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Porto de Amato

Porto de abrigo, porto de inquietação, porto de resistência.

Porto de Amato

Porto de abrigo, porto de inquietação, porto de resistência.

"Cada homem rico, abastado, custa centos de infelizes, de miseráveis"

Depois de publicar a parte da citação de Almeida Garrett que é mais conhecida, mais popular, digamos, dei comigo a revisitar o Viagens na Minha Terra. A citação em causa vem logo no terceiro capítulo e pareceu-me insuficiente. Com efeito, tanto o texto que a precede, como aquele que a ela se segue, são de uma riqueza tão assinalável que me parece indesculpável que não se lhes dê iguais honras de destaque.

 

Todo o parágrafo, que transcrevo em seguida, é de uma beleza muito rara no universo dos livros escritos em português, normalmente abundantes de um provincianismo que não permite reflexões deste género. Saliente-se antes ainda a incontornável pergunta que ecoa por entre as linhas do texto:

 

“No fim de tudo isto, o que lucrou a espécie humana?”

 

Bravo, Garrett!

 

Não: plantai batatas, ó geração de vapor e de pó-de-pedra, macadamizai estradas, fazei caminhos-de-ferro, construí passarolas de Ícaro, para andar a qual mais depressa, estas horas contadas de uma vida toda material, maçuda e grossa, como tendes feito esta que Deus nos deu, tão diferente do que a que hoje vivemos. Andai, ganha-pães, andai: reduzi tudo a cifras, todas as considerações deste mundo a equações de interesse corporal, comprai, vendei, agiotai. — No fim de tudo isto, o que lucrou a espécie humana? Que há mais umas poucas dúzias de homens ricos. E eu pergunto aos economistas políticos, aos moralistas, se já calcularam o número de indivíduos que é forçoso condenar à miséria, ao trabalho desproporcionado, à desmoralização, à infâmia, à ignorância crapulosa, à desgraça invencível, à penúria absoluta, para produzir um rico. — Que lho digam no Parlamento inglês, onde, depois de tantas comissões de inquérito, já deve de andar orçado o número de almas que é preciso vender ao Diabo, o número de corpos que se têm de entregar antes do tempo ao cemitério para fazer um tecelão rico e fidalgo como Sir Roberto Peel, um mineiro, um banqueiro, um granjeeiro — seja o que for; cada homem rico, abastado, custa centos de infelizes, de miseráveis.

 

— Almeida Garrett, Viagens na Minha Terra

 

Viagens na Minha Terra, Livros de Bolso Europa América

 

publicado às 21:07

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