A razão de ser
Talvez a razão de ser das coisas esteja aqui: o que revolta as pessoas não é a desigualdade exercida sobre si mesmas; o que as revolta é antes o sentimento de inferioridade ou, melhor, a consciência de um estado de não superioridade relativamente ao próximo. A ideia de igualdade será, com efeito, tão repugnante quanto a ideia de inferioridade.
Talvez a razão esteja aqui. Foi neste ser grosseiro, competitivo e selvagem em que nos tornámos. Os alicerces sociais têm efetivamente fortes raízes antropológicas. Posto isto, a única ideia a que nos podemos agarrar, qual derradeiro farol de esperança, é que a humanidade nem sempre foi assim. Temos que recuar bastantes anos, milénios até, mas lá atrás, nas primeiras comunidades recoletoras, a humanidade não era feita desta massa. Podia não saber ler nem escrever mais do que a emissão de primitivos sons ou a manipulação de primitivos símbolos, mas sabia o mais importante: sabia que só poderia sobreviver apoiando-se mutuamente, solidariamente.