Já era expectável um cenário semelhante àquele que experimentamos para os anos que durar este executivo governativo. Os dados já tinham sido lançados ainda antes, muito antes, do processo de formação do governo, processo esse que, se outra coisa não lograr, serviu pelo menos para o extremar de posições à direita.
As forças de direita traduzem-se na atualidade por forças de um bloqueio que extravasa em muito a sua condição de oposicionistas. Com efeito, não há que temer pronunciar a verdade, as forças de direita assumem um caráter extremista radical, manifestando a sua incapacidade de aceitação do desenrolar democrático através de atentados bombistas mediáticos que vão ocorrendo a um ritmo diário, sem precedentes, numa ação concertada com os poderes económicos e os seus instrumentos propagandistas, os jornais, as rádios e as televisões.
O precedente aberto com este modus operandi da direita revela o seu desespero pela perda do poder mas, mais do que isso, demonstra uma fúria descontrolada por parte da burguesia portuguesa pela ideia de ter perdido os seus mais fervorosos servos apóstolos dos locais de decisão. Se refletirmos por um momento, é difícil encontrar sólidas justificações para esta ação. De facto, a alternância PS-PSD foi sempre, historicamente, o inabalável eixo de salvaguarda e de amparo a cada um dos mais íntimos desejos dos capitalistas deste país e este governo, até ver, não tem beliscado excecionalmente os seus interesses. O que será então?
O que será que justifica a sucessão de notícias que têm aparecido? Esta semana acordámos numa gritaria histérica em redor do caso Diogo Lacerda Machado. O país acordou em peso para a inaceitável realidade de haver um intermediário não oficial do Estado a negociar em seu nome e de este também ter os seus próprios interesses profissionais e particulares. Lamentavelmente, os meios de comunicação como um todo foram atingidos de amnésia aguda. Esqueceram-se, por exemplo, de casos como o do falecido António Borges que, no tempo do anterior executivo, era tido como o Ministro Sombra. Esqueceram-se e, subitamente, o caso Diogo Lacerda Machado assumiu contornos de escandaloso. Creio que “escandaloso” seria melhor aplicado a esta falta de vergonha que assola a ação da direita portuguesa e que se sobrepõe, como sempre, a qualquer tipo de ética jornalística. Aliás, parece já não existirem jornalistas a habitar os jornais: parece que apenas existe e se multiplica essa massa informe de vida a que se dá o nome de opinantes.
Frequentemente, dou comigo a pensar que quem mais critica atualmente o governo é quem menos legitimidade tem para o fazer e o inverso também é verdadeiro. As pessoas que criticam ferozmente o governo por este não lhes conceder aquilo que esperavam são, por ventura, as mesmas que votaram à direita, nas políticas de austeridade e de carestia. Seria bom que também aqui houvesse um pouco menos de hipocrisia.
Este desespero da direita não é exclusivo de Portugal, longe disso. Vemo-lo claramente noutros países da Europa, na América Latina, em África. Tenho amigos que acreditam que é fruto de um outro desespero mais profundo, um desespero do sistema. O capitalismo encontra-se numa situação aflitiva, embora invisível ao olhar comum. Os seus mercados de outrora estão a fechar-lhe as portas. A China, sobretudo, e a Índia ocupam muito daquele que era o seu sacrossanto espaço de exploração de recursos humanos e materiais. O mesmo se começa a experimentar na América Latina e em África, embora noutros moldes e a outras velocidades. E é neste contexto que se pode perceber melhor esta deriva antidemocrática e autoritária, de pensamento único, que assola os partidos do regime um pouco por todo o mundo. É uma questão de sobrevivência. É a sobrevivência do capitalismo que está em causa.
É claro que, retornando ao caso português, nem governo, nem maioria parlamentar, concorrem para uma perspetiva de legislatura serena. O governo multiplica-se em questiúnculas patéticas, de natureza distintamente paralela ou superficial que, não obstante a sua insignificância, consegue magnificar assinalavelmente através da sua inabilidade e uma certa obstinação pelo politicamente correto. São exemplos o caso do Ministro da Cultura, do novo e do velho, do secretário de Estado da Juventude e Desporto e do Colégio Militar. Por seu turno, a maioria parlamentar de sustentação governativa, concretamente o Bloco de Esquerda, parece querer navegar a onda das primeiras páginas de que falava nos primeiros parágrafos e, desse modo, fazer o papel da direita confrontando o governo com pseudoproblemas e erguendo disputas que, objetivamente, não são as suas. Assim foi o caso da agressiva exigência da demissão do Governador do Banco de Portugal. A deriva febril por mediatismo do Bloco não possui um vislumbre de término e não cessa em surpreender-me. Apenas justifico tal ação, de mim para mim, como uma estratégia precipitada de distração das massas daquela picaresca proposta do Cartão de Cidadania.
Em todo o caso, o governo vive tempos muito difíceis que não parecem dever o que quer que seja ao circunstancial. Existe ainda o Presidente Marcelo que poderá ter uma palavra a dizer. A minha dúvida, por ora, é saber se essa palavra que o Presidente eventualmente dirá não será imposta pela força das circunstâncias com que este governo se rodeia, sobrepondo-se à declarada e descrita estratégia da direita. Para já, nestes preliminares tempos de presidência, a ação do Presidente Marcelo Rebelo de Sousa suscita-me apenas palavras de aprovação que pronuncio sob um composto de surpresa, de reconhecimento e uma ponta de desconfiança. Poderá até ser que sejam as “qualidades” do seu antecessor que o valorizem, mas Marcelo Rebelo de Sousa apresenta atributos, a oratória, o bom-senso, a sua capacidade diligente, e também uma certa transparência no trato e na comunicação, que acrescentam e elevam o cargo, como aliás o cargo, desesperadamente, precisava.