Uma pérola de Assunção Cristas
Confesso: adoro estas pérolas de Assunção Cristas! Adoro!
Podia ter posto ali trabalho político numa delas, porque fui ver o jogo da seleção portuguesa contra a Hungria, e estive lá com o senhor Presidente da República. Talvez muitos o tivessem feito, mas eu entendi que não se justificava. Eu não minto.
— Assunção Cristas in DN, a propósito das três faltas injustificadas que deu ao longo do ano parlamentar às quais se juntam mais nove justificadas por “trabalho político”.
Que pérola! “Eu não minto”! Porque o jogo da seleção era mais importante do que o seu trabalho no parlamento! Como se um trabalhador comum pudesse fazer o mesmo, dar uma falta injustificada para ir ao futebol! Que lindo! Que pérola! Que exemplo!
Mas ela não mente! Estejam descansados, tudo se desculpa, porque ela diz a verdade! Esqueçam lá isso! “Eh pá, desculpe lá, chefe! Estou-lhe a dizer a verdade: faltei ontem para ver a seleção na tasca com os amigos!” e estou mesmo a ver o chefe, compreensivo e, até, enternecido, a dar uma palmadinha nas costas do seu funcionário e a dizer: “Esqueça lá isso! Para a próxima, faça igual que eu não me importo.”
Tudo isto vindo do partido da meritocracia, da excelência, da mão pesada sobre os trabalhadores preguiçosos, é muito elucidativo. Já se sabia que o CDS era um dos partidos menos trabalhadores em sede da Assembleia da República, com menos projetos-lei ou propostas apresentadas. Já se sabia. Agora sabemos porquê. Porque há eventos como jogos da seleção cuja importância se sobrepõe à importância da função parlamentar.
A talhe de foice, faz-me lembrar aqueles patrões que, por um ou dois minutos de atraso a picar o ponto fazem questão em descontar ao fim do mês no pagamento ao funcionário, ao mesmo tempo que, eles próprios, reservam-se no direito de pagar ao dia que querem e de se “enganarem nas contas” as vezes que entenderem.
No fundo, é a lei dos dois pesos e das duas medidas que é advogada: uma para a burguesia reinante e, por defeito, virtuosa; outra para o proletariado trabalhador, ordinariamente corrupto.