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Porto de Amato

Porto de abrigo, porto de inquietação, porto de resistência.

Porto de Amato

Porto de abrigo, porto de inquietação, porto de resistência.

A ascensão do fascismo

A manifestação de ontem das polícias nacionais em frente ao parlamento provocou em mim sensações estranhas e deixou-me uma angústia agarrada à alma que, antevejo, será difícil de expurgar.

 

Desculpem-me todos os polícias, trabalhadores severamente explorados por sucessivos governos e que, ainda por cima, não dispõem das mesmas armas reivindicativas dos demais, e que, justamente, aderiram à manifestação com a esperança que olhem para eles e para a sua situação. Perdoem-me, mas quando vi André Ventura a ser conduzido e saudado pelo meio dos manifestantes para discursar naquele palanque fez-me lembrar os líderes nazi-fascistas do século XX a serem levados em ombros pelas suas milícias e jagunços que os aplaudiam, também então, em frente dos seus parlamentos republicanos. Fez-me lembrar isso, perdoem-me, e essa memória não me sai da cabeça.

 

Fiquei assustado por perceber que muitos faziam uma saudação neofascista com a mão. Não é a tradicional mão estendida ao alto de braço em riste. É aquele gesto que se faz com a mão direita, as pontas do polegar e do indicador unidas num «o» e os três restantes dedos ao alto e separados em forma de «w». Visto de frente, o gesto apresenta um «w» e um «p», que é o «o» com o tracinho formado pelo braço, que são as iniciais de white power (supremacia branca). É assustador. E é real. A história está a repetir-se diante dos nossos olhos.

 

As forças de segurança de um país apresentam-se sempre como um território fértil para o recrutamento da extrema direita. Portugal não é caso singular. Muito recentemente, no Brasil, aconteceu o mesmo com Bolsonaro, nem é preciso recuperar as experiências clássicas do século passado. Trata-se de uma classe formada, em geral, por cidadãos com poucos estudos, com uma débil formação humanista, em contraposição com uma excessiva cultura do corpo, da virilidade e da força física, pessoas formatadas para seguir ordens, para não questionar lideranças e, por isso, necessariamente com um parco quadro de valores. Não são todos assim, seguramente, claro que não, mas uma parte relevante será. E é essa parte que se torna motriz deste processo. Continuando, é natural, pois, que num quadro de prolongada exploração da classe, que vive o dia a dia em condições de grande precariedade económica, às quais acresce um permanente estado de elevados níveis de stress e ansiedade decorrentes da natureza da sua atividade, que estes cidadãos adiram crescentemente a lideranças populistas que apresentam mensagens simples mas fortes, como os fascistas apresentam.

 

Mas nada disto é novo. Abundante literatura já foi publicada sobre o tema. Todos nós sabemos como as coisas se fazem, como as coisas acontecem, como o fascismo chega ao poder. A manifestação de ontem resultou num exercício de aclamação generalizado de André Ventura do Chega. Foi promovida pelo Movimento Zero que não será representativo do conjunto dos manifestantes? Talvez. Espero que sim. Mas todos contribuíram, de uma forma ou de outra, para aquilo que aconteceu e que foi antecipadamente preparado: a aclamação de um fascista.

 

Temos todos que ter consciência da nossa parte neste processo. No parlamento, a título de exemplo, a “casa da democracia”, André Ventura já tem mais cobertura mediática que o PCP ou que o BE. A ampulheta foi virada ao contrário. As areias escorrem com celeridade. A história ameaça repetir-se, irreversivelmente. As forças políticas, culturais, científicas e sociais colocam-se a favor da corrente, quer pelas suas ações, quer pelas suas abstenções. E o fascismo aí está, subindo, mais rápido do que julgamos, a escada do poder, quase quase a bater à porta.

publicado às 09:29

Descargos de consciência

Há sempre um irritante que efervesce quando uma pessoa morre. Sabem? É aquele elogio de caráter obrigatório que brota das bocas com facilidade, porque a morte tem este peculiar condão: faz da pessoa mais vil a mais virtuosa num passo de magia, entre um estalar de dedos. Era o “amigo do seu amigo”, era o “grande homem” e outras generalidades que tais.

 

O caso de José Mário Branco não é exatamente este: pessoa generosa, altruísta e solidária, que dedicou a sua a vida à luta por esses valores e por uma sociedade bem diferente daquela onde nasceu e onde, infelizmente, não merecia ter morrido. Estes predicados foram essenciais para catapultar a sua arte na escrita e composição de canções para os sublimes patamares da eternidade.

 

Já o escrevi aqui, algures, que a diferença entre um artista comum e um grande artista é exatamente esta: a existência de um propósito maior que o egoísmo e que a ambição, a presença de valores que superem o próprio artista, que a obra produzida seja mais que um mero exercício de excreção do que vai na alma, masturbatório, egocêntrico. A grande obra é a que se inspira nas gentes e inspira as gentes. A grande obra é a que é a expressão da vida coletiva e não apenas da vida individual. E José Mário Branco tinha exatamente esse ingrediente. Muita gente desconhece, mas várias obras eternizadas na voz de Zeca Afonso e de outros grandes cantores eram da autoria de José Mário Branco. Esta, de Sérgio Godinho, também.

 

Por que comecei, então, do modo como comecei? Porque os elogios que se multiplicam a José Mário Branco são vazios. Porque as palavras não têm correspondência com a realidade. Porque não se pode elogiar a vida de um homem ao mesmo tempo que se vive a própria vida de um modo diametralmente oposto. Ou, se se pode, trata-se de uma autocrítica. Caso contrário, é hipocrisia pura. É oportunismo. É falso elogio. A sociedade que abundantemente elogia José Mário Branco é a antítese dos seus valores, é a razão de ser das suas angústias.

 

Querem elogiar José Mário Branco? Vivam a própria vida como ele viveu a dele. Tomem as opções que ele tomou em cada dia. E, no mais, deixem-se de palavras. As palavras são fáceis. São descargos de consciência.

 

José Mário Branco. Foto tirada de https://vilanovaonline.pt/wp-content/uploads/2019/11/jos%C3%A9-m%C3%A1rio-branco-fb-Webp.net-resizeimage-ec.jpg

 

publicado às 16:06

A democracia a funcionar

Suprema ironia. Os funcionários públicos que, de um modo ou de outro, votaram no PS elegendo este governo e desprezaram PCP e Bloco de Esquerda, aos quais devem tudo o que reconquistaram com a “geringonça”, recebem agora de presente antecipado de Natal o anúncio de aumentos salariais para 2020 abaixo da inflação. Sem querer generalizar — mas generalizando — os funcionários públicos têm o que merecem. Ou melhor: têm exatamente aquilo em que votaram, tenha sido no PS, PSD, CDS ou outra coisa afim. Isto é que é a democracia a funcionar. Havia de ser assim sempre: as nossas decisões democráticas saírem-nos, ato contínuo, do corpo, caírem-nos imediatamente na cara. Talvez assim a democracia resultasse melhor. Talvez nem assim...

publicado às 20:15

As sereias da "ação climática" e da "descarbonização"

Nesta versão 2.0 do governo PS há um pormenor que me tem preocupado severamente. O ministro do ambiente Matos Fernandes regressou do anterior executivo para este novo figurino com um acrescento ao seu epíteto. Agora, é ministro não apenas do ambiente, mas também da ação climática. Observem que coisa tão moderna e tão na moda! Só lhe falta a menina Greta como conselheira permanente. Tal acrescento tem sido acompanhado de uma abundante retórica sobre a “descarbonização” da nossa economia. Vejam bem que até o meu corretor ortográfico desconhece o palavrão. Repitam lá a palavra, “descarbonização”, seja lá o que isso for.

 

Esta temática preocupa-me porque aparenta ter pouco ou nada de substantivo e muito de propaganda com um fim bem definido: fazer sucumbir o país ao lobby do “elétrico” e dar carta branca à destruição de Montalegre para a exploração do lítio sem ninguém dar muito por isso.

 

Consta que o golpe de estado na Bolívia terá sido perpetrado, não por causa do gás natural, como inicialmente suspeitava, mas por causa, precisamente, do lítio. Não será por acaso, não sejamos inocentes, que as ações da Tesla, aquela empresa dos caríssimos carros elétricos futuristas, subiram em flecha após a deposição de Evo Morales.

 

Em Portugal, claro, não são necessários golpes de estado. As nossas lideranças, democraticamente eleitas pelo nosso povo, estão sempre na linha da frente no que diz respeito ao desbaratar dos nossos recursos em favor das grandes multinacionais burguesas. E neste caso do lítio acontecerá exatamente isso, far-se-á uma concessão a privados, com caderno de encargos escrito a preceito, para no fim ficarmos sem recursos, sem as nossas aldeias, vilas e cidades, e sem o dinheiro.

 

Importa repetir todas as vezes que forem necessárias em todas as oportunidades que se apresentem: em termos de eficácia, o “elétrico” não substitui os combustíveis fósseis, nem com todo o lítio do mundo, nem num milhão de anos. E com que energia iremos alimentar todos esses motores elétricos? Com que energia? De onde? Das barragens? Das eólicas? E conseguem afirmá-lo com certezas absolutas? Acresce que, ao comprarmos o “elétrico”, estamos a substituir um problema por outro, no que à questão ambiental diz respeito. Nós, que temos dificuldade em tratar duma simples pilha de volt e meio, já para não falar de uma bateria de um simples telemóvel, vamos ter de tratar, da noite para o dia, uma quantidade enorme de baterias elétricas de automóveis com vidas úteis de menos de dez anos. Tragédia ambiental em perspetiva? Lençóis freáticos, rios e mares permanentemente contaminados e poluídos? Água potável em risco? Será esse o nosso auspicioso futuro dos carros ultra modernos?

 

A situação é insana. Esta ânsia dos nossos governos em agradar ao capital monopolista está a redundar em demência profunda, porque é uma política de terra queimada, de quem vier a seguir que feche a porta, uma política que condena as gerações futuras e as amarra a opções trágicas. Mas, em simultâneo, esta situação gravíssima é-nos vendida com os cantos de sereia, das sereias da “descabornização” e da “ação climática”. E nós acreditamos. Achamos bem. Soa-nos bem, a moderno. Lava-nos a consciência, até. Parece que somos incapazes de pensar. Esta geração, a anterior e todas as que confluem no presente, no hoje, no agora, parecem todas vítimas de lavagem cerebral. Não olham, não veem, não pensam, não questionam. Tudo aceitam.

 

Tal como no passado com Ulisses, teria sido prudente amarrar o capitão do navio à carlinga e tapar os ouvidos de cada um dos seus marinheiros com a cera do mel para que nada pudessem ouvir, para que não pudessem ouvir as sereias tentadoras. Desgraçadamente, nestes tempos sem fé não há bom senso que impere, não há deusa Circe que nos valha, nem outra divindade qualquer.

publicado às 17:45

Foi exatamente para isto que o muro caiu

É oficial. Todos os governos de cariz minimamente progressista que, desde o início do século, conquistaram vários países da América latina, foram derrotados. Não interessa os milhões que retiraram da pobreza, da miséria e da iliteracia. Não interessa nada. Todos foram derrotados. O único que ainda resiste é a Venezuela, mas a que expensas? Um país destruído, uma sociedade devastada por uma guerrilha urbana, permanente, de mercenários a soldo do capitalismo monopolista americano, imobilizada por bloqueios económicos vários. Ah, claro, também há a valente ilha de Cuba, mas não a considero para estas contas particulares.

 

Ontem foi a vez da Bolívia. Nesse governo de vanguarda, liderado pelo índio Evo Morales, coisa ímpar em todo o mundo, os números mostravam crescimento económico acompanhado de distribuição de riqueza, de educação e de cultura pelo povo à custa dos lucros das multinacionais do gás natural. Pois era exatamente aí residia o problema de Evo Morales e do seu governo boliviano. Era exatamente por isso que era insultado de ditador e de outros nomes que tais. Foi esse o seu pecado. A receita aplicada nesse país foi o corrompimento dos militares. Trata-se de um presidente que venceu sucessivas eleições e que nem a promessa de novas eleições demoveu os militares na sua ação de deposição do governo. A democracia só interessa quando é favorável ao poder burguês.

 

Antes tinha sido o Equador e a Argentina, estes pela via democrática. Normalmente, a democracia é muito vantajosa para o capital, cuja principal aptidão reside na propaganda apelativa e sedutora. No Brasil, mesmo com toda a propaganda, ainda se reforçaram as hipóteses de vitória — daquela figura sinistra chamada de Bolsonaro — com um impeachment perfeitamente injustificado a um presidente legítimo — até aos dias de hoje absolutamente nenhuma ação judicial foi movida contra a Presidente deposta Dilma Rousseff — e a invenção de um processo criminal ao principal candidato da esquerda, Lula da Silva, que resultou no seu oportunístico e também injustificado encarceramento que o impediu de concorrer às eleições.

 

Cada caso tem uma estratégia própria, adaptada à realidade e ao folclore local. Em todos eles, os media constituíram-se como agentes ativos para os golpes de estado, para a indecência, providenciando argumentário, adjetivação e respaldo para a perpetração das patifarias, com lavagem cerebral em massa da melhor. Outra coisa não seria de esperar. O problema é nosso por esquecermos para quem os jornais e as televisões trabalham, quem são os seus donos e senhores.

 

Tudo isto mostra como o jogo democrático é viciado. Tudo isto mostra como as estruturas são corruptíveis, como é fácil ao capital corromper, perverter, degenerar, adulterar o sistema para seu proveito. Qual estado de direito, qual quê? Onde está a independência dos poderes? Democracia, golpe de estado, propaganda, perseguição judicial, guerrilha urbana. Basta escolher. Este é o fim da história, é o fim da história que as populações humanas escolheram.

 

Há uns anos caiu o muro de Berlim e festejámos, lembram-se? Foi exatamente para isto que o muro caiu. Continuem a festejar, até que o sistema entre pela vossa casa adentro para aumentar os seus lucros às vossas custas e às custas dos vossos filhos.

publicado às 17:40

Os muros das desigualdades

Uma das coisas mais deliciosas que a vida ainda tem para me oferecer é poder observar as recorrentes ironias da história. A última foi este dito de Marcelo, o Presidente, que, a propósito do aniversário da queda do muro de Berlim, afirmou que ainda era preciso derrubar os muros da desigualdade e da pobreza em Portugal.

 

É irónico que Marcelo, afilhado do último presidente da ditadura de Salazar, venha fazer uso da queda do muro de Berlim para falar em desigualdade. É seguro considerar que Marcelo não desconhece que a queda do muro visou precisamente a queda de um sistema onde a igualdade era um princípio e o estabelecimento de um outro sistema, à moda do ocidente, onde o povo se pudesse diferenciar entre si, em regime de plena competitividade.

 

Por que foi que o disse, então? Terá sido a constatação óbvia dos defeitos do sistema capitalista face à lembrança do simbólico momento que marcou o fim da guerra fria? Ou terá sido simplesmente uma coincidência não ponderada, motivada por uma certa nostalgia, talvez, uma articulação inconsciente da realidade? De uma forma ou de outra, o público para quem Marcelo fala não consegue, maioritariamente, discernir este feliz acaso do emaranhado de estereótipos e preconceitos ideológicos que o satisfaz politicamente no dia-a-dia.

publicado às 16:30

Sociedade de inquisidores

Causa-me bastante aversão esta sociedade de inquisidores, de moralistas para os outros, sempre para os outros e nunca para consigo mesmos. Os media são, simultaneamente, espelho refletor e agente catalisador destes comportamentos.

 

«Abandonaram um bebé no lixo à saída do hospital!»

 

«Mas não se preocupem, há câmaras de vigilância no local!»

 

«Vamos apanhar a criminosa!»

 

«A polícia já deteve a criminosa!»

 

E julga a jornalista, julga o bombeiro, julga o transeunte ocasional, todos se comportam como agentes da autoridade, carrascos da justiça e, sobretudo, da moralidade!

 

Esperem um pouco... lá está Marcelo no meio aos beijinhos a tudo o que mexe. Quão hipócritas são aqueles “afetos”! Servem para criar um manto de ilusão. As massas encantam-se. Os problemas mantêm-se e agravam-se.

 

Não faço parte — recuso-me com todas as minhas forças! — desta sociedade que, com os seus dedos indicadores em riste, nem soletrar sabe a palavra solidariedade, incapazes de se colocar no lugar do outro, quanto mais de lhe estender a mão e o ajudar a reerguer-se. No fim do dia, ou da semana, ainda vão à missa rezar e fazer a apologia do contrário do que são.

publicado às 16:55

Se eu fosse a Rosa Mota, exigiria que retirassem o meu nome do pavilhão

O ano era 1984. A revolução fazia uns escassos dez anos de vida e parecia que a esperança que trouxera já se havia desvanecido por entre duas visitas do FMI ao país, nos anos de 77 e, mais recentemente, de 83, acompanhadas dos mais agrestes tempos de profunda carestia. O leite em pó para o bebé levava quase todo o salário em escudos no início do mês e o que sobrevava fazia dos dias que faltavam duros e penosos.

 

O ano era 1984. A cidade, Los Angeles, nos Estados Unidos da América. Carlos Lopes, cruzava a meta da maratona dos jogos Olímpicos em primeiro lugar, garantindo a primeira medalha de ouro de sempre na história do nosso país e enchia os corações dos portugueses de uma substância da qual julgávamos não sermos merecedores: orgulho. Nesse mesmo ano e nessa mesma prova, uma atleta baixa e franzina, de seu nome Rosa Maria Correia dos Santos Mota, cruzava a meta da maratona dos Jogos Olímpicos em terceiro lugar, garantindo a medalha de bronze na competição feminina.

 

Passaram-se quatro anos até ao próximo evento olímpico. Durante esses quatro anos muita coisa começou a mudar no nosso país, que aderiria à então Comunidade Económica Europeia em 86. Os fundos pelos quais vendemos a nossa autonomia e soberania começaram a fazer o país arrancar, mas ainda era cedo em 88. Havia passado pouco tempo. Ainda era cedo. A cidade, desta feita, era Seul, na Coreia do Sul. Rosa Mota viria a conquistar o seu ouro na maratona e a imortalizar o seu nome na nossa história e na memória dos portugueses que ainda resistem dessa altura.

 

No Porto, cidade que a acolheu, decidiram homenageá-la dando o seu nome a um pavilhão para o hóquei. Foi uma homenagem parca. Rosa Mota merecia o seu nome num estádio dedicado ao atletismo para o apoio à formação de novos valores no país e não num pavilhão dedicado a modalidades desportivas que nada tinham que ver consigo. Mas neste país o dinheiro não é canalizado para coisas desse género, nem o objetivo do desporto é exatamente esse, sabemo-lo bem. Vale mais apoiar o sórdido negócio do futebol e das lavagens de dinheiro na compra e venda de jogadores dos quatro cantos do mundo que pouca ou nenhuma ligação têm ao nosso país e às nossas regiões. De qualquer modo foi exatamente isso que foi feito e o anteriormente chamado de Pavilhão dos Desportos, e que havia constituído justificação para a demolição do lindíssimo Palácio de Cristal, passaria a chamar-se, desde 91, de Pavilhão Rosa Mota.

 

Com a passagem do tempo, a referida estrutura rapidamente caiu numa situação de negligência e descuido, no que à sua manutenção diz respeito, e chegou aos dias de hoje numa situação lamentável, incapaz de prestar serventia para o objetivo com que foi concebida ou, até, para qualquer outro que se lhe quisesse adequar.

 

Incapaz, ao que consta, de recuperar o edifício, a autarquia delegou em privados para o fazerem a troco do naming do edifício. O nome de Rosa Mota ainda lá está, bem entendido, mas em letras tão minúsculas, sobretudo se comparadas com as garrafais “Super Bock Arena”, que mal se distinguem. Rosa Mota não gostou do quadro, principalmente por lhe terem proposto a coisa ao contrário, com maquete e tudo, ou seja, “Pavilhão Rosa Mota” em letras garrafais e “Super Bock Arena” em letras pequenas. Como direi? É mais que um desrespeito: é uma baixeza, é uma canalhice. Se eu fosse a Rosa Mota, exigiria que retirassem o meu nome do pavilhão. Era só isso. A dignidade das pessoas vale mais do que qualquer coisa, não tem preço.

 

Este caso mostra como os tempos mudam e como as massas perdem a sua memória histórica. Não existe isso de memória de um povo. Isso é coisa de livro de história e livros ninguém lê. E como não há app para isso, as novas gerações nem conhecem a Rosa Mota ao passo que da Super Bock são incondicionais fãs. No meio de todo este processo, acho estranho que a segunda maior autarquia do país não disponha de meios para manter ou recuperar as suas estruturas essenciais e acho que mais gente devia de achar isto estranho. Acho também que esta é mais uma parceria público-privada da qual conheceremos o verdadeiro alcance daqui a alguns anos, não agora. Guardarei este pensamento na gaveta para quando for útil. E acho que o caráter das pessoas é daquelas coisas que não vale a pena falar muito, não vale a pena a indignação e a fúria. Basta-nos sentar e esperar. O que é desprezível, abjeto e ignóbil acaba sempre por se revelar aos olhos de todos.

publicado às 21:11

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