“Bom Natal” e “bom ano”
Nesta quadra vemos a generalidade das pessoas a trocar votos de boas festas, um “feliz Natal”, um “bom ano”, e isto é feito com um certo grau de automatismo. Não quero dizer que não seja sentido, embora não o seja, estou certo disso, na maioria dos casos. As palavras são ditas em contexto protocolar e os desejos, todavia sinceros, são fruto de uma sinceridade desprovida de consciência.
A primeira vez em que realmente pensei sobre o assunto foi quando fui despedido em vésperas de Natal. “Despedido” é impreciso: quando prescindiram dos meus serviços. A segunda vez ocorreu quando um patrão (“patrão” aqui também é impreciso, mas vou evitar usar a designação “entidade adquirente do serviço”) não me pagou os vencimentos dos meses anteriores.
Quando coisas deste género acontecem há algo que muda em cada “feliz Natal” e em cada “bom ano”. Do que estamos a falar afinal? De chocolates e perfumes ou outras prendinhas banais? É o que parece. Parece que o Natal é só este conjuntinho de banalidades, de natureza sacra ou pagã, para entreter o povo e todos aqueles valores que se usam à boca cheia neste período são apenas símbolos para encadear a visão. Porque no dia seguinte, o desempregado continua desempregado, o descamisado continua sem camisa e o sistema continua podre e a alimentar os mesmos de sempre.
“Bom Natal” e “bom ano” deviam ser mais que palavras mas não são mais do que um conjunto de palavras vazias. “Bom Natal” e “bom ano” deviam vir junto com ações diferentes e essas ações diferentes não deviam estar circunscritas a esta quadra. Mas tudo isto é cultural e a nossa é a cultura do “bode expiatório”. Gostamos destes momentos para podermos sentir a alma lavada e, então, retomarmos a nossa rotina de pecado. É neste sentido que a quadra deve ser interpretada e cada “bom Natal” e cada “bom ano” devem ser entendidos.