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Porto de Amato

Porto de abrigo, porto de inquietação, porto de resistência.

Porto de Amato

Porto de abrigo, porto de inquietação, porto de resistência.

A jusante e a montante do Congresso

A questão essencial não é o PCP fazer ou não fazer o seu Congresso. Que está no seu direito, é evidente que está e era o que mais faltava que não o pudesse fazer. Este caso não é igual, nem sequer parecido, com o da Festa do Avante!, de cuja realização discordei a seu tempo. Não se trata de uma festa, de facto: trata-se de um evento político importante na democracia interna, na organização e definição da ação política de um partido e, como tal e como a Constituição bem acautela, a sua realização não pode ser posta em causa.

 

E façamos uma nota de rodapé neste ponto: quão necessitado está o PCP, como de uma malga de água para uma garganta queimada de sede, de um momento de verdadeira clarificação interna, como se a sua sobrevivência política dependesse disso!

 

A questão essencial não reside, portanto, na realização do Congresso. Ela está, antes, no alimentar destes ininterruptos folhetins inférteis, está em vermos um partido constantemente dedicado a defender-se a si próprio, o que faz ou o que deixa de fazer, empenhado em justificar-se perante a sociedade numa posição de vitimização aparente. Está a ser assim com o Congresso, foi assim com a Festa, com o 1º de maio e com o 25 de abril. Já cansa. É um partido constantemente na defensiva, a lamentar-se do anticomunismo primário — como se não fizesse ideia do que é e da sociedade em que se encontra — e a justificar-se a si próprio. O PCP vai fazer o Congresso, no estrito cumprimento da lei e obedecendo a todas as diretivas que lhe são exigidas pelas autoridades. Ponto. Alimentar polémicas à volta disto é entrar num jogo sujo e, talvez, querer tirar outros dividendos políticos.

 

Nesses dividendos poderá estar incluído não abordar as questões que realmente importam e, desse modo, continuar a oferecer o respaldo mediático ao governo e à sua paupérrima condução da crise sanitária e económica que, por ora, afeta o país. Uma delas seria, a título de exemplo, explicar como é que se pode viabilizar um orçamento de estado na generalidade, para depois apresentar mais de trezentas (!) propostas de alteração na especialidade. Como dizia, passar o tempo a dar troco a acusações em torno do Congresso é como dar o corpo às balas protegendo o governo como um fiel guarda-costas.

 

O Congresso parece, assim, ser colocado no mesmo plano em que a realização da Festa do Avante! havia sido colocada: a sua realização vale por si própria, como ato simbólico, como realização de uma burocracia partidária bem definida e enraizada e pouco pelo que devia significar enquanto evento essencial na democracia interna do partido, crucial na definição estratégica do rumo político do mesmo. De outro modo, como justificar a subtração de seiscentos delegados ao Congresso? Questões sanitárias? Mas, então, os mesmos eram ou não eram necessários enquanto legítimos representantes das vontades emanadas pelas bases? Nesta equação, em que membro fica afinal o centralismo democrático? Era isto que devia estar a ser discutido e não a realização pela realização do Congresso. Afinal, parece que, tal como com a Festa, o que interessa é fazer, seja de que jeito for, e não propriamente fazer a coisa bem feita, o que é um mau presságio. A Festa foi uma amostra do esplendor de calor humano que sempre teve. Do mesmo modo, o Congresso arrisca-se também a não cumprir o que tantos dele exigem. Pela minha parte, mantenho a esperança de que esta corrente reformista, de convergências com o poder burguês e cada vez mais afastada do proletariado, possa ser substituída na liderança política do PCP travando, deste modo, o definhamento crescente do partido.

publicado às 16:06

As consequências da social-democratização da esquerda e a ascensão da extrema-direita em Portugal

São como pesos numa balança de pratos: a força da esquerda é inversamente proporcional, em regra, à força da direita.

 

O momento atual apresenta-se como verdadeiramente dramático para todos os revolucionários que vêem uma esquerda enfraquecida, entregue à política das convergências, dos males menores, ativamente suportando e protegendo governações burguesas fortemente lesivas para o povo proletário, que promovem continuamente a concentração do poder nas mãos das elites.

 

A negociação deste orçamento de estado, não obstante algum golpe de teatro que possa ainda acontecer de natureza, todavia, meramente tática, mantém o tom dos anteriores: conceder uma carta branca ao governo PS, para que este possa prosseguir a sua política de proteção do grande capital, a troco de um aumento de 10 euros aqui, de uma dotação extra ali — que não será cumprida —, da invenção de um direito qualquer acolá — que, no final, acabará por não beneficiar ninguém —, enfim, de umas quantas vãs promessas espalhadas aos sete ventos que apenas servirão para o governo enriquecer o seu já abundante repertório de propaganda. Em traços gerais, a esquerda continua convertida a este lamentável papel, não obstante o Bloco ter, este ano, assumido uma posição de aparente rotura e de o PCP ter tomado, orgulhosamente, as rédeas do processo de legitimação governamental, procurando esconder o facto de não ter a coragem de se libertar da camisa-de-forças que, voluntariamente, vestiu com a “geringonça”.

 

A este processo chamamos de social-democratização da esquerda. A esquerda revolucionária, transformadora da sociedade, anticapitalista e antissistema deu lugar, definitivamente, a uma esquerda renovadora do sistema, que procura transformar o capitalismo por dentro, no seio da suas estruturas, uma esquerda inserida e respeitadora de todas as instâncias do estado capitalista, que mantém a ilusão de que um conjunto de novos impostos e leis é suficiente para proceder a uma reconfiguração da sociedade. Longe vão os sonhos de uma sociedade fundada sobre os alicerces da igualdade e da fraternidade. A utopia desta nova esquerda é a social-democracia, isto é, um capitalismo com cuidados sociais e atenção aos mais desfavorecidos.

 

O problema com as nossas ações, com as nossas opções políticas, é que não existe a prerrogativa de podermos escolher as suas consequências, isto é, não podemos retirar as consequências boas, positivas e altruístas e esquecer as outras, esquecer o outro lado da moeda. É verdade que a “geringonça” travou o ímpeto da direita e da austeridade. Claro que sim. Mas já é tempo de pararmos de repetir o óbvio. O que interessa agora é perceber qual foi o preço que tivemos que pagar.

 

A “geringonça” bloqueou o país num estado de austeridade permanente que foi mascarado pelo momento de anémico crescimento económico que se seguiu à recessão. Com efeito, a carga fiscal permaneceu colossal, os níveis de investimento público na economia, na criação de emprego, na manutenção dos serviços públicos, continuaram abaixo de zero e, hoje, face a nova crise económica, a situação do país apresenta-se, de facto, mais precária do que em 2011. De facto, o que a “geringonça” tem para apresentar em termos de gestão do país é embaraçoso.

 

A questão política, todavia, é mais relevante. A “geringonça” permitiu ao PS governar com carta branca, porque o caderno de encargos que a esquerda contratualizou com o PS foi, efetivamente, uma anedota, carta branca essa à qual se acrescentou um Presidente da República que viu no patrocínio a este governo uma possibilidade de poder e de protagonismo que nunca teria de outro modo.

 

A “geringonça” significou, de facto, uma espécie de poder absoluto o que teve consequências dramáticas para o povo e para o país: os trabalhadores foram abandonados nas suas lutas, os sindicatos silenciados e o patronato pode impor a sua vontade sem qualquer oposição. Todas as táticas ilegais que o governo de direita Passos-Portas usava para apoiar o patronato contra os trabalhadores, incluindo despachos ilegais atentatórios ao direito à greve, continuaram e continuam a ser usados por este governo PS sem que a esquerda faça o que quer que seja. A “geringonça” acabou por se tornar no tal governo “centrão”, no tal bloco central tão temido pelos partidos à esquerda e que governou ao agrado e para benefício do poder económico.

 

Este foi, pois, o contexto mais favorável para o aparecimento de um partido como o Chega! e que, pelo que foi descrito, deve ser observado com muito cuidado. Os adjetivos extrema direita, fascista ou racista, até podem ser muito apropriados à coisa, mas não nos ajudam a compreender o fenómeno. O discurso do Chega! coloca o dedo, quer queiramos, quer não, nas incongruências da social-democracia, de um sistema social sustentado pela classe média trabalhadora que dele pouco ou nada usufrui em favor de classes mais ou menos indigentes que pouco ou nada contribuem. A componente racista e de confronto social é utilizada oportunisticamente aqui ao serviço desta tese. Claro que a proposta do Chega! é populista e inconsistente, a que acresce a total falta de credibilidade e confiabilidade do seu líder. E também é verdade que o seu discurso tem arregimentado a extrema-direita fascista e racista. Mas quem reduz o Chega! a estas componentes não consegue entender bem o fenómeno e arrisca-se a uma grande surpresa nos próximos atos eleitorais quando se verificar que, até a partidos ideologicamente opostos, o Chega! vai ganhar votos.

 

Uma parte da responsabilidade do que vai acontecer é, pois, da esquerda: por ter promovido e defendido este poder absoluto do PS; por ter esquecido o povo trabalhador, particularmente a classe média, abandonando-a à voracidade do patronato que faz dela o que quer com este código de trabalho; por ter permitido o continuar do caminho de decadência dos serviços públicos e da influência do estado sobre a economia; por ter abandonado, enfim, os seus princípios mais basilares, a sua essência. Tudo isto conduziu a um descrédito generalizado da esquerda, perfeitamente perdida nas incongruências da social-democracia em que voluntaria e estrategicamente se meteu, e preparou o substrato ideal para a besta da extrema-direita poder medrar e crescer.

 

Não, não podemos escolher que responsabilidades assumir pelos nossos atos. Não adianta fingirmos autismo de conveniência. Temos que assumi-las, todas as responsabilidades, as boas e as más, por inteiro. E, no final das contas, daqui por cem anos, por quais será a esquerda julgada?

publicado às 11:24

«Parceiros» do riquexó

Riquexó japonês, 1897

image: pt.wikipedia.org

 

«Vários parceiros da Uber manifestam-se em Lisboa».

 

Tudo acerca desta frase é hilariante e, simultaneamente, dramático. Em que nos tornámos nós? Que sociedade é esta em que vivemos?

 

Os «parceiros» da Uber, os mesmos que, há não tanto tempo assim, invadiram as sociedades com a sua flexibilidade, baixos preços e apps catitas e modernas, não escondendo as suas precárias condições de trabalho mas, antes, exibindo-as como bandeiras de um futuro mais eficaz e adequado às necessidades de todos, impondo-se aos meios de transporte tradicionais e regulados, dizimando económica e mediaticamente o setor do táxi, colocando toda a sociedade acéfala a dizer Uber como sinónimo de modernidade, esses mesmos, os «parceiros» — desculpem-me esta gargalhada que se soltou — estão agora a manifestar-se porque as novas regras da Uber não lhes permitem pagar o combustível das suas viaturas.

 

Ai não?

 

Isto é a sério?

 

Têm que confiar no mercado, amigos, na competitividade do sistema capitalista tão lindo e tão perfeito. Não se prestem a guerras que isso é sempre muito feio. Queremos é paz social. Aliás, a tarifa baixa é uma oportunidade para se reinventarem, para encontrarem soluções alternativas e inovadoras. Se a gasolina acabar, podem sempre sair e empurrar o carro e dizerem-se modernos riquexós asiáticos. Uma boa ideia para vender, não?


Não se esqueçam: a luta de classes é uma coisa do passado. E quem a matou foram todos vós, «parceiros», porque para haver luta de classes é preciso haver trabalhadores com consciência de classe, que é o mesmo que dizer, com consciência do que são. Mas vocês, «parceiros da Uber», ou «colaboradores» — que é outra nomenclatura igualmente desprezível —, não são trabalhadores: são empresários, são capitalistas! Viva!

 

Ai queriam sol na eira e chuva no nabal? Capitalismo ou socialismo a la carte, à medida das conveniências? Vá, safem-se! Vamos ficar todos bem!

 

publicado às 10:08

Um bocadinho de bom senso

Não é preciso ser muito inteligente. Não é preciso ter um ou dois doutoramentos, nem especialização, nem obra publicada na área em revistas com arbitragem científica. Não. O que é preciso é um bocadinho de bom senso.

 

Quais são os fatores diferenciadores entre o que se passou em março, quando a pandemia começou, e o que se está a passar agora, em novembro? Há dois fatores. Um deles é o facto de estarmos mais relaxados ou cansados de viver sob máscara e restrições à nossa liberdade. O outro é que a atividade escolar retomou com normalidade.

 

Podem argumentar com todos os números e mais algum, podem fabricar as estatísticas que quiserem e elaborar as interpretações mais audazes: a retoma da escola é o verdadeiro fator que distingue as situações. Os jovens são naturalmente menos responsáveis, não abdicam do contacto social, contagiam-se e têm o potencial de contagiar as suas famílias com as quais partilham um teto e que, como é óbvio, não tomam precauções contra eles.

 

Não se faz nada a respeito disto precisamente pelas mesmas razões que não se faz nada a respeito dos transportes públicos que, obviamente, atolados, sem condições, são um fator de risco permanente e gravíssimo para o povo trabalhador. Em face disto, todas as medidas anunciadas são puro espetáculo mediático.

publicado às 16:03

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