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Porto de Amato

Porto de abrigo, porto de inquietação, porto de resistência.

Porto de Amato

Porto de abrigo, porto de inquietação, porto de resistência.

Da mais fina hipocrisia

Os mesmos que se indignam com o “mundial da vergonha” do Catar são os mesmos que defendem os “negócios” ocidentais com a Arábia Saudita, principal aliada naquela zona do globo dos interesses americanos e europeus. E são os mesmos cujo clube de futebol preferido exibe patrocínio dos Emirados Árabes Unidos. Trata-se, claro, de países muito diferentes no que aos direitos humanos, das mulheres e outros diz respeito. Trata-se, sim, da mais fina hipocrisia, reflexo perfeito de uma sociedade de fogos de palha, que vive do drama fugaz e da tragédia célere e efémera, mas que, em boa verdade, nada quer que realmente mude. O que quer é que os dias continuem a correr como sempre.

publicado às 08:57

O pensamento mágico sobre o mundo

Numa notícia de primeira página de ontem, dizia-se que o mundo chegava aos oito mil milhões e a pergunta que imediatamente se fazia era como iríamos alimentar a humanidade. Na histeria ambientalista das últimas semanas, motivada pela encenação da COP 27 que aconteceu no Egito, vimos escolas e universidades fechadas, manifestações exigindo o “fim do fóssil” e o apelo às renováveis. A forma como estes problemas reais nos são colocados é, em si própria, condicionante da discussão e da reflexão. A ideologia começa exatamente na forma como as perguntas são feitas. Neste particular, é bom ouvir o filósofo esloveno Slavoj Zizek.

O denominador comum parece ser o apelo a uma espécie de pensamento mágico sobre o mundo e sobre as suas propriedades. A população humana continuar a crescer exponencialmente não é um problema, desde que encontremos uma forma mágica de a alimentar. O problema do ambiente é o fóssil, porque o fóssil faz fumo negro, o renovável não faz fumo negro e permite carregar os nossos carros e telemóveis. De um modo igualmente mágico, acreditamos que o renovável faz tudo o que o fóssil faz, mas sem a parte da poluição.

Claro que nada disto é verdade. Se estudarmos um pouco as questões, facilmente concluímos que os nosso números não são sustentáveis se pretendermos que todos os cidadãos do mundo tenham um certo nível de vida aceitável; e também descobriremos, surpresa das surpresas, que o renovável é muitíssimo menos eficaz que o fóssil, e que tem consequências ambientais gravíssimas, muitas das quais começarão a ser sentidas a breve trecho. Zizek diria qualquer coisa como: não ajas, pensa primeiro; o que queres que aconteça no dia seguinte, depois das manifestações?

Não obstante o admirável engenho humano, a questão de fundo está no nosso modo de vida e era aí que devia ser colocada. Mas esse, a mudança do modo de vida, da organização das nossas sociedades, não é o objetivo. Não é o objetivo das grandes corporações que governam o mundo e que promovem ou vão a reboque destes movimentos para mudar modelos de negócio, inventar outras formas de faturar e ganhar outras quotas de mercado. Mas também não é o objetivo dos manifestantes e da maioria da população que quer que tudo fique exatamente como está no que a esta sociedade de consumo insano diz respeito. A destruição do planeta encontra-se precisamente no desperdício alimentar, na obsolescência eletrónica, na sobreprodução completamente supérflua e não, a separação dos plásticos dos vidros não adianta grande coisa para o problema em mãos, ainda que tenha o condão de lavar a consciência a muita gente.

Continuamos o nosso caminho coletivo governados por este pensamento mágico que acredita que os carros elétricos vão salvar o planeta ao mesmo tempo que esgotamos os nossos recursos hídricos para os carregar e muitos outros para produzir as suas baterias. Temos uma inabalável fé nos filmes de ficção científica que nos são indoutrinados por Hollywood e vemos a nossa sociedade alimentada pela energia inesgotável do sol, mas somos incapazes de ver os campos a perder de vista de painéis solares que, pelo mundo fora, destroem paisagens, habitats e ecossistemas. Mas ainda que disso tenhamos consciência, tudo isso é justificado para manter o nosso modo de vida divinamente imposto. Queremos um telemóvel novo em cada Natal e um carro novo a cada dois anos e outras coisas, mais coisas, muitas coisas de que não precisamos, mas que precisamos ostentar para sermos alguém, para justificar a nossa existência de trabalho e exploração sem sentido.

Fukuyama, sem ele próprio perceber, tinha razão: o capitalismo é o fim da história. Vai acabar connosco. Porque nós assim o queremos.

publicado às 08:59

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