantas ilegalidades e, mais grave, tantas imoralidades juntas, que surge como uma espécie de vómito negro e viscoso de um visco jactante que é inveja e presunção, assim, misturadas, sem se perceber muito quando começa um e quando termina o outro.
Sendo muito graves estas afirmações, sobretudo quando emitidas desde um canto de uma boca de advogado, não se comparam com a constatação de que existe todo um exército de portugueses a bater palmas a este e a outro tipo afim de declarações. E até podia citar outras declarações de muitos outros, mais ou menos notáveis, mágicos, ministros e secretários de estado. Infelizmente, trata-se de uma praga que prolifera porque é nutrida ativamente por uma boa parte da população que, até podendo não votar em contexto de eleições, tem suficiente argúcia para “dar like” na aberração e deixar o seu comentário.
Isto sim, se não outra coisa qualquer, atesta de forma dramática o funeral da “luta de classes”: o operariado não existe mais com consciência de si próprio nem da sua condição (será que alguma vez terá existido?). Somos um país de servos feitos patrões, empreendedores e empresários que competem entre si. As classes existem e assumem-se mais estáticas e cristalizadas do que nunca erguendo-se como intransponíveis e inquebráveis paredes de vidro. A luta entre elas é que não existe mais. Morreu.
E, assim, prepara-se um caldo onde se cozinha a inveja social e um modelo de sociedade gerador de pessoas que se preocupam mais com o exercitar da coscuvilhice, do desdém e da falta de solidariedade. Talvez seja por isso que os Reality Shows proliferam como cogumelos pela ímpia programação televisiva.
Recordo-me daquela frase de Steinbeck, então sobre a sociedade americana, que se adequa aqui na perfeição:
“O socialismo nunca formou raízes na América porque os pobres vêem-se a si próprios não como proletários explorados mas como milionários atravessando um período difícil.”