A derrota de uma era
Este dia que está a poucas horas de terminar ficará para a história. Foi um dia que marcou uma derrota expressiva não de um governo mas de uma das mais estúpidas eras políticas de que há memória. Este governo de direita, que se vê corrido do palanque do poder onde o colocaram à força, praticou um estilo próprio, vincado, marcado pela repetição nauseante de frases propagandistas, como soundbites, independentemente da sua relação com os factos ou da sua colagem à realidade. Este foi o governo das narrativas, de repetição doentia por entre todos os membros, apoiantes ou militantes, como se todos fossem formatados nos mesmos centros de lavagem cerebral saindo dos quais com as mesmas frases, repetidas do mesmo modo, na ponta da língua. Este foi o governo das “inevitabilidades”, do “não pode ser de outra forma”, do “não há alternativa” e do “tem que ser assim”. Nestes dois dias últimos, para não fugir à regra, foi do mesmo que se viu e que se ouviu, quase meio parlamento de débeis mentais a dizer que haviam “vencido” e que “o voto dos portugueses não estava a ser respeitado”.
Mas o que torna esta era, a que sofreu uma derrota no dia de hoje, numa das mais estúpidas da democracia portuguesa não é a acefalia da classe dirigente: pelo contrário, devemos apontar o dedo a toda a sociedade envolvente, aos media, aos fazedores de notícia, aos fazedores de opinião, aos comentadores, e a todos os que acriticamente aceitaram as narrativas todas por mais estúpidas, e foram de facto medíocres, que pudessem ser. Esta foi a era dos yes man, dos boys dos jobs, dos acríticos, dos go with the flow, e sim: dos imbecis, dos idiotas úteis e dos medíocres. Todos os acima elencados forneceram uma almofada social e mediática para que este governo acabado pudesse espalhar a sua verborreia e cultivar o seu nefasto plano.
Só nos tempos negros do fascismo se viu semelhante pensamento único, só nesses funestos tempos se assistiu a tamanha acefalia e tamanha resignação social. Isso apenas bastaria para tornar célebre o dia de hoje como um safanão neste estado sinistro a que chegou a sociedade portuguesa.
Note-se bem que esta derrota não é definitiva. Derrotas definitivas apenas existem no nosso imaginário, porque gostamos pensar dessa maneira. A era que se seguirá até poderá não constituir uma melhoria substancial relativamente à precedente. Mas isso, para agora, não interessa. Contentemo-nos com a parcial vitória consubstanciada no dia de hoje. Já há muito tempo que a sociedade inteligente, lógica e desacomodada não tinha uma assim.