O que se faz a um sociopata em Portugal?
No dia de ontem, último dia do mês de outubro, aconteceu que a minha atenção foi captada para um post do universo de blogs do sapo intitulado 40 anos depois o 25 de Abril de 1974 falhou e assinado por Nuno Félix, com data de abril de 2014.
Quem acompanha o Porto de Amato percebe rapidamente que não estou de acordo com o conteúdo deste artigo de opinião. Aliás, tive já oportunidade para escrever sobre o assunto aqui. Com isto não quero dizer que discordo de tudo o que é escrito. O que quer dizer é que não considero o texto dotado de suficiente bom senso, nem considero as conclusões extraídas desse elencar parcial de factos, ou de factoides, chamemos-lhes assim, nem ajuizadas, nem lúcidas.
Todavia, se resolvi destacar este artigo de opinião escrito há ano e meio num blog que não sigo e com o qual não me identifico particularmente, não foi para discorrer sobre o conteúdo do mesmo. Repararam no autor do artigo? Nuno Félix... soa a alguma coisa? Exato, este é precisamente o homem do momento, aquele que conseguiu superar Miguel Relvas duplicando o número de licenciaturas falsas com as quais se pode integrar um executivo do governo de Portugal.
Agora, proponho a leitura mais atenta deste parágrafo do artigo que Nuno Félix escreveu há ano e meio:
Politicamente, o regime está falido. A democracia representativa não representa mais do que instituições fechadas à sociedade, que investem a maior parte dos seus recursos na mera manutenção e perpectuação no poder e na prosperidade dos seus protagonistas. O bem comum pode sempre esperar.
O que será mais importante, a influência do indivíduo sobre a sociedade ou o reverso? Será que, tão pouco tempo volvido sobre a escrita destas palavras, a sociedade portuguesa conseguiu corromper de tal maneira Nuno Félix compelindo-o a apresentar um currículo com duas licenciaturas falsas para desempenhar as funções de chefe de gabinete do secretário de Estado da Juventude e Desporto? Ou terá sido antes o contrário?
Sem menosprezo por nenhuma corrente filosófica, quem escreve algo como “A democracia representativa não representa mais do que instituições fechadas à sociedade, que investem a maior parte dos seus recursos na mera manutenção e perpectuação no poder e na prosperidade dos seus protagonistas.” e, logo depois, faz uma coisa destas — apresenta não uma, mas duas licenciaturas falsas no contexto de um cargo no governo! — não poderá ser qualificado como nada menos do que um sociopata, perdoem-me a aspereza da palavra, alguém que, tendo consciência de um certo quadro de valores sociais e de respeito pelo outro, decide franca e voluntariamente pela violação dessas normas, tendo-o feito ao mais alto nível do plano nacional.
O caso de Nuno Félix é também simbólico. Simboliza que este governo PS consegue superar, se assim o quiser, o anterior em todas as ignomínias. A diferença é que a esquerda, particularmente o Bloco de Esquerda, sempre tão lesto — e bem! — a apontar estas e outras similares infâmias ao governo de direita, agora deixa passar o caso praticamente em claro. Neste particular, dizer simplesmente que o PSD e o CDS não têm credibilidade para apontar o dedo, sendo verdade, é de uma pobreza argumentativa assustadora e não é mais que uma forma de fugir ao assunto.
Dito isto, o que se faz ao sociopata? O que se faz? Obrigamo-lo ao pagamento de uma coima? Encarceramo-lo, juntamente com outros como ele, obrigando-o a cumprir pena? Sujeitamo-lo a serviço comunitário, a internamento, tratamento e reeducação social? O que se faz com o sociopata, afinal? Esta devia ser a pergunta a fazer.
Parece que não, parece que não é nenhuma das opções anteriores. Pelos vistos, aceita-se a sua demissão e o caso fica resolvido. Aqui, no Porto de Amato, procurarei estar atento ao seguimento da sua brilhante carreira, sendo certo, porém, que passamos a ter consciência plena de que temos alguém que está perfeitamente identificado, socialmente perigoso, à solta, no meio de nós. É muito triste verificar que os valores que fundeiam a nossa sociedade são tão sólidos como pasta de papel, daquela com a qual as crianças brincam às construções.