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Porto de Amato

Porto de abrigo, porto de inquietação, porto de resistência.

Porto de Amato

Porto de abrigo, porto de inquietação, porto de resistência.

A esquerda e o amor-próprio perdido

A escassos dias da realização das eleições legislativas antecipadas, sinto o país na antecâmara de tempos de incerteza e de desesperança. Depois de seis anos de apoio parlamentar ao governo PS, seis anos onde foi permitido, de facto, a cristalização — através da sua institucionalização e maquilhagem legal — dos retrocessos estruturais operados no tempo da troika na sociedade portuguesa, Bloco de Esquerda e Partido Comunista Português decidiram acabar com a parceria. O PS, em articulação estreita com o Presidente da República, aproveitou a oportunidade para tentar a maioria absoluta ou, pelo menos, enfraquecer a voz reivindicativa — já praticamente inexistente — da esquerda.

Acontece que em vez da situação poder representar uma inversão nesta situação de captura da esquerda política, pelo contrário, a estratégia da esquerda parece continuar a mesma. O que temos assistido é verdadeiramente confrangedor. António Costa a tomar o crédito por medidas que não teria tomado sozinho, a atacar miseravelmente Bloco e PCP, chegando ao cúmulo de lhes exigir pedidos de desculpas! A sério?! Um indivíduo cuja carreira política teria acabado se Jerónimo de Sousa não lhe tivesse estendido a mão quando já chorava a derrota aos pés de Passos Coelho vem agora exigir pedidos de desculpas para voltar a conversar? Isto é sério?! Isto é o cúmulo da indecência!

Mas do lado da esquerda, como dizia, continua a postura da mão estendida ao PS, depois de seis anos de abusos, de falta de honestidade, de medidas não levadas à prática, de acordos não cumpridos, de orçamentos acordados para logo serem rasgados com as cativações mais elevadas na história, a esquerda permanece de mão estendida, a implorar por acordos, à espera, talvez, da descida de Deus à terra desprezando, no processo, os seus valores, os seus princípios, o seu património ideológico.

É por isso que as perspetivas não são animadoras. O povo pode até não gostar de uma pessoa de fraco caráter, afirmação que carece de evidência, mas gosta seguramente menos de um parvo. Há o perigo concreto do país virar à direita o que, politicamente, é sempre grave, mas que na prática, por tudo o que foi dito acima, por tudo o que tem sido, de facto, a governação socialista, não é problema nenhum. A maioria das políticas da geringonça foram aprovadas à direita e não à esquerda e, por exemplo, o código laboral conseguiu ficar pior com a geringonça. Por isso, moderemos os dramatismos.

Além disso, nem tudo é negativo. Esta campanha eleitoral assistiu ao emergir de uma força política com juventude e sangue, com energia e idealismo revolucionário. O MAS, Movimento de Alternativa Socialista, surpreendeu-me pelo seu discurso, assumindo-se como anti-sistema, anti-capitalista, com ênfase nos jovens empurrados para a precariedade e para a emigração, na luta de massas e nas ruas. Corporizado na figura de Renata Cambra, afirma a necessidade de constituição de uma alternativa de esquerda sem o PS, algo que é rejeitado por Bloco e PCP: a geringonça acabou — e ainda bem que acabou —, mas Bloco e PCP querem manter com toda a força a sua relação de submissão para com o PS. Tenho esperança que o MAS possa crescer e conseguir representação parlamentar. Mesmo que não consiga, fiquei feliz por descobrir o discurso que procurava no MAS. O MAS representa os valores que a esquerda parlamentar esqueceu nestes anos. Representa o amor-próprio que a esquerda perdeu e não consegue encontrar.

publicado às 11:44

A construção de uma bipolaridade à direita

Qualquer pessoa minimamente razoável e perspicaz concordará que quatro anos de geringonça formal mais dois de geringonça informal traduziram-se mais numa “direitização” de PCP e Bloco do que de uma qualquer “esquerdização” do PS. A troco de um conjunto mínimo de recuperações de direitos e de salários, sobretudo no setor público e relativamente aos pensionistas, o PS foi autorizado a prosseguir na íntegra o projeto liberal iniciado pelo passismo: serviços públicos decadentes, elevadíssimos impostos sobre quem trabalha e consome para sustentar privatizações, parcerias público-privadas, bancos, empresas falidas, buracos financeiros e as brilhantes e eficientíssimas gestões privadas a que já estamos habituados no nosso país.

O passismo criou, de facto, raízes fortes: desenhou um plano pormenorizado para entregar definitivamente o país, os seus valores, a sua autonomia, a sua soberania, formou quadros, disseminou-os pelas instituições e pela comunicação social. E o PS fez o que não se faz: roubou o plano, alterou os nomes, mudou o texto, mas plagiou-o descaradamente e tomou-o como seu. É neste quadro que podemos compreender, ainda que dando de barato a inépcia de Rui Rio enquanto líder do PSD, o posicionamento dos jornais e dos canais de informação, as críticas constantes ao PSD de Rio, a ênfase e o mediatismo concedido a André Ventura e ao Chega muito acima do que seria expectável a quem apenas teve 1,29% dos votos. Chega e Iniciativa Liberal são, por assim dizer, as imanências de um passismo derrotado, mas não vencido.

Um PS a romper o apelidado “governo de esquerda” pela direita e a promoção com toda a força mediática de uma direita liberal e fascizante antecipam um quadro de bipolarização cada vez mais posicionado à direita, o que, associado a uma esquerda em acentuada perda, que não se consegue afirmar como esquerda que é, estando perfeitamente entregue ao redescoberto papel de muleta governativa, não augura um futuro próximo risonho para o país. Preparemo-nos, pois, para o que aí vem.

publicado às 11:08

Uma decisão com potencial transformador

A decisão de Carlos Moedas de tornar gratuita a utilização de transportes públicos em Lisboa tem passado mais ou menos despercebida num país preocupado em fazer contagens covid, mas tem o potencial de se revelar um ponto de mudança no panorama político nacional.

Com uma esquerda resignada a pequenos ganhos, pequenas alterações, uma esquerda que definitivamente esqueceu a revolução, a utopia, a transformação da sociedade, a adoção pelo centro-direita de uma medida como esta só pode abalar a balança do poder.

A ser posta em prática a gratuitidade generalizada dos transportes públicos em Lisboa, Moedas e o PSD fazem o que nenhum executivo camarário fez até hoje, mostram que este tipo de medidas não é pertença de nenhum universo ideológico, que é apenas uma ferramenta económica para melhor gerir a sociedade, seja à esquerda, seja à direita. Com isto, esvaziam a esquerda de boa parte do seu argumentário e enterram de vez os fantasmas da direita ultra-liberal Passos-Portas.

Não sei o que se vai passar a 30 deste mês — as próximas eleições estão já aí ao virar da esquina —, mas é precisamente uma medida como esta, uma medida de indiscutível alcance sócio-económico, que pode virar o eleitorado, que pode transformar as imagens públicas dos políticos e dos partidos. Se isso vier a suceder ninguém se lembrará de uma política local como esta, como é evidente. Todavia, são sementes como esta que fazem germinar, na grande Lisboa e no resto do país por contágio e por contraste, um sentimento íntimo e genuíno de confiança na mudança.

E a esquerda, PCP e BE, não precisa ficar amuada ou desiludida. Foi a esquerda que decidiu entrar no jogo da política burguesa, no jogo dos presentes eleitorais, das ofertas, das pequenas medidas, dos pequenos aumentos, dos pequenos direitos. Esse é um jogo que pode ser jogado por todas as partes. É o jogo da hipocrisia e do oportunismo. O caminho dos ideais, dos princípios, da coerência e, portanto, da revolução foi abandonado. Esses partidos estão, por isso, de parabéns: hoje fazem parte desse sistema — fazem parte da democracia burguesa — e por ele serão devorados.

publicado às 09:54

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