As nomeações para o Constitucional
Admito que fiquei contente com o chumbo parlamentar aos nomes propostos pelo governo para o Tribunal Constitucional, particularmente com o de Vitalino Canas. Eu sei que é um contentamento efémero, que não sobrevive a uma primavera sequer, porque as alternativas serão, com segurança o sublinho, de qualidade não superior. Mas, que dizer? O peso dos anos fez de mim uma pessoa que se alegra com estas pequenas vitórias, com estes pequenos reveses infligidos ao sistema.
A questão das nomeações para o Tribunal Constitucional despertou em mim uma reflexão mais profunda sobre a ação política da esquerda no contexto parlamentar em particular e sobre a mais geral ação revolucionária de transformação da sociedade.
É que resulta pouco relevante todo o trabalho desenvolvido a nível legislativo se, depois, no local onde as leis são esgrimidas, aplicadas e fiscalizadas, isto é, os tribunais, pontificam elementos que fazem as mais subversivas interpretações que formulam, por sua vez, jurisprudências que perduram e, essas sim, é que valem, essas é que contam, independentemente da maior das bondades com que as originais leis foram escritas. Verdade seja dita, não há lei que seja escrita sem suficiente nota dúbia, tela em branco para se colorirem as mais convenientes interpretações que é exatamente o que se pretende: introduzir suficientes graus de liberdade para se fazer da lei o que, em cada momento, interessa.
De que vale pedir constantemente a fiscalização sucessiva das leis se, depois, na sede onde essa fiscalização é feita, há uma maioria sem sensibilidade para as preocupações expressas pelos deputados? De que vale denunciar a inconstitucionalidade das leis se, depois, uma maioria dos juízes do Palácio Ratton tem uma interpretação da lei fundamental pouco progressista e, até mesmo, retrógrada?
Por estas e por outras, a escolha dos nomes para o Tribunal Constitucional não pode ser considerada de ânimo leve, como uma simples formalidade, particularmente pela esquerda. Em tempo oportuno, o Bloco de Esquerda fez questão de sublinhar a sua oposição ao governo nesta matéria. Do PCP ouviu-se um silêncio gutural que tem sido seu apanágio de há uns anos a esta parte em tudo o que é relevante que é para não criar ondas nem instabilidades. Também por aqui se percebe que a revolução não pode emergir desde dentro das instituições, jogando as regras do sistema. Há partidos, tão habituados que estão aos labirintos burocráticos das instituições, que perderam isto de vista.