A inacreditável recondução de Jerónimo no PCP
É inacreditável que o PCP reconduza Jerónimo de Sousa como Secretário-Geral do partido. Considero inacreditável e considero ser minha obrigação escrever sobre isso mesmo, por muito que isso me custe. Não está em causa a qualidade humana, como é óbvio. Está em causa a competência técnica e, sobretudo, física para o cargo.
Relativamente à competência técnica, é notável que Jerónimo de Sousa tenha aguentado doze anos à frente do partido, quando demonstra visíveis incapacidades no debate, no discurso, na entrevista, enfim, em todos os meios e veículos que permitem a divulgação da mensagem e das posições do partido. Jerónimo limita-se a repetir um discurso ensaiado de véspera, sem flexibilidade e sem talento para responder de improviso a uma pergunta qualquer. Quando improvisa, sai invariavelmente um dito popular qualquer, mais ou menos apropriado, normalmente menos. A melhor participação de Jerónimo de Sousa terá sido, com efeito, aquele debate de fevereiro de 2005 em que, logo de início, Jerónimo ficou afónico e... não falou. Agora prepara-se para mais um mandato.
Já no plano das capacidades físicas de Jerónimo, considero que esta decisão é de uma falta de sensibilidade que roça o desumano. Quem acompanha as campanhas eleitorais verifica como Jerónimo termina as mesmas: abatido, exausto, magro, sem voz... Acho difícil que os camaradas de Jerónimo não consigam ver isto. Com esta recondução de Jerónimo, o PCP parece estar a apelar a algo diferente do que a confiança política do povo. Parece que o PCP apela antes aos sentimentos das pessoas, à pena do eleitorado, arriscando-se, todavia, a ver num destes dias Jerónimo cair inanimado, sobre os braços de quem o vai levando, no meio de alguma arruada.
Repito, para ser muito claro: não está em causa o valor de Jerónimo de Sousa. O Secretário-Geral do PCP é uma figura respeitável e admirável pelo seu exemplo de vida, pelo seu percurso, pela sua dedicação, firmeza e coerência. Sob muitos pontos de vista, aliás, Jerónimo foi um líder muito bom e muito útil para o PCP: uniu as hostes, consolidou métodos, transmitiu uma imagem de confiança e de solidez, equilibrou vontades no seio do partido. Mais: Jerónimo é, por ventura, o líder mais simbólico que o PCP alguma vez já teve e que, quiçá, alguma vez terá, personificando o operário humilde que ascendeu pela sua experiência no meio do povo trabalhador e do movimento sindical, que se instruiu e que se cultivou. Mas isso, lamento muito dizê-lo, lamento muito em apontar o óbvio, já deu o que tinha a dar.
Todos aqueles que, direta ou indiretamente, contribuíram para esta solução, não poderão fugir às responsabilidades das consequências que dela resultarão. Não, não adianta escudarem-se na ladainha do costume, de que “somos um partido diferente” e outras frases de enchimento. Que eu saiba, o Partido Comunista Português não é o Vaticano. Até no Vaticano o penúltimo papa deu o lugar a outro por se sentir incapaz para a tarefa. Quem está à frente do Partido Comunista Português parece, contudo, não ter a mínima noção das coisas e, com isso, transmite uma péssima imagem para o povo que, de fora, acompanha a situação. Porque, convenhamos, não é boa propaganda para um partido que se diz contra a exploração dos trabalhadores que este explore até à última gota de sangue o seu próprio Secretário-Geral.