Já é tempo de virar de pernas para o ar a lista das prioridades do país
Ao longo desta semana que terminou, os parceiros de coligação de suporte parlamentar ao governo PS têm discutido, cada um para seu lado, um aumento de dez euros para as pensões. PS e Bloco de Esquerda parecem entender-se melhor no sentido de apenas conceder um tal aumento às reformas até seiscentos euros, enquanto o PCP pretende que o aumento abranja todas as reformas, criticando — com razão, do meu ponto de vista — a divisão artificial e injusta que PS e Bloco tendem a promover no universo dos pensionistas.
Colocando de lado a discussão da medida em si, interessa-me refletir sobre o contexto em que a medida é lançada.
Desde o estabelecimento do acordo parlamentar que permitiu ao PS formar governo próprio, o PCP tem pautado a sua ação por uma sobriedade assinalável que deve ser objeto de elogio. Ao contrário do Bloco de Esquerda que exige novas medidas todos os dias, desde as mais sensatas às mais inapropriadas, colocando com isso pressão sobre o executivo não tanto pelas medidas em si, mas por colocar o governo numa posição defensiva face à oposição interna e externa, dentro e fora do PS, dentro e fora de Portugal, o PCP não afina pelo mesmo diapasão. Bem entendido, o PCP não se tem coibido de apresentar as suas próprias propostas, mas, simultaneamente, tem assumido uma posição sensata e equilibrada, evitando o a adoção de posições que possam ser interpretadas como linhas vermelhas, ou posições de xeque ao governo.
É, por isso, com alguma surpresa e, até mesmo, perplexidade, que tomei conhecimento desta proposta do PCP. Por que razão escolheu o PCP esta medida, de entre todas as que podia ter escolhido como bandeira, como ponto de partida para a negociação com o PS da aprovação do orçamento de estado de 2017?
É evidente que todos os comunistas concordam com o aumento das pensões e dez euros será um aumento seguramente insuficiente face à perda de poder de compra operada nos últimos anos. Mas não é isso que está verdadeiramente em causa. O que está em causa é que o PCP não é o partido dos reformados e pensionistas. Também os defende, como é evidente e histórico, enquanto elementos desprotegidos da sociedade, mas não são eles o objeto do partido.
O PCP pretende ser o partido do operariado, dos trabalhadores explorados pela burguesia reinante, de todos aqueles — e são tantos — que mesmo trabalhando, e trabalhando cada vez mais, empobrecem! Estes, sim, são o verdadeiro objeto da ação revolucionária do PCP e é através da intervenção direta no mundo do trabalho que todos os outros setores, incluindo os reformados, serão igualmente beneficiados.
No contexto atual, no qual o desemprego grassa entre os mais jovens e aqueles que conseguem trabalho se vêm forçados a trabalhar à hora, privados de qualquer tipo de direito, cada vez mais trabalhando mais horas por uma menor retribuição salarial, creio que uma medida mais justa, mais difícil e arriscada, por certo, mas mais acertada, seria uma que visasse o combate frontal ao falso recibo-verde e promovesse o contrato de trabalho e a contratação coletiva. Tal medida erguer-se-ia como uma apropriada bandeira para o PCP, o partido do operariado, pela sua relevância, pela urgência da sua implementação. Enquanto tal transformação não for operada no tecido laboral, aumentos de dez euros nas pensões serão sempre nada mais que terapêuticas pueris sobre uma enfermidade em acelerada propagação.
A reposição de rendimentos é muito bonita e toda a gente de esquerda concorda, mas há uma outra reposição que urge, que tem que ver com a total desregulação do mercado laboral, do desequilibrar da balança em favor do capital, e, essa sim, deve ser encarada como prioritária, porque sem ela não há o resto, sem ela não há futuro para a juventude nem para o país.
E, por último, deixem-me que diga, em jeito de desabafo: começa a ser revoltante ver a juventude ser colocada sempre, inexoravelmente, em último lugar na lista das prioridades do país. Quanto a isto, é preciso dizer basta! Desculpem-me, velhotes, desculpem-me, reformados e pensionistas, mas já é tempo de virar de pernas para o ar a lista das prioridades do país ao qual nos habituámos a chamar de Portugal.