Saltar para: Posts [1], Pesquisa [2]

Porto de Amato

Porto de abrigo, porto de inquietação, porto de resistência.

Porto de Amato

Porto de abrigo, porto de inquietação, porto de resistência.

A derrota de uma era

Este dia que está a poucas horas de terminar ficará para a história. Foi um dia que marcou uma derrota expressiva não de um governo mas de uma das mais estúpidas eras políticas de que há memória. Este governo de direita, que se vê corrido do palanque do poder onde o colocaram à força, praticou um estilo próprio, vincado, marcado pela repetição nauseante de frases propagandistas, como soundbites, independentemente da sua relação com os factos ou da sua colagem à realidade. Este foi o governo das narrativas, de repetição doentia por entre todos os membros, apoiantes ou militantes, como se todos fossem formatados nos mesmos centros de lavagem cerebral saindo dos quais com as mesmas frases, repetidas do mesmo modo, na ponta da língua. Este foi o governo das “inevitabilidades”, do “não pode ser de outra forma”, do “não há alternativa” e do “tem que ser assim”. Nestes dois dias últimos, para não fugir à regra, foi do mesmo que se viu e que se ouviu, quase meio parlamento de débeis mentais a dizer que haviam “vencido” e que “o voto dos portugueses não estava a ser respeitado”.

 

Mas o que torna esta era, a que sofreu uma derrota no dia de hoje, numa das mais estúpidas da democracia portuguesa não é a acefalia da classe dirigente: pelo contrário, devemos apontar o dedo a toda a sociedade envolvente, aos media, aos fazedores de notícia, aos fazedores de opinião, aos comentadores, e a todos os que acriticamente aceitaram as narrativas todas por mais estúpidas, e foram de facto medíocres, que pudessem ser. Esta foi a era dos yes man, dos boys dos jobs, dos acríticos, dos go with the flow, e sim: dos imbecis, dos idiotas úteis e dos medíocres. Todos os acima elencados forneceram uma almofada social e mediática para que este governo acabado pudesse espalhar a sua verborreia e cultivar o seu nefasto plano.

 

Só nos tempos negros do fascismo se viu semelhante pensamento único, só nesses funestos tempos se assistiu a tamanha acefalia e tamanha resignação social. Isso apenas bastaria para tornar célebre o dia de hoje como um safanão neste estado sinistro a que chegou a sociedade portuguesa.

 

Note-se bem que esta derrota não é definitiva. Derrotas definitivas apenas existem no nosso imaginário, porque gostamos pensar dessa maneira. A era que se seguirá até poderá não constituir uma melhoria substancial relativamente à precedente. Mas isso, para agora, não interessa. Contentemo-nos com a parcial vitória consubstanciada no dia de hoje. Já há muito tempo que a sociedade inteligente, lógica e desacomodada não tinha uma assim.

publicado às 22:13

Colocar os pontos nos i's

Parece que hoje é o dia D.

 

Depois do dia de ontem, depois de tanta imbecilidade repetida como “a coligação venceu as eleições”, “a coligação tem a legitimidade democrática para governar”, e que se “prepara um golpe de estado” e mais PREC's e isto e aqueloutro, chega o dia de hoje onde se faz a prova dos nove da democracia no lugar próprio especialmente concebido para averiguar as vontades maioritárias populares: o parlamento.

 

Hoje vamos observar a democracia a funcionar. Hoje vamos peneirar a demagogia do debate político. Hoje vamos colocar os pontos nos i's em todos os imbecis e em todas as imbecilidades que os mesmos vêm vomitando sobre as calçadas do país desde que constataram que o poder que deram como adquirido lhes estava afinal a escapar por entre os dedos como a areia da praia.

publicado às 11:06

O circo de Natal chegou mais cedo

A esta hora assiste-se a um dos espetáculos mais deprimentes da democracia portuguesa. O grotesco espetáculo, patrocinado por sua excelência o Presidente da República, trata de dar posse à pressa tanto a ministros como a secretários de estado num governo sem suporte parlamentar, leia-se sem suporte democrático. Não sei se se trata simplesmente de conferir chorudas indeminizações a amigalhaços ou se, simplesmente, o circo de Natal chegou este ano mais cedo a Portugal.

publicado às 12:37

Então a coligação não tinha vencido as eleições?

Estou confuso. Estou mesmo confuso. Então a coligação não tinha vencido as eleições? E não conseguiu eleger o seu candidato à presidência da Assembleia da República? Não percebo...

 

Se calhar a coligação só venceu as eleições nas páginas dos jornais, nas bocas de opinantes políticos e, claro está, na cabeça do presidente, onde essa ideia peregrina ecoa livremente. Se calhar é isso. No parlamento o conceito de vitória é outro e, felizmente, é esse que conta.

publicado às 09:12

A declaração mais esclarecedora

Cavaco Silva falou e disse tudo. Ao falar Cavaco revelou-se, as palavras simples e torpemente pronunciadas, como é seu apanágio, desnudaram-no, mostraram o género de alma que anima aquele corpo de movimentos rígidos e calcificados. Para Cavaco ainda que um partido como o Bloco de Esquerda ou como o Partido Comunista Português obtivesse maioria absoluta parlamentar, ainda assim não deveria ser indigitado para formar governo, porque quebraria “compromissos internacionais” aos quais, segundo a sua visão, o país, o povo, está amarrado quer queira, quer não queira.

 

Cavaco Silva não é o Presidente da República. Cavaco Silva é o presidente dos compromissos internacionais, é o presidente dos “credores”, dessa alcateia, desse bando de abutres, de necrófagos sem cara, que se alimentam da carcaça do país que somos, do país que ele, Cavaco Silva, ajudou a criar no final do século XX. Cavaco Silva é o presidente de todos esses e dos “mercados” também, mas não é o Presidente da República Portuguesa.

 

A figura do Presidente da República não existe nem foi criada para tomar partido ou para influenciar as escolhas políticas do país. O Presidente da República apenas existe para supervisionar o governo e o país no estrito contexto da Constituição da República. E lá está tudo dito, bem claro e transparente, assim ele a conhecesse. A indigitação do Primeiro-ministro não é uma questão de tradição, é uma questão parlamentar bem tratada no texto da Constituição.

 

Mas para o Presidente da República, Cavaco Silva, a Constituição é um pormenor, não é mais que uma nota de rodapé. Já o provou mantendo no poder um governo que violou cerca de vinte vezes essa mesma Constituição durante o seu mandato. O Presidente, voltamos ao princípio, está lá para defender os interesses dos outros, não necessariamente portugueses, daquela minoria que leva mais de metade do PIB português a cada ano. São esses: os mercados, os credores, salvaguardados pelos acordos e compromissos internacionais.

 

O Presidente da República pode indigitar quem quer que lhe apeteça. É essa a sua prerrogativa. O que não pode é tomar partido de forma descarada. O que não pode é justificar-se da forma como se justifica. Mas ainda bem: assim as coisas são mais claras.

 

A coligação e o Presidente jogam na deserção dos seguristas do PS para fazerem passar o programa de governo à socapa. Até pode ser que isso aconteça. Seria, contudo, extremamente interessante assistir ao que se seguiria se isso não acontecesse, isto é, se o parlamento chumbar este governo minoritário. Será que Cavaco teria a falta de pudor para promover um governo de gestão? Ou de promover novas eleições para forçar uma maioria de direita? Estaremos cá para ver, porque a indecência ameaça seriamente não ficar por aqui.

publicado às 09:39

São violações? Não: são amendoins!

Está confirmado: as incorreções e atropelos às regras subjacentes ao cargo de Presidente da República vão ter lugar até ao último dia, não sendo objeto de exceção a ausência do Presidente nas comemorações do cinco de outubro ou o processo de formação do novo governo.

 

Não obstante, a esponja da democracia tudo consegue apagar. Com efeito, como podemos criticar um Presidente da República quando o povo acabou de conferir uma nova maioria a um governo que violou cerca de vinte vezes a Constituição da República portuguesa?

 

É melhor estarmos calados, pois se acaso o senhor se pudesse candidatar novamente ganharia “limpinho, limpinho”, porque ele é sério e não se ri, e tal.

 

No fundo, as eleições tudo legitimam à luz do nosso sistema e fazem qualquer aberração parecer “amendoins”.

publicado às 11:11

As responsabilidades do vinte e cinco de abril

Neste dia vinte e cinco de abril que passou ouvi muitas pessoas dizerem que a revolução dos cravos não foi bem sucedida, que não temos um país melhor e que, por isso, a celebração do dia resulta falsa, pois o insucesso não deve ser celebrado.

 

Oponho-me vigorosamente a esta linha de pensamento, não obstante compreenda algum do sustentáculo argumentativo. Oponho-me fundamentalmente porque o vinte e cinco de abril de mil novecentos e setenta e quatro fez, e foi muito bem sucedido, em precisamente aquilo a que se propunha fazer, a saber:

 

  1. Reestabeleceu a República parlamentar multipartidária e plural, baseada em regras democráticas bastante equitativas.

 

  1. Implementou um sistema de iguais direitos para todos os cidadãos independentemente do sexo, religião, crença política ou religiosa, ou qualquer outra característica potencialmente diferenciadora.

 

  1. Aplicou todos os recursos para retirar o país da ignorância abjeta em que havia sido mergulhado e deu um forte impulso para tal.

 

  1. Criou o sistema nacional de saúde e de pensões para garantir um apoio, na saúde e na velhice, a cada cidadão.

 

  1. Iniciou uma reforma agrária e uma política de distribuição de riqueza mais equilibrada, através de medidas concretas como o aumento do salário mínimo, a redução do horário de trabalho, a criação do décimo terceiro e do décimo quarto mês, entre muitos, muitos outros direitos que hoje, curiosamente, estão a ser retirados um a um.

 

  1. Construiu, enfim, um conjunto de leis base, a Constituição da República, ainda hoje uma das mais avançadas no mundo, que englobou tudo o que acima foi dito e que apontou um caminho de igualdade, solidariedade e de fraternidade, em todos os aspetos da sociedade.

 

O vinte e cinco de abril fez tudo isto e, eventualmente, mais qualquer coisa de que agora não me recordo. Fez muito. Deu de mão beijada ao povo português a possibilidade deste escolher os seus representantes. Por conseguinte, não se assaquem quaisquer responsabilidades ao vinte e cinco de abril que o vinte e cinco de abril não tem.

 

publicado às 10:09

Traçando perfis

O Presidente da República traçou o perfil do seu sucessor. Disse que tinha que cantar afinadinho e em uníssono com o governo e com os poderes internos e externos que nos (des)governam. Disse que tinha que ser um especialista em política externa.

 

Com uma boa dose de humildade gostaria de acrescentar mais um ou dois pontos que julgo carregados de relevância para a função.

 

1º- Que tenha a obrigação de ler a Constituição, nem que seja uma meia dúzia de leis todos os dias à noite, para, no fundo, saber sobre o que tem a obrigação legal de defender.

Observação 1: Sobretudo para não fazer a triste figura de promulgar leis que o Tribunal Constitucional vem posteriormente a considerar inconstitucionais.

Observação 2: E também, seria interessante, para não permitir que o governo ande a brincar com o assunto, isto é, aos orçamentos inconstitucionais.

 

2º- Que saiba um pouco de História de Portugal, nem é preciso muito, para prevenir males de costas curvadas sobretudo no contacto direto com os seus interlocutores internacionais.

 

3º- Que saiba um pouco de língua portuguesa, falada e escrita, mas sobretudo falada, para evitar certas gafes que tanto ofendem um dos dois símbolos da pátria que, por hora, nos restam.

 

4º- Que produza discursos, tanto em forma como em conteúdo, que não nos façam lembrar os tempos negros (e aborrecidos) do fascismo.

 

5º- Que saiba quantos cantos tem Os Lusíadas (já agora: são dez!) e que seja obrigado a ter lido a epopeia, maior símbolo literário do país, para ver se leva consigo, para Belém, um ou dois ensinamentos relevantes e que, deste modo, adquira consciência plena da responsabilidade que tem por ser o máximo representante do grande país que se chama Portugal.

publicado às 22:31

Cinco de outubro: notas sobre o formalismo do regime ou a consciência do cidadão

Comemora-se hoje o dia da capitulação final do regime monárquico e da implantação da república no nosso país. Trata-se de um dia de substancial importância na medida em que, formalmente, Portugal deixou de ser liderado por uma casta de indivíduos nascidos para o efeito para passar a ser liderado por cidadãos escolhidos de forma não arbitrária (democrática).

 

Que esses cidadãos, escolhidos para liderar no regime republicano, também têm pertencido invariavelmente a uma certa casta, nomeadamente à do poder económico, é outra conversa. Que a república se tenha tornado rapidamente mais dispendiosa que as mais faustosas monarquias europeias, outra história é. Trata-se, ultimamente, da consequência das escolhas coletivas da população e não de uma qualquer fatalidade ou inevitabilidade.

 

Importa salientar o formalismo da coisa em si. Por muito modernizada que a monarquia se tenha tornado, por muitos adjetivos que compre (parlamentar, constitucional...), por muito que se tenha adaptado às idiossincrasias, às burocracias e aos palcos mediáticos da era contemporânea europeia, a monarquia não deixa nunca de ser exatamente o que é. E o que é, quando analisamos a sua estrutura de base, é degradante, para dizer o mínimo, na perspetiva do cidadão que a ela se submete. A monarquia é o espaço natural das classes sociais e económicas, de tal forma evidente, que elas se estabelecem logo na génese do indivíduo. E por isso, ainda que se possa encontrar exemplos com vantagem da monarquia sobre a república, exemplos de práticas de igualdade e de justiça efetivas, o formalismo da monarquia é inexorável e, portanto, inaceitável. Já o da república traduz-se numa estrutura de base de igualdade e de justiça. O que os povos dela fazem, nomeadamente no que diz respeito à organização económica que preferem, não deve ser aqui abordado.

publicado às 12:07

Mais sobre mim

imagem de perfil

Subscrever por e-mail

A subscrição é anónima e gera, no máximo, um e-mail por dia.

Arquivo

  1. 2024
  2. J
  3. F
  4. M
  5. A
  6. M
  7. J
  8. J
  9. A
  10. S
  11. O
  12. N
  13. D
  14. 2023
  15. J
  16. F
  17. M
  18. A
  19. M
  20. J
  21. J
  22. A
  23. S
  24. O
  25. N
  26. D
  27. 2022
  28. J
  29. F
  30. M
  31. A
  32. M
  33. J
  34. J
  35. A
  36. S
  37. O
  38. N
  39. D
  40. 2021
  41. J
  42. F
  43. M
  44. A
  45. M
  46. J
  47. J
  48. A
  49. S
  50. O
  51. N
  52. D
  53. 2020
  54. J
  55. F
  56. M
  57. A
  58. M
  59. J
  60. J
  61. A
  62. S
  63. O
  64. N
  65. D
  66. 2019
  67. J
  68. F
  69. M
  70. A
  71. M
  72. J
  73. J
  74. A
  75. S
  76. O
  77. N
  78. D
  79. 2018
  80. J
  81. F
  82. M
  83. A
  84. M
  85. J
  86. J
  87. A
  88. S
  89. O
  90. N
  91. D
  92. 2017
  93. J
  94. F
  95. M
  96. A
  97. M
  98. J
  99. J
  100. A
  101. S
  102. O
  103. N
  104. D
  105. 2016
  106. J
  107. F
  108. M
  109. A
  110. M
  111. J
  112. J
  113. A
  114. S
  115. O
  116. N
  117. D
  118. 2015
  119. J
  120. F
  121. M
  122. A
  123. M
  124. J
  125. J
  126. A
  127. S
  128. O
  129. N
  130. D
  131. 2014
  132. J
  133. F
  134. M
  135. A
  136. M
  137. J
  138. J
  139. A
  140. S
  141. O
  142. N
  143. D
Em destaque no SAPO Blogs
pub