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Porto de Amato

Porto de abrigo, porto de inquietação, porto de resistência.

Porto de Amato

Porto de abrigo, porto de inquietação, porto de resistência.

A proposta de referendo do Bloco

A ânsia pelo mediatismo, por preencher as primeiras páginas dos jornais, pelo populismo, do Bloco de Esquerda são demasiado evidentes para que não se deixe de apontar o dedo, para que, pessoas decentes, intelectualmente honestas e com alguma cultura não deixem de tomar posição e exigir que o Bloco não seja mais um agente que, à esquerda, descredibiliza e desacredita os movimentos progressistas.

 

Já aqui havia escrito sob mais uma simultaneamente patética e bombástica proposta do Bloco de Esquerda: o referendo ao tratado orçamental ou à própria permanência na União Europeia — não se percebe bem sobre o que realmente seria o referendo, pois nas palavras de Catarina Martins seria “um referendo para tomar posição contra a chantagem”.

 

Desde logo, o que atribui a condição de patética à proposta é o facto de ser inconstitucional: “a Constituição não admite referendos revogatórios de decisões já tomadas”, nas palavras de António Filipe.

 

Mas quando vamos ao concreto, qual seria a posição do Bloco sobre a matéria? Mariana Mortágua, ao Sol, diz que o Bloco é pela permanência de Portugal na União Europeia — o que, em abono da verdade, é coerente com todas as posições do Bloco sobre a questão europeia. Ah, então já percebi: esta proposta de referendo é mesmo apenas e só uma farsa, uma palhaçada digamos assim, para o Bloco pontificar nos grandes títulos dos jornais, uma brincadeira irresponsável com o povo e com o país. O Bloco pretende um referendo sobre uma coisa para apelar a que fique tudo na mesma!

 

Para terminar, fica ainda este vídeo que encontrei na rede. É sobre a inconsistência do Bloco de Esquerda. É sobre aquela febre de que o Bloco permanentemente padece em cavalgar a onda do mediatismo e do populismo.

 

 

publicado às 06:51

A vaia do Bloco ao Syriza

Escrevo este post porque compreendi que o que escrevi ontem não foi o suficiente para expurgar tudo o que em mim havia para expurgar sobre o assunto. Uma vaia é simplesmente uma vaia, assim como um aperto-de-mão ou um abraço são, simplesmente, um aperto-de-mão e um abraço. Mas cada um destes atos pode conter dentro de si muito mais do que o simples gesto, denunciando as características da personalidade, as arestas de caráter, o mais íntimo ser, do sujeito da ação.

 

É neste sentido que a vaia do Bloco de Esquerda ao Syriza merece ser novamente objeto de análise e esta deve ser estendida em minúcia.

 

Como escrevi no oitavo parágrafo do post anterior, o Bloco de Esquerda vivia com uma necessidade premente de se distanciar do Syriza. O Syriza era como que uma pedra no seu sapato que se fazia sentir a cada passo político que o Bloco quisesse dar, que limitava os seus movimentos. O Syriza era aquele derradeiro argumento que se podia jogar na cara do Bloco, fosse qual fosse a discussão que tivesse em cima da mesa, pela simples razão de que o impotente Bloco se sentia incapaz de se distanciar do Syriza.

 

Porque não era um argumento em nenhuma medida baixo: o Bloco — repito — colou-se ao Syriza de forma tão perfeita quanto possível, participando nos seus congressos, nas suas reuniões, campanhas eleitorais e partilhando com o Syriza exatamente a mesma oratória política. A fina intelectualidade obreira do Syriza era trazida com pompa e aparato às convenções e campanhas eleitorais do Bloco onde era escutada com atenção e cuidado, aplaudida de pé e transportada em ombros.

 

A realidade, porém, mostrou um Syriza que traiu todas as promessas feitas ao seu povo, em primeiro lugar, mas também à Europa que observava, curiosa, a aurora daquela “nova esquerda” que se anunciava. A realidade destapou um Syriza que se entregou de pés descalços à austeridade europeia/alemã. A realidade fez do Syriza um pigarro permanente na garganta do Bloco, um transtorno argumentativo infindável ou aquela filosofal pedra no sapato de que falava no início.

 

Para o Bloco de Esquerda a necessidade mantinha-se, portanto. Havia que sacudir a pedra no sapato, havia que passar o pano húmido na ardósia negra e recomeçar de novo ou, pior, prosseguir como se nada tivesse acontecido. O “divórcio” com o Syriza é operado não como um adulto, expressando olhos nos olhos as discordâncias e incompatibilidades em matérias consideradas como fundamentais, mas como um adolescente imaturo, fazendo uma “cena” deprimente.

 

Convenhamos que convidar uma delegação de um outro partido, ainda por cima estrangeiro, para o seu próprio congresso para brindá-la com uma miscelânea de apupos e assobios é de muito mau gosto, é feio, é baixo. É falta de educação.

 

Escrevo estas palavras totalmente à vontade. Não me tenho como um opositor político do Bloco de Esquerda e, com esse partido, partilho de uma boa parte daquelas que aparentam ser as suas ideias. Mas não é de política que estamos a falar verdadeiramente: é de organização, é de educação, é de espinha dorsal e de caráter. Do que estamos a falar é de consciência e de consistência política. É com tristeza que reconheço que estes predicados escasseiam no Bloco de Esquerda.

 

Mas a vaia não nos esclarece somente relativamente a questões formais. É muito mais fácil operar cambalhotas políticas, passando da paixão ao ódio num fugaz ápice, quando se tem pouca segurança no que se acredita, quando o nosso pecúlio ideológico é pouco sólido e pouco consistente. Há que ter alguma segurança e confiança no que acreditamos para sermos capazes de não nos atirarmos de cabeça, cegamente, apaixonadamente, à primeira oportunidade, nem tão pouco para colocarmos tudo em causa à primeira contrariedade. Mas essa sabedoria não está ao alcance de qualquer um e o Bloco de Esquerda produz evidências de que está muito longe de a adquirir. Daí a “cena”, quer dizer, a vaia.

publicado às 16:45

Os eventos do fim-de-semana

Depois de um auspicioso princípio — com a vitória do Brexit —, este fim-de-semana que passou acabou de uma forma que deixou um travo amargo na minha boca. Deitei-me tarde no domingo e adormeci com a forte convicção de que, em Espanha, o Unidos Podemos cresceria para se tornar na segunda força política.

 

Havia uma esperança consubstanciada de que a coligação entre Podemos e Esquerda Unida seria capaz de coletar pequenas percentagens por toda a Espanha e transformá-las em lugares no parlamento. A realidade, todavia, não deixou de ser cruel, nem que por um dia apenas, e acordei para ela, na segunda-feira.

 

Em Espanha, podemos dizê-lo para abreviar, ficou tudo mais ou menos na mesma, que é o mesmo que dizer que ficou tudo péssimo. Nenhuma consequência minimamente visível foi trazida a qualquer uma das forças partidárias, talvez excetuando aquela abjeção a que chamam de Ciudadanos que levou uma forte machadada em votos. No mais, tudo sensivelmente igual.

 

O problema está não no que aconteceu mas no que não aconteceu: o PSOE não foi severamente penalizado e o Unidos Podemos não cresceu. Este singular facto demonstra cabalmente que o povo espanhol, pelo menos o que está mais à esquerda no espectro político, não está virado para grandes mudanças de paradigma. Quer as coisas como estão e como sempre estiveram. Neste particular, é risível quando nos chamam, a nós, portugueses, o povo dos “brandos costumes”.

 

Pelo contrário, e a concorrer com o anterior, o PP, com seu mentecapto líder, viu a sua votação reforçada. Isto não é algo de somenos sobretudo após toda a panóplia dos recentes escândalos envolvendo os ministros do governo espanhol de gestão.

 

Esta sequência de eventos faz-me pensar que o que aquilo que o povo realmente quer é o Bloco Central. Aqui, em Portugal, também o queriam e ficaram muito revoltados quando tal não aconteceu. Chamaram Geringonça e outros nomes feios ao que veio a acontecer. Mas reforço: se a Geringonça fosse uma perspetiva clara e viável antes das eleições, acredito que o povo ter-se-ia expressado de forma muito diferente.

 

Observação: ainda sobre o Brexit, gostava de perceber o que leva um português a defender a União Europeia quando, há dias, ouviu o presidente da Comissão, Jean-Claude Juncker, colocar de lado sanções à França dizendo “A França é a França”, ao mesmo tempo que Portugal é diariamente ameaçado com essas mesmas sanções.

 

Por cá, ocorreu a convenção do Bloco de Esquerda. A vaia que dedicaram à delegação do Syriza é triste mas expectável, em certa medida. Começando pelo fim, é expectável porque traduz a reação mais natural do Bloco à camisa de forças em que se meteu quando apoiou cegamente aquele partido grego e a ele se colou enquanto foi politicamente interessante. Agora, perante a evidência da realidade política, o Bloco sentiu necessidade de se descolar do Syriza e, diga-se, fê-lo da pior das formas. E é por isso mesmo que é triste: o Bloco mostrou aqui a sua completa e endémica imaturidade política, não obstante os anos que já leva enquanto partido.

 

Destaco ainda mais uma bomba mediática que, como não poderia deixar de ser — estamos a falar do Bloco de Esquerda —, tinha que ser lançada: a questão do referendo à União Europeia ou ao Tratado Orçamental. Esta bomba, completamente infundada do ponto de vista constitucional e desmontada por António Filipe, deputado comunista, para além de visar o mediatismo, como é timbre característico do Bloco, é mais um absurdo ideológico. Falamos de um partido que nunca colocou em causa a permanência de Portugal no Euro, quanto mais na União Europeia! Não há muito mais a dizer sobre o assunto: o Bloco cavalga a onda do mediatismo, seja ela qual for. Neste momento, essa onda chama-se Brexit.

publicado às 09:24

Devaneios matinais de sábado

A esta hora que escrevo estende-se uma manhã de verão cálida e luminosa. Sábado não poderia ser antecipado de uma melhor e mais auspiciosa forma. Acordei, portanto, com recarregada energia e redobrada confiança na humanidade.

 

Penso que, demasiadas vezes, temos pouca fé na humanidade. Concedemos-lhe escasso crédito. E a humanidade é uma coisa extraordinária em geral, mas também em particular.

 

Veja-se o caso de David Dinis. David Dinis é uma individualidade extraordinária. Devíamos ter orgulho em termos tão ilustres portugueses como ele. Reparem no seu percurso: durante seis anos estudou jornalismo na Católica — terminou em 1999 — e, desde logo, devido ao seu extraordinário brilhantismo, claro está, assumiu em setembro desse ano o cargo de Editor Político no defunto Diário Económico! Seguiram-se Jornal de Notícias, Diário de Notícias e Jornal Sol, em idênticas funções. Depois, mais um salto de canguru: diretor no Observador, diretor da rádio TSF e, agora, ao que parece, do jornal Público! Que brilhantismo!

 

David Dinis é uma personalidade admirável! Gostava de conhecer o seu currículo em detalhe, mas também não é preciso: tenho a certeza que David Dinis terá rebentado a escala em todas as cadeiras que frequentou na universidade. Só desse modo é que é possível, penso eu, replicar tal percurso profissional. Aos milhares de jovens licenciados do jornalismo em Portugal que não conseguem arranjar emprego ou que andam a estagiar de graça e a tirar fotocópias nas redações dos jornais: ponham os olhos em David Dinis, concedam-lhe uma vénia e sintam-se inspirados pelo seu exemplo!

 

Num outro assunto, completamente não relacionado com o anterior, fascinam-me as histórias do folclore afro-americano daquela zona do Louisiana, Mississippi, onde um pobre coitado, sem nenhum particular encanto ou qualidade, vende a alma ao diabo a troco de um qualquer dom especial — não interessa qual. Contam-se essas histórias a propósito dos grandes músicos de Blues para tentar justificar a sua arte extraordinária que, por ser tão extraordinária, só poderia ter uma origem sobrenatural. Normalmente, o Diabo aparece em forma de mulher atraente num cruzamento de estradas poeirentas após ter sido feita uma oferenda apropriada. Concedido o dom, ao homem é também dado um prazo para dele usufruir, findo o qual, a sua alma será resgatada pelos cães do inferno.

 

 https://1.bp.blogspot.com/-OsZbrkxdQUk/U9z1_bpYKoI/AAAAAAAAEZk/2jc3E-Vr0ks/s1600/crossroad.png

 

Estas histórias fazem parte de um folclore local que inspira a cultura da região, incluindo a toada melancólica característica dos Blues. Como todas as histórias deste género, não valem pela sua autenticidade. O seu valor reside na moral subjacente que pretendem transmitir, na ligação metafórica que existe entre fábula e realidade.

 

Não raras vezes, parece-me que muitas pessoas do mundo real operam uma espécie de venda da sua alma. O que é a alma se não aquilo que de mais íntimo temos? O que é a alma se não aquilo que pensamos? E o entendimento deste processo revela-se útil para a compreensão, por sua vez, daqueles casos extraordinários que conhecemos na sociedade e que muito dificilmente conseguimos explicar se não com recurso ao sobrenatural.

 

Se observarmos com atenção estas individualidades de percurso extraordinário, verificamos que, muitas vezes, trata-se de pessoas de pensamento único, de discurso cristalizado, sem vestígio de bom senso, que fazem tudo por tudo para transmitir e fazer valer uma certa ordem de pensamento. Quando prestamos atenção, verificamos que aquele pensamento e aquele discurso não são verdadeiramente delas, são de outras pessoas. Os “diabos” ditam o que deve ser feito, o que deve ser escrito e difundido. Em troco, conferem-lhes as mais altas posições. Isto, claro, até ao momento de cobrar a alma devida, quer dizer, de proceder à sua substituição por alguém que seja mais jovem e mais inocente. Os “diabos” procuram sempre a carne mais fresca.

publicado às 09:06

Sobre os contrassensos da propaganda de medo

Por que é que é tão difícil explicar a uma pessoa inteligente e letrada que a saída do Reino Unido da União Europeia em nada tem que ver com liberdade de circulação para esse país?

 

Há exemplos de países europeus que, não pertencendo à União Europeia, não necessitam de vistos especiais para serem visitados. A isso chama-se Espaço Schengen e, não sendo esse Espaço um exclusivo dos membros da União Europeia, não há nada que obrigue o Reino Unido a não manter acordos bilaterais relativamente a comércio e livre circulação com os seus parceiros europeus. O problema é que o Reino Unido, juntamente com a República da Irlanda, nunca tinha assinado esse acordo. Então, qual é verdadeiramente o problema? Quem se coloca contra o Brexit usa argumentos — a livre circulação e o livre comércio — que não têm, como facilmente se constata, qualquer sentido.

 

Todavia, é muito difícil fazer compreender que tudo aquilo que identificamos como União Europeia não é, de facto, União Europeia. Quanto muito, a União Europeia, enquanto construção, tê-lo-á tomado de emprestado. A ideia que temos não corresponde à realidade: a União Europeia é controlo, é subtração de autonomia, de liberdade e de democracia. A solidariedade entre os povos terá sempre lugar, assim os povos o queiram, pois não teve o seu princípio, nem terá o seu fim, na União Europeia.

 

A propaganda faz com que seja difícil de entender. É uma propaganda de medo que começou ainda antes dos resultados do referendo. A sua razão de ser radica no facto do poder europeu não querer ver a experiência democrática britânica replicada em mais nenhum país.

publicado às 21:19

Viva o Brexit!

Acordar com a notícia da vitória do Brexit é algo de excecional. Escrevo estas palavras sob um espírito de júbilo e de esperança. Não sei se o Reino Unido o fez pelas melhores razões, mas isso tão pouco interessa. O povo votou e escolheu sair e isso é excelente. É excelente por diversos motivos, principalmente porque coloca em causa o caminho seguido pela União Europeia desde sempre, ou seja, uma espécie de federalização não declarada governada pela Alemanha e orientada por políticas neofascistas.

 

Quem diria que iria ser a democracia o calcanhar de Aquiles desta União Europeia? Quem diria? A União Europeia, que tudo fez para se esquivar ao crivo democrático dos seus povos, com a criação de abjeções não eleitas como o Eurogrupo, ao mesmo tempo que despe o Parlamento Europeu de todo e qualquer poder significativo, vem a ser colocada em causa por um referendo nacional interno!

 

Excelente! Excelente! Viva! Ainda não escrevi tudo o que queria ter escrito, mas agora não consigo! Tenho demasiada adrenalina! Viva o Brexit!

publicado às 09:28

Há mais beleza na verdade

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Há mais beleza na verdade, mesmo que seja uma verdade medonha. Os mendigos que contam histórias às portas da cidade mascaram tão bem a vida que ela acaba por parecer boa e fácil aos preguiçosos, aos teimosos e aos covardes, o que só pode concorrer para lhes agravar as enfermidades. Por esse processo nada se aprende, nada se cura, e o coração nunca se abre.

 

— John Steinbeck, A Leste do Paraíso

publicado às 21:56

O que não passa na televisão não acontece

George Berkeley

 

Em meados do século XVIII o filósofo George Berkeley colocou a seguinte questão: “Se uma árvore cair no meio de uma floresta e não houver ninguém por perto para ouvir, ela fará barulho?”. Filosoficamente, a questão é interessantíssima. Porém, passo por cima da mesma e, em face do que ocorreu no último fim-de-semana, proponho a seguinte reformulação:

 

Se uma árvore cair no meio de uma floresta e o evento não passar na televisão, será que realmente aconteceu?

— Amato, séc. XXI

 

Reparem que agora a questão já não se coloca no indivíduo cuja presença se pressupõe como fundamental para se poder ouvir o som, para se poder provar que o som foi efetivamente produzido. Por outras palavras, se não existir um indivíduo para experienciar o evento, este não ocorre.

 

Com efeito, agora a questão está num exercitar de maiorias. Se a maioria não observar o evento, este não ocorre. Não interessa se cem mil pessoas foram a uma manifestação: se esta não passar na televisão e, desse modo, não chegar à maioria da população, é como se não tivesse acontecido.

 

No último sábado ocorreu uma manifestação gigantesca que mobilizou mais de uma centena de milhar de pessoas de todo o país. Praticamente não passou na televisão, tendo sido completamente abafada por comentários sobre futebol e sobre o jogo de mais logo da seleção portuguesa. Certos jornais começaram por falar em duas mil pessoas e depois “emendaram” para “alguns milhares”. No domingo ocorreu uma aglomeração de algumas centenas de pessoas — estarei a ser generoso — que foi amplamente difundida pelos media e teve direito a diretos vários. O resultado deste exercício nojento a que se convencionou chamar de “jornalismo” foi que os velhotes da minha rua só notaram e só falaram da segunda manifestação, tendo ignorado a primeira. Ah: resta dizer que a primeira manifestação era de apoio à escola pública e a segunda de apoio aos contratos de associação dos colégios privados.

 

“Se uma árvore cair no meio de uma floresta e o evento não passar na televisão, será que realmente aconteceu?”

 

As experiências sociais do último fim-de-semana sugerem que não, ou que, pelo menos, a árvore que caiu não era árvore, era assim uma espécie de erva aromática.

publicado às 20:58

Uma espécie de úbere

Antes de nos debruçarmos sobre as recentes revelações em torno dos mais de dois mil milhões de crédito mal parado da Caixa Geral de Depósitos (CGD), será, por ventura, mais interessante olhar para montante em direção aos propósitos do banco público português. Será aí, na sua razão de ser, nos seus desígnios, nos seus objetivos, que encontraremos todas as respostas para as interrogações que, por ora, nos assolam.

 

Importa, portanto, perguntar: para que serve a CGD? É mais fácil dizer para que não serve: não serve para conceder crédito às famílias ou às empresas; não serve, portanto, para incentivar a procura interna ou para fomentar a economia; também não serve para incentivar a poupança dos portugueses. Para que servirá a CGD, então? Podemos mesmo ir mais longe: para que nos serve dispormos de um banco público, se este claramente não satisfaz nenhuma das essenciais prerrogativas elencadas neste parágrafo?

 

Olhando para um passado não muito longínquo, não é muito difícil detetar o verdadeiro desígnio da CGD: servir como plataforma legal para o Estado poder intervir em favor da banca. A CGD não é, com efeito, nada mais que uma almofada paga e sustentada pelo povo para aparar todas as quedas da burguesia banqueira, fruto da sua imponderada atividade especulativa ou gestão gananciosa. Quando a banca está em dificuldades para se capitalizar porque investiu como louca no imobiliário, ou por outra razão qualquer, aí está o Estado, por intermédio da CGD, a sustentar fundos de recapitalização. Quando o Estado quer injetar dinheiro nalgum banco em risco de falência, não o faz diretamente, usa a CGD.

 

É sobre este ponto de vista, e apenas sobre este, que devemos analisar a recente notícia dos dois mil e trezentos milhões de euros de crédito duvidosamente concedido pela CGD que está em risco de ser recuperado. O caso configura-se, portanto, para lá de uma mera gestão danosa da coisa pública. Antes, trata-se do corolário natural da função com que se concebeu a Caixa Geral de Depósitos durante as últimas décadas.

 

A existência de um banco público afigura-se fundamental para qualquer país soberano que não esteja complemente manietado pelos interesses do capital. É fundamental como ferramenta de intervenção económica. O que o banco público faz hoje em dia é outra coisa: é uma espécie de úbere do dinheiro estatal, ao qual a burguesia acode em caso de necessidade.

publicado às 22:09

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