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Porto de Amato

Porto de abrigo, porto de inquietação, porto de resistência.

Porto de Amato

Porto de abrigo, porto de inquietação, porto de resistência.

Uma nota de rodapé sobre o “Jogo Duplo”

É interessante notar que a Operação Jogo Duplo visa desmontar um esquema de viciação de resultados envolvendo apenas as equipas da segunda divisão de futebol portuguesa. Os montantes em causa deverão estar na ordem das centenas de euros, vá, que sejam milhares. Quanto à primeira divisão, ou primeira liga como se lhe quiser chamar, onde os montantes movimentados seriam sempre multiplicados por dez ou por cem, pelo menos, nem uma suspeita! É deveras interessante constatar este facto!

 

Parece que, para quem de direito, quanto mais dinheiro se movimenta, mais sérias são as pessoas! Qual mundo de fantasia em que vivemos... Por mim, desconfio que uma investigação séria e transversal, a ser feita, faria com que o caso Calciocaos, que abalou o futebol italiano há cerca de sete anos, fosse visto como uma brincadeira de crianças.

publicado às 11:14

A máquina retrógrada

O processo de metamorfose que conduziu a primordial RTP N, “N” de notícias, à atual RTP 3, passando também pela RTP Informação, uma espécie de estádio de girino, antecâmara para a sua forma final, não consistiu numa mera operação de cosmética no visual do meio de comunicação em causa. Foi mais do que isso: foi uma transformação de conteúdo.

 

Com efeito, para a composição dos quadros de “jornalistas” e “editores”, assim como para os painéis de “comentadores”, foi elaborada uma rigorosa e criteriosa escolha de personalidades. Repare-se quão ténue é hoje a diferença entre as designações jornalista, editor e comentador. A nomenclatura é usada aqui, portanto, com função de mera decoração linguística. A escolha, dizia eu, por obedecer a tão rigorosos critérios, resultou num grupo de personalidades que constitui hoje, atrevo-me a escrever, possivelmente não o mais reacionário canal de informação televisiva, mas seguramente o mais descarado, o mais desbocado e o mais petulante. Isto mesmo havia sublinhado neste blog, em jeito de nota de rodapé, aquando do início da carburação da dita máquina retrógrada.

 

Mas como qualquer “equipa vencedora”, o “plantel” da RTP 3 não é apenas constituído por caras novas e contratações sonantes, leia-se gente a quem o Capital decidiu premiar e estender a sua caridosa mão por tão devotamente saberem defendê-lo. Alguns dos que compõem a espinha dorsal do “onze titular” da estação já pontificavam naquela casa e, como toda a gente sabe, são sempre os “homens da casa” os que controlam o “balneário” e sabem unir a equipa.

 

É o caso de José Rodrigues dos Santos ao qual foi dada renovada liberdade no seio desta nova equipa para poder explanar o seu jogo a seu bel-prazer. Muitas pessoas têm ficado escandalizadas com o inexato gráfico que o senhor “jornalista” apresentou para explicar a evolução da dívida portuguesa e essa mesma revolta têm exprimido nas redes sociais.

 

https://1.bp.blogspot.com/-69bxbGmtgnI/VysqC-ZXvfI/AAAAAAAAEnc/3Sm-DL6uGiEs0n_1xKiZu02Bv22LoWkfQCLcB/s1600/JRS-Divida-publica-original.jpg

 

Este é simplesmente o episódio último da máquina retrógrada que é a RTP 3 ou, digamos, a por ora última jogada ou última finta, do “jornalista” em causa, e é verdade: o gráfico constitui efetivamente uma grosseira manipulação matemática na apresentação dos dados que supostamente o sustentam através de um processo de adulteração das escalas de ambos os eixos do gráfico. Este facto, facilmente comprovável, teve como objetivo hiperbolizar as conclusões que se pretendiam retirar e passar aos espectadores. Por outras palavras: o objetivo era condicionar e enganar o público.

 

Houvesse lei e justiça e este “jornalista” responderia e pagaria pelo que fez. Houvesse decência e ética profissional e o mesmo estaria já demitido das suas funções. Mas tudo isto é efetivamente natural, nem tão pouco o “jornalista” faria o que fez sem ter, nas suas costas, um “treinador” que dá a tática e o suporta.

publicado às 16:46

Isto muda devagar

“Tu, que és professor, tens que ajudar a mudar isto”.

“Mudar? A que te referes?”

“Esta juventude... Só se fores tu a incutir-lhes os bons valores.”

“Faço o que posso.”

“Só se fores tu... para isto ir mudando... devagarinho...”

“Mas sabes?”

“O quê?”

“Isto dos bons valores não é coisa que se ensine.”

“Explica?”

“Ajuda, claro, mas não é coisa que se ensine. Quer dizer: com o Português e a Matemática.”

“Hum?”

“O sentido de solidariedade, de justiça, de igualdade, vêm de cá de dentro, daqui... do coração. Ou os tens ou não os tens.”

“Mas ajuda saber umas coisas...”

“Claro! Mas olha: o vinte e cinco de abril de setenta e quatro parece que foi ontem, mas já passaram quarenta e dois anos!”

“É verdade.”

“E nestes anos o que aconteceu? Acaso consideras que esta nova geração, a mais e melhor formada de todas as gerações, é mais solidária, mais justa e mais igualitária?”

“Não me parece.”

“A mim também não.”

“O que fazer, então?”

“Continuarei a fazer o meu trabalho, a minha parte.”

“Isto muda devagar.”

“Devagarinho.”

“Tão devagar que às vezes até parece que anda para trás.”

“Mas não anda.”

“Não, não anda.”

 

static.blastingnews.com/media/photogallery/2015/4/25/main/o-cravo-como-simbolo-do-25-de-abril_315389.jpg

publicado às 16:43

Os Papéis como sintoma

Hoje fui à Autoridade para as Condições de Trabalho. Cheguei cedo, ainda era muito cedo, o sol ainda espreitava tímido no céu azul e os seus raios finos e tenros mal conseguiam perfurar as paredes de prédios cinzentos que ladeavam a avenida. Mas o meu conceito de cedo revelou-se desajustado com a realidade daquela sala de espera.

 

Encontrei uma vintena de pessoas que, como eu, esperavam, ansiosas por resolver os seus problemas laborais ou, no máximo, colher um feixe de esperança que, ainda que ténue, os guiasse para uma luz ao fundo do túnel.

 

Isto é o reflexo do estado do país, do estado lastimável da sociedade. Não são nem Panamá Papers nem outros mega processos jornalístico-judiciais que o mostram. O estado do país vê-se aqui. O resto é foguetório para entreter a malta.

 

A raiz dos problemas revela-se aqui, no ACT, onde cada sala de espera apinhada devia envergonhar cada governante sobre o estado do trabalho, sobre o desequilíbrio de forças que existe no nosso país e sobre as consequências nefastas que se multiplicam na distribuição da riqueza e na justiça social.

 

Nada disto é genuinamente surpreendente. Estas salas abarrotadas são o resultado de vários anos de políticas que forçaram o desequilíbrio de forças entre o patronato e o operariado, com vantagem evidente para o primeiro, ainda que com o obséquio ativo do segundo. E é precisamente aqui que radica tudo o resto, a acumulação obscena de riqueza e, consequentemente, casos como este que agora preenche todas as primeiras páginas, os Papéis do Panamá.

 

Os Papéis não são causa de nenhum problema, são apenas sintoma. Simplesmente é-nos conveniente pensar o contrário.

publicado às 12:17

Paralelo confrangedor

Em outubro de dois mil e treze o Tribunal de Atenas condenou a vinte anos de prisão o ex-ministro Akis Tsochatzopoulos por branqueamento de capitais em negócios relacionados com a compra de armamento à Alemanha.

 

O paralelo com o caso português é confrangedor.

publicado às 20:08

As contemporâneas vinhas da ira

Todos os dias os sites de emprego inundam as caixas de correio daqueles que o procuram com dezenas de novas oportunidades, centenas de ofertas. Muitas delas não têm nada de novo. Muitas são recorrentes ou apresentadas de uma outra forma. Muitas oferecem-nos a oportunidade de pagar para trabalhar. E, por isso, lá permanecem muito tempo, à espera que algum desgraçado lhes pegue.

 

Os meios de propaganda evoluíram: são mais baratos, mais rápidos e eficazes, mas o processo permanece o mesmo, todavia aprimorado e otimizado.

 

Isto fez-me lembrar uma passagem particular de As Vinhas da Ira, de John Steinbeck, que reproduzo, em seguida, na íntegra. É assustador como nós, enquanto povo, evoluímos tão pouco em termos dos nossos princípios e da nossa inteligência. Somos as mesmas ovelhas de sempre, mais diploma, menos diploma, a lamber os pés dos mesmos pastores que nos governam.

 

      “O esfarrapado perguntou:

      — Vocês não têm para onde ir? Não podem voltar para casa?

      — Não — disse o pai. — Expulsaram-nos. Passaram um trator por cima da casa.

      — Então não podem voltar para trás?

      — Claro que não.

      — Então não vale a pena desencorajá-los — disse o esfarrapado.

      — Nem nos desencoraja. Pois se eu vi esse papel que dizia que eles precisavam de gente! Se eles não precisassem de gente, era um disparate gastarem dinheiro em impressos. Nem os distribuiriam se não precisassem de gente.

      — Está bem; não quero desencorajá-los.

      O pai gritou colérico:

      — Agora, que já começou a dizer asneiras, não fique calado, ouviu? Estava lá escrito: «Precisa-se de gente.» E você aí a rir-se e a dizer que é mentira. Quem é que mente, afinal de contas?

      O esfarrapado fixou bem os olhos irritados do pai. Parecia triste.

      — O papel diz a verdade — respondeu. — Lá precisar de gente, precisam.

      — Então porque é que você se ri tanto?

      — É porque vocês não sabem de que espécie de gente é que eles precisam.

      — Como, que espécie de gente?

      O esfarrapado tomou uma decisão:

      — Ouça, senhor. Quanta gente diz o papel que eles precisam?

      — Oitocentos e isto é só num sítio.

      — É um papel cor de laranja, não é?

      — É sim, porquê?

      — Tem o nome do tipo... fulano de tal... engajador?

      O pai meteu a mão no bolso e retirou o impresso dobrado.

      — Ouça — disse o homem. — Isso não faz sentido. Esse tipo quer oitocentos homens. Manda imprimir cinco mil desses papelinhos, que umas vinte mil pessoas lêem. Vão para lá pelo menos umas duas, três mil pessoas, por causa desse papel. Pessoas que já não sabem onde têm a cabeça com tanta preocupação.

      — Mas isso não se compreende — gritou o pai.

      — Mas vão compreender quando falarem com o tipo que mandou distribuir esses papéis. Com ele ou com qualquer outro que trabalhe para ele. Vocês vão pernoitar nas valas das estradas juntamente com outras cinquenta famílias mais. E ele vai procurar a vossa tenda, a ver se vocês ainda têm de comer. E quando vocês já não tiverem nada, pergunta-lhes assim: «Querem trabalhar?» E vocês respondem: «Queremos, sim, senhor. Que bom se o senhor nos arranjasse trabalho!» E ele dirá: «Talvez se possa arranjar alguma coisa.» E vocês perguntam: «Quando poderemos começar?» E ele então diz-lhes para onde devem ir e quando e depois vai-se embora. Talvez ele precise de umas duzentas pessoas, mas fala com quinhentas, pelo menos, que contam a coisa a outras, de modo que, quando vocês chegarem ao lugar marcado, já lá encontram umas mil pessoas. Aí, esse sujeito que falou com vocês, diz: «Eu pago vinte cents a hora.» E então, pelo menos metade das pessoas vai-se embora. Mas ainda ficam outras quinhentas que estão a morrer de fome e que querem trabalhar nem que seja para poderem comprar pão. [...] Compreende agora? Quanto mais gente esfomeada eles arranjam, menos precisam de pagar como salário.”

      in As Vinhas da Ira, John Steinbeck, trad. Virgínia Motta.

publicado às 11:12

Portugal em lei marcial, não um acidente de percurso, mas um ponto de controlo para a meta

Portugal encontra-se em estado de sítio onde impera a lei marcial. É já claro que o estado se vê incapaz de providenciar os serviços mais básicos e essenciais ao funcionamento da sociedade, sendo os mais visíveis a justiça e a educação, não constituindo casos únicos. Com efeito, a desorganização estende-se transversalmente a todos os outros setores, incluindo a saúde, a organização do trabalho e do sistema de apoio social. Os dois primeiros são, sem prejuízo para os demais, as capas de cartaz desta lamentável peça governativa de não menos lamentáveis intervenientes. Relativamente ao primeiro, a justiça, devemo-nos contentar por ela se encontrar vendada, incapaz de ver, por exemplo, aquele decreto-lei que suspende todos os prazos processuais, assim como o funcionamento das estruturas da justiça em tristes caixotes ou até o transporte de materiais processuais em condições surreais. Fala-se no comprometimento de imensos processos. Já no caso da educação não existe memória efetiva de um ano de tanta falta de competência e de vergonha no processo de colocação de professores. Passa-se um mês após o início do ano letivo e é esmagadora, e arrebatadora até, a quantidade de escolas que não funcionam em pleno, de alunos sem aulas e sem acompanhamento.

 

Tirado o negro e vil retrato do estado a que o país chegou seria importante perceber o fenómeno não como um acidente de percurso, como alguns querem fazer passar, ou como um problema de competência dos ministros em causa, como muitos mais pretendem pintar, mas como um um checkpoint, ou ponto de controlo, que opaís está a atravessar, no caminho para a meta final pretendida. De facto, esta situação é uma consequência das políticas traçadas, do desinvestimento contínuo e sustentado, ano após ano, atravessando todos os setores. É uma consequência e uma estratégia, um passo determinante na desvalorização dos serviços de justiça e de educação, e machadada efetiva na descredibilização do estado enquanto prestador de serviços, passando a imagem de ser uma entidade incapaz de gerir o que quer que seja. Esse é o objetivo intermédio fundamental para, então, desimpedir o caminho para aquela meta que está e esteve presente desde o princípio: a privatização generalizada de todos os setores, leia-se, a venda de garagem do próprio estado em peças soltas.

 

Nota: Não se confunda o desinvestimento operado com poupança. Uma coisa não corresponde à outra. O que se tem passado é o transporte de verbas dos serviços públicos para outras alocações.

publicado às 15:21

Cinco de outubro: notas sobre o formalismo do regime ou a consciência do cidadão

Comemora-se hoje o dia da capitulação final do regime monárquico e da implantação da república no nosso país. Trata-se de um dia de substancial importância na medida em que, formalmente, Portugal deixou de ser liderado por uma casta de indivíduos nascidos para o efeito para passar a ser liderado por cidadãos escolhidos de forma não arbitrária (democrática).

 

Que esses cidadãos, escolhidos para liderar no regime republicano, também têm pertencido invariavelmente a uma certa casta, nomeadamente à do poder económico, é outra conversa. Que a república se tenha tornado rapidamente mais dispendiosa que as mais faustosas monarquias europeias, outra história é. Trata-se, ultimamente, da consequência das escolhas coletivas da população e não de uma qualquer fatalidade ou inevitabilidade.

 

Importa salientar o formalismo da coisa em si. Por muito modernizada que a monarquia se tenha tornado, por muitos adjetivos que compre (parlamentar, constitucional...), por muito que se tenha adaptado às idiossincrasias, às burocracias e aos palcos mediáticos da era contemporânea europeia, a monarquia não deixa nunca de ser exatamente o que é. E o que é, quando analisamos a sua estrutura de base, é degradante, para dizer o mínimo, na perspetiva do cidadão que a ela se submete. A monarquia é o espaço natural das classes sociais e económicas, de tal forma evidente, que elas se estabelecem logo na génese do indivíduo. E por isso, ainda que se possa encontrar exemplos com vantagem da monarquia sobre a república, exemplos de práticas de igualdade e de justiça efetivas, o formalismo da monarquia é inexorável e, portanto, inaceitável. Já o da república traduz-se numa estrutura de base de igualdade e de justiça. O que os povos dela fazem, nomeadamente no que diz respeito à organização económica que preferem, não deve ser aqui abordado.

publicado às 12:07

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