A dissonância que resolve
Os jornais portugueses estão pejados de tanta mediocridade, de tanta baixeza, de natureza intelectual e humana, que o seu folhear é revoltante, remói as entranhas, incita a regurgitação convulsa. Em regra geral é assim. Até que, após dezenas de páginas, do retorcer a face a dezenas de comentadores de estatura inferior, aparece um que, não necessariamente por ser particularmente brilhante mas por escrever duas ou três orações acertadas em bom senso, faz-nos libertar a respiração sustida desde o princípio. O diafragma relaxa, as costas distendem, a face desenruga, num alívio que é quase orgásmico. É por esse opinante que vale a pena ler esse jornal, por esse e apenas por esse. Os outros, que o antecedem em ordem de publicação, só servem para criar essa sensação de desconforto e de repulsa, para que o prazer de ler o que vale a pena seja amplificado ao máximo, como uma dissonância agressiva que resolve na muito ansiada consonância harmónica, mel para os ouvidos e para a cultura musical tonal. Quando, por um acaso, esse opinante não opina, então nesse dia tudo é negro e visco e dissonante. Nesse dia, nesse jornal, tudo é medíocre, baixo e triste.