A natureza do capitalismo aos olhos dos doentes hepáticos
O capitalismo é uma forma de governação económico-social extraordinariamente bem sucedida no que à implantação e à aceitação deste sistema diz respeito. Parte dessa aceitação se deve, especialmente, ao modo como o sistema é percecionado pelas massas populares. Com efeito, mais do que um sistema capaz de proceder eficazmente a uma manutenção do poder económico nas mãos dos monopolistas de uma forma limpa, transparente e aparentemente justa, mais do que isso, o sistema nutre de uma imagem tão quente e acolhedora quanto possível junto das classes mais desfavorecidas pelo próprio jogo económico.
Steinbeck, o escritor norte americano, dizia, curiosamente, o seguinte:
“Socialism never took root in America because the poor see themselves not as an exploited proletariat but as temporarily embarrassed millionaires.”
Traduzindo aproximadamente:
“O socialismo nunca formou raízes na América porque os pobres vêem-se a si próprios não como proletários explorados mas como milionários atravessando um período difícil.”
Acho que Steinbeck acertou no alvo em cheio, não apenas do ponto de vista da situação americana mas também relativamente ao caso geral. O capitalismo tem exatamente isto: a capacidade de encher de sonhos a todos por mais irrealizáveis e improváveis que estes possam ser. E isto, sem qualquer laivo de ironia, é maravilhoso.
É, contudo, nos momentos mais difíceis, naqueles momentos quando acordamos do sonho, em que vemos a verdadeira face da sereia que nos encantou, a verdadeira natureza do capitalismo.
Os doentes portugueses com Hepatite C estão a vê-la agora, vítimas de um sistema que não se inibe de negociar, de produzir lucros, de fazer dinheiro, com o que quer que seja, ultrapassando todos os limites do que é razoável do ponto de vista humano. Até mesmo com a saúde das pessoas. É isto o capitalismo. E por cada pessoa doente que morre por não lhe chegar um medicamento a tempo, aumentam as margens de lucro dos milionários das farmaceuticas.
É isto o capitalismo.