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Porto de Amato

Porto de abrigo, porto de inquietação, porto de resistência.

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A propósito de Trump: um ensaio sobre como o mundo muda de opinião... do dia para a noite

https://saimg-a.akamaihd.net/saatchi/384677/art/3285361/2355248-RNLCPGPW-7.jpg

 

Donald Trump tem setenta anos de vida. Durante os últimos quarenta anos, pelo menos, foi uma estrela americana. Não me refiro à estrela no passeio da fama de Hollywood com o seu nome. Não, refiro-me à identificação que sempre existiu entre a sua pessoa e aquilo que a América é e aquilo que a América representa.

 

O arranha-céus de Donald Trump, chamado de Torre Trump, é considerado como um símbolo do sonho americano, um símbolo do estilo de vida americano, um símbolo do sucesso e um símbolo do capitalismo. Trump, o self made billionaire, que de self made não tinha nada, era entrevistado por todos — todos queriam descobrir o seu segredo para o sucesso — e pontificava em todos os programas de todos os canais.

 

Durante os últimos quarenta anos ninguém foi capaz de apontar o dedo a Donald Trump, nem àquilo que Donald Trump representa. Nem que era um depravado, nem que era um malcriado, nem que era um xenófobo ou racista, nem que não olhava a meios para atingir os seus fins, nem... nada.

 

Trump, o símbolo, era isso mesmo, como uma luz que encandeava a vista de quem quer que para ele dirigisse o olhar. Quase todos elogiavam a audácia do homem, o seu saber fazer, o seu saber mandar. Quase todos queriam seguir o seu exemplo. Quase todos queriam ser como ele. No “quase todos”, incluo a maioria dos americanos, dos emigrantes, dos integrantes de minorias étnicas ou sociais, uma boa parte da Europa, a direita, os capitalistas, os liberais.

 

A abjeção de programa de entretenimento que Trump criou, o reality show The Apprentice, bateu máximos de audiência ao longo das suas catorze temporadas. Também aqui, as pessoas adoravam Trump, rejubilando a cada “You're fired!”. Durante quarenta anos, “Trump” e “América” foram palavras sinónimas.

 

É interessante verificar como quase todos, os mesmos “quase todos” dos parágrafos pretéritos, parecem ter invertido a sua opinião relativamente ao homem, de tal modo que na maioria dos círculos mediáticos nem sequer há lugar a discussão. Devemos desconfiar sempre de todos aqueles que mudam de opinião do dia para a noite.

 

É nesta conjuntura que Trump aparece nestas eleições como o candidato antissistema. E é notável que alguém totalmente ligado ao sistema, alguém que é um claro produto do sistema, alguém que é um conservador puro, como Trump o é, tenha conseguido tal denominação.

 

Por mim, não consigo observar estas eleições americanas com o dramatismo que a comunicação social as está a vender. De acordo, se Trump vencer teremos um ser humano perigoso no “poder” americano, mas não mais perigoso do que a alternativa Hillary Clinton. Trump é simplesmente mais rude, mais verbal e menos hipócrita. Seguramente, não teremos menos guerra, menos expansionismo, menos condicionamento económico e político sobre os povos com Clinton do que com Trump. Quem advoga o contrário está rotundamente equivocado. Aliás, basta observar a total ausência de diferenças substantivas entre as políticas de Bush e Obama.

 

Por outro lado, só quem anda distraído é que acredita que o Presidente dos Estados Unidos da América manda alguma coisa sobre as grandes diretivas do país. Quem manda é quem sempre mandou. Quem manda são as corporações. Quem tem uma palavra a dizer é a burguesia.

 

Para mim, Trump é o que sempre foi, isto é, uma escória da humanidade, um produto deste sistema selvagem a que se chama de capitalismo. Discordo dele visceralmente. Mas o que me faz discordar dele sempre existiu. Os princípios e o caráter de Trump não nasceram ontem com a sua candidatura à Casa Branca. Por isso, esta mudança de opinião relativamente a Trump operada nas massas tem muito de falso, sobretudo quando a comparação é... Hillary Clinton, farinha feminina do mesmo saco político de Trump. Por ventura, para a maioria das pessoas, a política será uma mera questão de formalismo e não de substância.

 

De notar ainda o patético apelo ao voto feminino por parte de Hillary Clinton. Obama também o fez, por duas vezes, relativamente ao eleitorado afro-americano. A política americana está reduzida a esta fantochada. A este propósito, relembro as sábias palavras de Susan Sarandon: “Não voto com a minha vagina”.

publicado às 17:16

A cimeira sobre coisa nenhuma

Abriu ontem o Lisbon Web Summit, “o maior mercado tecnológico europeu”, nas palavras da própria organização. O Web Summit pode ser resumido como uma cimeira para fazer negócios com não se sabe bem quem, sobre não se sabe bem o quê, desde que envolva tecnologias consideradas como “novas”, qualquer coisa relacionada com a web, porque fica tão bem o prefixo acoplado seja a que palavra for. De seguida, vou à web casa de banho, fazer a minha web higiene, depois vou comer o meu web almoço e, por fim, vou no meu web automóvel até ao meu web trabalho. Vai ser um web dia!

 

Uma visita ao site da Lisbon Web Summit não nos deixa mais esclarecidos. Esta cimeira que também é um mercado, pelos vistos, marca bem a imagem do mundo ocidental contemporâneo: a um nome catita, modernaço, adicionamos um punhado de chavões repetidos até à exaustão, como “empreendedorismo”, “dinamismo”, “sinergia” e outros que tais, bem como um saco furado repleto das melhores intenções, mais propaganda, propaganda, toneladas de propaganda, para, no final do dia, produzir o quê, exatamente?

 

Lanço um repto a este governo para que, discorrido o tempo que se considere suficiente e ajustado, apresente um relatório cuidado e documentado sobre os “negócios” que afinal surgiram a partir desta Lisbon Web Summit, assim como o retorno efetivo que o país recebeu de cada um deles — isto é muito importante.

 

É que, sem um tal exercício, esta cimeira de nome pomposo não é mais que fogos de vista, um fogo de artifício muito caro, suportado — suponho— pela Câmara Municipal de Lisboa e pelo Governo de Portugal. É importante que esta cimeira não seja mais que um passeio turístico à nossa capital patrocinado pelo estado a um conjunto de indivíduos que pouco ou nada produzem a não ser o seu discurso fútil e vazio.

 

Há provincianismo a mais nesta sociedade. Há demasiada tacanhez a afetar o nosso pobre quadro mental. Só assim é que é possível fazer-se uma Lisbon Web Summit, isto é, uma cimeira sobre literalmente coisa nenhuma.

 

De sublinhar a ironia da coisa: na abertura da cimeira, o apresentador foi traído por uma falha do... wi-fi. Como que por um divino escárnio, o tão importante prefixo web esvaziou-se de substância até à última gota.

 

É interessante, contudo, observar o rejubilo com que o atual governo acolhe esta iniciativa que, em rigor, pertence integralmente ao anterior governo. É interessante ouvir de viva voz o nosso Primeiro-ministro, num êxtase só, empregar a palavra “empreendedorismo” dez vezes na mesma oração. Afinal o que ele também quer é empreendedorismo! O que ele quer é startups! Palavra de honra que me fez lembrar o seu antecessor. Costa, Coelho. Coelho, Costa. Tão iguais, tão iguais eles são...

 

É mais uma em abono do apoio da esquerda a este governo.

publicado às 12:20

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