Bipolarizar para monopolizar
A comunicação social tudo faz para bipolarizar a cena política em Portugal. Pela primeira vez na história da democracia portuguesa apenas se fez um debate entre líderes de forças políticas em canal aberto e esse debate aconteceu ontem, com pompa e circunstância, nas belíssimas instalações do Museu da Eletricidade, entre o líder do PSD e o líder do PS. Os outros líderes, considerados menores, debateram nos estúdios das televisões por cabo.
Durante vários dias ouvi atentamente os anúncios produzidos, a antecipação que se semeava sobre o debate. Ouvi coisas como: “... entre Passos e Costa sairá o próximo Primeiro-ministro...” o que é verdadeiramente espantoso e grave. Na Grécia também diziam isso e, por mais do que uma vez, as contas saíram trocadas. É grave que tais frases, de caris marcadamente condicionante, sejam permitidas. Não percebo o que andam as autoridades reguladoras das eleições a fazer na campanha.
Mais: a indecência das sondagens continua forte e pujante e as conclusões que delas se retiram também. Constroem sondagens com amostras de umas poucas centenas de pessoas e extrapolam conclusões universais quando, ainda por cima, os dois partidos mais votados têm escassa percentagem de preferência. É tudo muito absurdo. É tudo muito grave. Mas tudo é permitido neste Portugal. Os jornais e as televisões até podem, se assim o quiserem, começar a advogar o geocentrismo e outras palermices de um passado não muito longínquo que nada lhes acontecerá, ninguém lhes porá a mão e, pior, haverá sempre gente a comer dessa palha.
Mas a principal conclusão é esta que se segue. O debate foi excelente. Quem assistiu ao debate com olhos de ouvir percebe cristalinamente que entre Passos e Costa apenas subsistem vestigiais diferenças de estilo. Não existe uma diferença de conteúdo, visto ambos seguirem a mesma cartilha. Ideologicamente falando, as palavras-chave, quer para um, quer para outro, são as mesmas e os personagens são como faces da mesma moeda. E o problema do país não se resume a mais ou menos confiança ou a mais ou menos motivação. Não existe nem confiança nem motivação num par de calças rotas e bolsos vazios. Não existe empreendedorismo sobre o nada.
Faço votos para que o número das pessoas que “ouviram” o debate seja superior ao número das que integram as clientelas partidárias dos partidos do arco do poder e que votarão independentemente de ser Passos, Costa ou outra figura qualquer. Só desse modo será possível mudar o rumo do país. Só desse modo será possível destruir esta vil bipolarização que nos querem impor, esta falsa bipolarização cujo único objetivo é monopolizar a política, monopolizar as ideias, monopolizar o pensamento.