Primeiro de Maio de 2016
Este ano, por capricho dos deuses, talvez — quem sabe? —, aconteceu que o Dia da Mãe coincidiu com o Dia do Trabalhador. Aconteceu. A casuística do calendário tem destas coincidências: aconteceu que o primeiro domingo de Maio coincidisse com o dia primeiro dia do mês. Para lá de anotarmos os óbvios matizes de infelicidade que envolvem esta coincidência, é porventura mais interessante contemplarmos os dados novos que esta casualidade nos fornece para além de qualquer tipo de dúvida.
Com exceção de um ou outro comunista, de uma ou outra pessoa abençoada com o dote de um punhado de convicções mais sólidas e menos triviais, a web encontra-se inundada no dia de hoje das mais diversas mensagens frívolas de celebração do Dia da Mãe, ao mesmo tempo que o Dia do Trabalhador é desprezado quase que por completo. Bem entendido, a casualidade que acontece hoje e que atrás qualifiquei de infeliz possui a propriedade de provar como uma parte substancial da população desvaloriza o Dia do Trabalhador em face de um qualquer pretexto. O pretexto deste ano foi o Dia da Mãe.
Não é que o Dia da Mãe não tenha a sua relevância. Trata-se, sem embargo, de uma importância com um nível muito diferente da do Dia do Trabalhador, um dia que se associa às maiores conquistas laborais e às mais revolucionárias modificações sociais do último século.
É ajuizado notar que a população das redes sociais não pode ser considerada representativa da população do país. Evidência desta última afirmação é, por exemplo, as extrapolações de intenção de votos que se fazem em altura de eleições com base na popularidade nas redes sociais e que saem, em regra, furadas. Mais: a parte da população que festeja o Dia do Trabalhador não comenta usualmente na rede, vai para a rua celebrar.
Isto não quer dizer, todavia, que não seja possível extrair certos padrões comportamentais e reacionais com um certo grau de representatividade a partir das redes sociais. Aliás, se assim não fosse e se as redes sociais não assumissem uma relevância importante e crescente, não se investiria tanto e cada vez mais no seu estudo.
Sob outra perspetiva, este afastamento da generalidade da população do Dia do Trabalhador encerra em si próprio uma derrota de um certo sistema de valores que, de forma mais ou menos subliminar, vinha presidindo à nossa sociedade. São os valores que originaram a Revolução de Abril, a escrita da Constituição e que inspiraram o mais geral Sistema Social Europeu, como assim é chamado.
Este Sistema Social Europeu, como já tive oportunidade de escrever anteriormente, foi produto da confrontação entre os regimes capitalistas ocidentais e os regimes socialistas de leste, tendo sido a forma encontrada pela Europa de desmobilizar uma crescente onda popular que, dentro de portas, ambicionava para si os direitos que se dizia que as populações de leste usufruíam. Hoje este confronto não existe mais e, lentamente mas a passos muito seguros, o Sistema Social vai sendo desmantelado peça por peça e, com ele, o Dia do Trabalhador esvazia-se de sentido e de relevância junto das populações, as quais, encontram-se já perfeitamente reformatadas ao ocidente capitalista e não conseguem ver nele, no Dia, qualquer tipo de significado.