O voto aparelhista, o ideológico e o variável
O que justifica um determinado resultado eleitoral? O que explica um aumento ou uma diminuição no número de eleitores a nível nacional ou local?
A resposta a estas perguntas é verdadeiramente complexa. O eleitorado é a parte do povo que conta politicamente e, como parte do povo que é, é composta de múltiplas motivações particulares que podem ser influenciadas por certas tendências, por certas ondas coletivas que se vão criando e que se vão desfazendo também. Não há, portanto, uma resposta que não seja profundamente especulativa, cuja natureza não seja completamente subjetiva. Neste quadro, a única coisa que podemos fazer é avaliar a questão com a sensibilidade do nosso olhar próprio e sermos o mais honestos possível connosco próprios ao fazê-lo.
O eleitorado de um partido político, seja ele qual for, é composto por três partes: uma parte aparelhista, que vota para assegurar o seu posto de trabalho ou de influência social; uma parte ideológica, que vota por convicção, que se identifica com o ideário do partido e que acredita que o bem (mais ou menos) comum resulta, de alguma forma, da aplicação prática desse ideário; e uma parte variável, dominante sobretudo nos maiores partidos, uma parte que não é nem aparelhista nem ideológica, mas cujo voto, circunstancialmente, é seduzido pela mensagem desse partido.
Somos tentados a concluir rapidamente que será sobretudo nesta última parte variável que se joga o sucesso eleitoral de qualquer partido político, uma vez que as partes aparelhista e ideológica são mais ou menos fixas. Isto é verdade sobretudo quando analisamos as eleições individualmente. Um partido que é incapaz de cativar essa massa predominante de eleitores, que tanto votam mais à direita como mais à esquerda, será um partido condenado a modestos voos.
Todavia, quando refletimos sobre a problemática do eleitorado de um ponto de vista mais global, essa reflexão sugere que a sustentabilidade do crescimento de um partido a médio prazo fundar-se-á, forçosamente, na sua capacidade em converter o voto variável num voto ideológico. Do mesmo modo, a erosão eleitoral de um partido político deve ser compreendida à luz da sua incapacidade de manutenção do voto ideológico, que se transforma em voto variável e, a partir deste, dissipa-se, no tempo, para votos noutras forças políticas.
É no voto ideológico, e não noutro lugar qualquer, que se joga a sustentabilidade eleitoral de um partido político, quer no sentido do seu crescimento, quer no sentido da sua erosão. E é por isso que a fundamentação, a explicação e a defesa argumentativa da teoria política na prática política, na realidade do povo que vive e trabalha, é decisiva. Se o povo não compreender o ideal político, se não o perceber na prática do seu dia-a-dia, nunca o tomará como seu — a política não é bem como o futebol ou como a religião, não é bem, como muitos julgam, uma questão de fé. Não tomando o ideal político como seu, o voto correspondente será sempre circunstancial e variável. Por fim, mas nem por isso de somenos importância, coerência, coerência, coerência. Sem que à palavra corresponda um ato concreto, sem que palavra e ato estejam em consonância, tudo o que foi escrito anteriormente perde o valor.
Eu não sei porque é que a CDU, por exemplo, tem perdido eleitorado eleição após eleição, pelo menos nos últimos cerca de quinze anos. Não posso apontar uma razão que seja categórica ou objetiva do ponto de vista científico. Ninguém pode, com verdade, fazê-lo. Podemos apontar dezenas de razões subjetivas, como a incapacidade da liderança, a inépcia na transmissão da mensagem ou a falta de imaginação, a burocratização das ações políticas, sempre copiadas a papel químico das anteriores e incapazes de fazer ligação às massas. Há dezenas de razões subjetivas.
O que eu nunca esperei, todavia, é que fosse durante a vigência de um governo central que só existe devido ao apoio parlamentar da CDU e de um governo autárquico, o do município de Matosinhos, que também só existia com apoio de um vereador da CDU, que fosse tomada a decisão — conjunta entre privados e estado, também ele acionista — de encerrar a unidade industrial mais importante do norte do país, a refinaria da Petrogal em Leça da Palmeira. E é precisamente aqui que se enquadra o que falava anteriormente. É este tipo de prática, profundamente incoerente com o discurso marxista de apoio aos trabalhadores e ao povo, que, em última análise, converte o voto ideológico em voto variável e, este último, em voto noutro partido qualquer. A ideologia não se perde, bem entendido. O que se perde é o seu chão, o seu lugar, o seu partido.