A gadanha dos sonhos traídos
Tsipras e o Syrisa deram, por estes dias, a machadada final do seu grotesco plano para a Grécia. O que fizeram é vexante a todos os níveis para qualquer pessoa decente independentemente do quadrante político a que pertença. É mais do que vexante: é nojento. Não obstante, no processo, terem posto a nu o que realmente é isto da União Europeia e de terem reduzido palavras como solidariedade aos chavões que realmente são no palco europeu, independentemente disso, o que fizeram é nojento. Para o que fizeram teria sido preferível os fantoches do costume, os socialistas ou os sociais democratas. Esses, pelo menos, são mais autênticos naquilo a que se propõem. Usam de oratória oca, mentem, são demagógicos, claro que sim. É a sua natureza. Mas por ser uma natureza tão repetida, tão pegajosa nas traves políticas europeias, que qualquer um, qualquer cego, consegue ver por entre tudo isso. A sua natureza não engana verdadeiramente ninguém e quem diz o contrário mente. No fim de contas, os socialistas ou os sociais democratas teriam feito o mesmo que fez este Tsipras e este Syriza sem tanto foguetório.
Tsipras assinou o acordo e agora demite-se. Aqui reside a vergonha, a falta de caráter, da coisa. Tsipras e o Syriza traíram descaradamente o povo grego nas promessas que fizeram e na prática que seguiram deixando-o, agora, atado de mãos e pés a mais um resgate e a mais austeridade.
Não é invulgar, contudo, este género de acontecimento. As classes dominantes do capitalismo têm esta capacidade de minar a luta das classes sociais desfavorecidas desta ou de outra forma qualquer. O poder do capital nunca deve ser desconsiderado. Os seus tentáculos chegam a todo o lado. A sedução pelo poder ou pelo pequeno poder tem esta capacidade de criar Tsipras e Syrizas, como que agentes duplos que se apresentam como estando ao serviço do povo e dos trabalhadores mas que, em verdade, são assalariados do regime colocados em campo para dividir, confundir e para que os seus mestres continuem a reinar.
Seria importante, transportando diretamente por decalque para o caso português, ouvir a opinião do Bloco de Esquerda sobre estes acontecimentos, já que o Bloco de Esquerda sempre se colou ao Syriza e ainda se cola a todos os outros movimentos europeus similares como o Podemos espanhol. Seria interessante ouvir o que têm a dizer e se é expectável esperar algo de semelhante na sua ação política se acaso um dia tomem em mãos a vara do poder. É que o Bloco de Esquerda não apenas tem cavalgado a onda de populismo deste género de movimentos, que na verdade ninguém percebe bem o que são até que seja demasiado tarde, como se cola também a eles nas suas opções políticas. Por exemplo: o Bloco de Esquerda apresenta-se contra a austeridade alemã e é bastante verbal neste particular, todos os de esquerda concordamos, mas ao mesmo tempo revela-se a favor da União Europeia e do Euro. Como é, afinal? O Bloco de Esquerda propõe o mesmo que o Syriza ou tem ideias diferentes?
Pela minha parte, acho que já chega de brincar à política e às esquerdas. Se o povo português quiser mudar para uma sociedade diferente, mais justa, e sublinho aqui a palavra justiça, uma economia equilibrada e sustentável, desenvolvida com vista ao crescimento do país e à satisfação das necessidades das pessoas, se o povo português quiser uma democracia real e não fictícia, então sabe bem onde colocar o seu voto. Aliás, sempre soube. Talvez por isso fuja disso mesmo e prefira esta selva em que vivemos. Ao invés, se quiser prosseguir nestas brincadeiras e experimentalismos que constituem apenas divertimentos para a classe dominante, pois não a afetam nem procuram beliscar em absolutamente nada, então que continuem. Será sempre divertido.
O futuro do Syriza e de Tsipras, contudo, será algo de bastante diferente. Para eles não auguro mais brincadeiras, grandes planos ou palcos. O seu destino é a extinção e ser-lhes-á conferida a golpes furiosos de gadanha, da gadanha dos sonhos traídos, pelas mãos e pelos braços dos gregos que neles votaram. Que eles desaparecerão, mais cedo ou mais tarde, é garantido; o povo grego tratará de o fazer. Que eles surgirão com um outro nome, com um novo logótipo e com novas caras, anos mais tarde, também.