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Sensivelmente a meio de 2015 ficava decidido o processo de privatização da TAP. O processo foi longo e levou décadas de apurada preparação da empresa para a sua entrega ao mercado privado, atravessou múltiplos governos, num roteiro que incluiu a condução de uma empresa lucrativa e dominadora de uma quota importante do mercado aéreo da influência da lusofonia a transformar-se, através de catastróficas operações de mercado e ruinosos negócios jamais explicados ou explicáveis, numa empresa de crónicos e avultados prejuízos operacionais.
A entrega da empresa aos ávidos abutres do mercado privado viria a ser feita, servida em bandeja de prata, a meias entre uma decisão de um fugaz governo de faz de conta de Passos e Portas, que até parece ter tomado posse para assinar à pressa meia dúzia de despachos do género deste da TAP, e um governo socialista que, geringonçado ou não, pôs em prática o seu característico e inesgotável engenho em baralhar, baralhar, baralhar para, no fim de contas, distribuir mãos iguais a todos os jogadores em redor da mesa.
A troco da empresa, o consórcio congeminado pelo estado a propósito da operação de privatização, terá depositado uma soma de 10 milhões de euros, valor risível, mas leoninamente defendido pelo governo devido à situação catastrófica que a empresa de aviação vivia na altura do negócio e com base no dinheiro que seria necessário lá colocar para tapar buracos financeiros.
Volvidos quatro anos de desastrosa gestão que enterrou a empresa a um nível de praticamente não retorno acompanhados, como é prática habitual, de chorudas distribuições de dividendos pelos acionistas, o estado vê-se forçado a intervir na TAP para que esta não deixe, pura e simplesmente, de existir.
Agora, assinale-se, o estado elabora manifestos impressionantes e tocantes no que diz respeito à importância estratégica da TAP para a economia nacional. É pena que não os tivesse elaborado, em coerência, no início de todo este processo quando já era governo. Em todo o caso, o estado procede a uma nacionalização encapotada, de acordo com as regras do mercado, adquirindo uma participação maioritária na empresa.
Para isso — pasme-se! — o estado desembolsará uma soma de cerca de 55 milhões de euros. Queira o leitor fazer-me o favor de recuar umas linhas neste texto e comparar com o valor que o estado terá recebido há cerca de quatro anos. Adicionalmente, também desta feita o estado não amortizará o valor de compra com o buraco financeiro da TAP tal como foi feito no processo de privatização. Bem entendido, o estado paga 55 milhões, paga o buraco financeiro da empresa e ainda outras tecnicalidades da treta, disfarçadas de empréstimos obrigacionistas ou outras coisas que tais, que são o mesmo que dizer que quem destruiu a TAP nestes anos, para além da choruda indemnização, vai continuar a receber uma renda do estado. Tudo legal. Tudo no estrito cumprimento da letra dos contratos e da lei. Tudo isto para que daqui por um certo tempo, necessário para que a poeira deste escândalo assente, se volte a entregar a empresa a privados em novo processo de privatização carregado de boas intenções.
Seremos sortudos, talvez, por podermos assistir, desde a primeira fila, ao mais maravilhoso do capitalismo em ação, como os estados burgueses se ajoelham, de pés descalços, aos interesses omnipotentes do capital. Isto é o que é o capitalismo de estado. Esqueçam as entradas enciclopédicas. Isto é o que é uma população a trabalhar para entregar integralmente o fruto do seu trabalho nas mãos de uma meia dúzia de senhores. Não é preciso ler Rousseau, Marx ou Proudhon: aí está, diante de nós, tão viva, pulsante, a natureza do sistema, não carece de explicação. Chega, por isso, de desculpas.
Chegam-nos notícias de que algo de parecido também se prepara na Efacec. Depois de se ter entregado a empresa a interesses angolanos e de ela ter sido abandonada a uma espécie de limbo com origem nas lutas pelo poder nesse país às quais nós, Portugal, enquanto menino bem comportado, de bem com deus e com o diabo, nunca nos opusemos, prepara-se uma nacionalização da empresa, que deve ser entendida como um não se preocupem: aqui estamos nós para pagar o que se deve, já com a promessa antecipada de reprivatizar a empresa o mais depressa possível.
É por estas e por outras que, quando nos dizem que um liberal abomina as nacionalizações ou essa pérola do “não há almoços grátis”, não nos devemos acreditar. É que é exatamente ao contrário: os liberais adoram as nacionalizações. As nacionalizações são os almoços, os jantares, os lanches, os carros, os aviões, os cartões de crédito, os plafonds ilimitados, tudo grátis. Tudo grátis. Só que é só para alguns.
O dever de qualquer força revolucionária deveria ser, pois, a total oposição e recusa em participar nesta encenação, neste roubo descarado, eternamente perpetrado pelos governos burgueses ao seu povo e não fazer parte deste ciclo vicioso golpista, nem que por mera inocência ideológica, como é o que normalmente acontece.
E nós, enquanto povo, devemos dar-nos por satisfeitos e orgulhosos: em todo este processo estamos mais pobres, mais endividados e patrimonialmente delapidados, de futuro eternamente adiado, embora tenhamos a maioria na TAP. O estado, esse, fez exatamente o que lhe competia nesta economia de mercado global que tanto adoramos: prepara-se para pegar no dinheiro do povo e em contrair dívida em nome do povo para sustentar as fortunas da burguesia.