Ser “de esquerda” II
Nunca antes se experimentou, como hoje, tamanha degeneração dos conceitos políticos em geral e no que diz respeito à esquerda em particular. Uma boa parte das pessoas que se dizem “de esquerda” também se dizem a favor do sistema capitalista e, podendo eventualmente suportar o comunismo, são na prática anticomunistas.
Começa a ser surpreendente. Ainda noutro dia falei com um militante de um partido da esquerda que se dizia também monárquico. Monárquico!!!
“Mas monárquico?! Tem ideia de que ser de esquerda implica ser-se pela igualdade e pelo fim das classes sociais e económicas?”, perguntei eu.
“Classes sociais e económicas? Isso é coisa do passado. Isso é coisa de comunistas.”
Achei melhor não prosseguir, já tinha ouvido que chegue. Uma boa parte da “esquerda” está corrompida, está degenerada numa mistura grosseira de conceitos, numa massa informe de boas intenções unidas inconsistentemente por uma ignorância aguda, por uma falta de cultura assustadora.
Esquerda capitalista não é esquerda: é direita. É uma direita que põe o Estado, os trabalhadores e os mais pobres, a pagar almofadas sociais para compensar uma sociedade injusta. Este processo não torna a sociedade menos injusta, nem belisca a posição da burguesia no seu pedestal. É apenas um analgésico administrado aos povos.
Sob o capitalismo não pode haver justiça social ou económica. Está nos livros. Leiam e instruam-se. O capitalismo conduz à diferenciação social e económica e à acumulação de capital em monopólios. Mais: o capitalismo é contrário à democracia, porque induz o controlo do poder político pelo poder económico que está nas mãos da burguesia e da burguesia apenas.
E não se trata de um problema de condições de aplicabilidade do sistema, como muitos teóricos capitalistas procuram fazer crer. Arranje-se uma sociedade perfeita, equilibrada social e economicamente, justa e democrática — não existe um tal exemplo, mas imagine-se —; introduza-se o capitalismo nessa sociedade e, em menos de uma década essa sociedade inicial perfeita estará destruída: haverá muitos pobres e poucos muito ricos, haverá injustiça e falta de democracia, porque os poucos muito ricos controlarão a justiça e a política, a cultura e a educação. Adicionalmente — e é aqui que radica o sucesso do capitalismo enquanto sistema —, os poucos muito ricos controlarão os meios de comunicação e, com eles, farão os pobres sentirem-se muito bem com a sua condição, possivelmente melhor do que se sentiam antes, quando não eram pobres.
Isto está tudo estudado e documentado com exemplos e contextualização histórica. Desconhecendo o exposto ou, mais grave, tendo conhecimento mas ocultando a verdade do povo, esta “esquerda” capitalista concorre para os objetivos da direita e para a eternização da burguesia como a classe dominante nas nossas sociedades.