Deixei passar cinco dias e cinco noites sem escrever aqui no blog. De seguida, deixo algumas notas sobre o que tem acontecido nestes dias.
O Partido Comunista tem sido atacado de todos os lados e tem sido alvo de todo o género de argumentação muita dela espumada daquele preconceito secular que se sustenta na inveja e na ignorância. Todos procuram navegar na crista da onda que foi a derrota nas presidenciais. Todos procuram ser os primeiros a anunciar o ambicionado fim do PCP e do movimento comunista em Portugal. De notar, neste particular, a preponderância e o protagonismo de muitas partes que se dizem de esquerda.
É interessante notar que o Partido Comunista tem tido nestes dias o espaço mediático que nunca antes teve, ocupando espaço opinativo anteriormente vedado. Servem para este propósito todo e qualquer pretexto, inclusivamente a infeliz adjetivação de Jerónimo, “engraçadinha”, que rapidamente assumiu proporções surreais. Se o que disse Jerónimo não parece interessar a ninguém, muito menos interessará o que Jerónimo realmente terá procurado dizer e sobre isto poder-se-ia discorrer muitíssimo.
Mas a contradição reside aqui mesmo. O candidato apoiado pelo Partido Comunista Português obteve escassos quatro pontos percentuais de votação relativa mas, ainda assim, revolvem-se os espectros da comunicação social agoirando a morte do comunismo, apressam os comentários, remoem-se os preconceitos e as difamações fáceis, desmultiplicam-se os ataques. Creio que o Partido Comunista é o único partido português que, com escassos quatro pontos percentuais de votação, assusta e apoquenta tantas e tantas forças contra si.
Ao mesmo tempo assistimos serenamente ao processo autodestrutivo deste governo cuja atuação é desconcertante e desprovida de qualquer tipo de estratégia inteligível. A Europa tem um partido bem definido, toma partido e começa agora a falar mais grosso do alto da prepotência do capital que a criou.
O governo começa a deixar cair medidas orçamentais, uma atrás da outra, escudando-se na sua própria covardia, isolando-se cada vez mais, encurralado entre a Europa e a esquerda, ambas com acordos na mão. Mas mais relevante é este governo ver-se popularmente diminuído e deslegitimado, facto resultante das últimas eleições e que, ultimamente, traça o seu fim próximo.
Passo Coelho, por seu turno, continua a comportar-se como se ainda fosse Primeiro-ministro. O seu discurso é impermeável de realidade e de responsabilidade, de memória ou decência. Fala qual personalidade carregada de virtudes e credora da admiração de todos. Nota-se, contudo, que a atitude e o discurso não são por acaso. Ouvir o povo referir-se a Pedro Passos Coelho chega a ser embaraçoso. O povo prepara-se para empossar o seu próprio carrasco uma vez mais forçando-o a terminar o serviço encetado há mais de quatro anos.
O povo é soberano nas suas escolhas mas não é por isso que as suas escolhas deixam de refletir a sua própria natureza, nem o inibem das suas consequências e responsabilidades. E o tempo em que tanto umas como outras serão colhidas como feixes de trigo tenro está para chegar.
Espanta-me esta sociedade em que vivemos onde frequentemente personalidades várias, proferindo falsidades facilmente verificáveis como tal, permanecem incólumes ao crivo da credibilidade social ou mediática. Pelo contrário, nada lhes sucede. O doutor permanece doutor, o senhor engenheiro continua senhor engenheiro e o senhor arquiteto mantém-se como senhor arquiteto, e todos eles mantêm as suas posições de destaque no espaço de opinião e de comentário social. Espanta-me que tal suceda desta forma. Para mim, alguém que diz uma falsidade ou é mentiroso ou ignorante. Não consigo vislumbrar sequer um meio termo, quanto mais uma terceira alternativa.
Nos dias que correm têm saltado, desde debaixo das pedras de onde vivem para a ribalta mediática, inúmeras personalidades, todas anticomunistas pejadas de um horror pela mera suposição do PS poder governar com o apoio parlamentar do Partido Comunista. Saltam com os chavões anticomunistas do costume, com as falsidades e as generalizações negativas que se conhecem. Uma destas personalidades foi António Barreto, a sinistra figura que dizem ser sociólogo. Na RTP3 disse o seguinte:
Em 100 anos, nunca vi um partido comunista no poder que governasse com eleições livres, com partidos políticos, com liberdade de expressão, sem exilados, sem presos políticos.
O jornal Público, honra lhe seja feita, publicou a prova dos factos que pode ser consultada aqui e que desmente cabalmente a afirmação caluniosa produzida.
Como referi no princípio, daqui só pode resultar uma de duas coisas: ou António Barreto é mentiroso ou é ignorante. Se é mentiroso, fá-lo com a intenção de poluir e de influenciar a opinião pública. Se é ignorante, então... simplesmente é. Mas uma das duas, reforço, será seguramente. As duas opções não abonam nem a favor do próprio, nem a favor dos canais de comunicação social que lhe dão voz, a ele e a outros como ele. Porque há muitos outros como ele.
Podemos constatar que este anticomunismo primário leva longe quem o adota. Por exemplo a Paulo Rangel, que também tem sido muito verbal neste particular, valeu-lhe o cargo de vice-presidente do partido popular europeu com a benção exclusiva de Angela Merkel.
Reconheço plenamente a importância do voto secreto na democracia. Reconheço-o mas, por vezes, pondero...
Por vezes, imagino que cada pessoa devia dizer abertamente em quem vota. Mais: devia ser marcada na testa respetiva a sigla do partido em quem votou, sigla essa que duraria pelo período governativo em questão. Claro que depois caio na real e esqueço tamanho disparate. Perder-se-ia muita liberdade a troco de muito pouco.
Acho que estas coisas assaltam-me o pensamento porque a nossa era é a da irresponsabilidade. Ninguém se julga responsável por nada e é célere a exibir um indicador em riste para apontar a culpa alheia. Muitas vezes apetece dizer:
“Olha-te ao espelho! Estás sempre a chorar mas olha para a tua testa, olha a sigla que está lá marcada. Foste tu que os meteste lá, porque votaste neles a quem apontas o dedo ou porque nem sequer foste votar. Assume a tua responsabilidade.”
Mas ninguém assume a sua responsabilidade. A culpa é sempre da corrupção e das mentiras que disseram na campanha eleitoral e sobre si próprios paira sempre uma aura de inocência e de impotência perante a coisa.
Não obstante, depois de quatro de outubro a história, tudo aponta, repetir-se-á. Não obstante, continuo à espera de uma surpresa.
publicado às 09:54
Subscrever por e-mail
A subscrição é anónima e gera, no máximo, um e-mail por dia.