A nódoa política
Devo reconhecer que me enganei redondamente. No meu último artigo sobre a Grécia dizia eu:
“Para mal dos seus pecados, o povo grego mostra ser dono de uma coragem de ferro, de uma vontade de aço, e obriga o Syriza a continuar a lutar.”
É espantoso verificar que assim não foi. O Syriza, sem nada que o fizesse prever e desbaratando vergonhosamente o capital de confiança depositado em si pelo povo após o referendo, capitulou em todos os domínios e ajoelhou-se, como todos os outros que criticou, perante o imperialismo capitalista vigente na Europa do euro. Fica a pergunta: por que razão o Syriza promoveu o referendo, afinal? E mais: será que o Syriza, defendendo o não, estaria na verdade à espera de um sim? Pensar sobre o assunto chega a ser doloroso. As minhas críticas ao Syriza pecaram por escassas: o Syriza mostrou uma total ausência de espinha dorsal.
Dizer que o Syriza é uma nódoa política, particularmente no espectro da esquerda, é pouco ou, por ventura muito. Passo a explicar.
Por um lado é pouco: é impossível respeitar um partido ou governo que se demonstra tão incapaz, tão desprovido de ideias e de ação própria para o seu próprio país que não apenas uma oratória oca. Neste tempo, nestes largos meses, que o Syriza já leva de governação, não se vislumbra uma ação governativa que não meramente dialética e moralista na negociação com a Europa, uma ação que lhe permitisse alavancar o seu próprio país da situação em que se encontra, que lhe permitisse, enfim, poder traçar um caminho autónomo à margem das negociações. Sem tal estratégia, o governo grego fragilizou progressivamente a sua posição negocial tendo ficado muito claro, a partir de um determinado momento, que a única ideia deste governo Syriza seria a obtenção de um acordo de financiamento que, em todo e qualquer caso, seria sempre desastroso para a Grécia. O Syriza acabou por capitular em toda a linha, submetendo-se a um acordo que vai depauperar o seu país, os seus instrumentos económicos, os seus recursos, e, mais importante, que renova a subordinação da economia grega à política de dívida e de dominação hegemónica alemã/europeia.
Por outro lado, vista a coisa de outro prisma, chamar nódoa política ao Syriza é demais. O povo grego, à semelhança do resto do mundo, não se enganou na sua escolha. Escolheu democraticamente aquilo que quis. E o que escolheu foi um partido que se dizia contra a austeridade mas absolutamente contra a saída do euro. O povo grego escolheu o paradoxo e depositou as suas esperanças nesse paradoxo que, agora, resulta por demais evidente. O povo grego não escolheu, bem entendido, quem, ali ao lado, repetindo a primeira parte do discurso, defendia a saída do euro como fundamental para que a Grécia se pudesse ejetar desta espiral de dívida e de dominação estrangeira. O povo grego tem, por isso, exatamente o que escolheu.