A perfeição da democracia
Noutro dia conversei com uma pessoa que me dizia: “a democracia é imperfeita” porque “as pessoas votam de acordo com os seus interesses e não de acordo com os seus ideais”.
Ouvi e concordei com a naturalidade do argumento. É verdade que uma boa parte da população vota de acordo com os seus interesses: basta atentar para o que se passa a nível local, onde as eleições autárquicas são as mais concorridas, e ver o que os candidatos vencedores oferecem e como o pagam, findadas as eleições. Sabemos disso.
Sabemos que os ideais ficaram fora de moda. Conhecemos a energúmena sentença “são todos iguais”, quando na verdade o “todos” significa “eu”. Conhecemos esta inércia e esta acomodação ao sistema, de como as coisas se processam. Acreditamos que isto é o melhor que podemos ter e que não vale a pena sequer imaginar outra organização que possa ser mais equilibrada. Para muitos atingimos o estádio final de evolução da humanidade.
Sabemos de tudo isto e tudo isto faz soar com verdade e assertividade a conclusão “a democracia é imperfeita”, porque foi através dela que aqui chegámos.
Mas alguma coisa me fez matutar sobre a frase e sobre o argumento durante a viagem de volta. Alguma coisa não batia certo. Como é que um sistema em que todos têm igual voz, em que todos os votos valem o mesmo e em que, à partida, por muita pressão que possa haver, cada um pode efetuar a sua escolha de forma anónima, como é que um sistema assim poderá ser algo menos que perfeito?!
Então pensei: é na imperfeição da democracia que, precisamente, radica a sua perfeição. Quem somos nós, afinal, para opinarmos sobre a tomada de decisão de cada um? E se os interesses particulares dessas pessoas coincidirem precisamente com os seus ideais? E se os seus ideais forem precisamente a salvaguarda do seu interesse particular? Quem somos nós para o julgar menos digno?!
Claro que, nesta breve análise, excluo a influência da educação e da cultura na tomada de decisão, instrumentos fundamentais para se poder ver um pouco mais além do que o próprio umbigo. Mas ainda assim a natureza perfeita da democracia é indiscutível: cada pessoa escolhe o que considera ser o melhor e não existe um outro sistema capaz de igual façanha. A democracia é, com toda a razão, o regime político em que o governo é escolhido à imagem e semelhança do povo que o elegeu.