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Porto de Amato

Porto de abrigo, porto de inquietação, porto de resistência.

Porto de Amato

Porto de abrigo, porto de inquietação, porto de resistência.

O que somos? Proletários.

Falava há uns tempos com um amigo que me dizia: “As ideologias estão ultrapassadas, amigo. Agora, as fábricas são meia dúzia e nem sequer há proletariado!”.

 

Sob um certo ponto de vista, o meu amigo estava certo. Esse ponto de vista é a realidade interpretada segundo o contexto da sua definição de proletariado, os operários, aqueles que trabalham nas fábricas, uma definição largamente difundida informalmente, mas todavia errada.

 

Por proletariado devemos entender a classe dos modernos trabalhadores assalariados os quais, não detendo quaisquer meios de produção seus, encontram-se reduzidos à venda da sua força de trabalho para poderem sobreviver. Os proletários distinguem-se, deste modo, dos outros trabalhadores tradicionais que vendem o produto do seu trabalho.

 

É por esta razão que qualquer moderno trabalhador, desde um operador de call center a um vendedor porta-a-porta, um assistente comercial (que é como chamam hoje em dia aos lojistas), um professor, um médico, um advogado ou um operário, todos eles detêm esta característica em comum, a única coisa que têm para vender é a sua força de trabalho, mais ou menos qualificada. Cada um deles integra, por força da sua condição, a classe social chamada de proletariado, ainda que não tenham nem queiram ter consciência disso.

A pedra como uma arma do proletariado, por Ivan Shadr

 

publicado às 22:06

O desfecho patético

O patético desfecho da pseudo-situação das bofetadas faz-me ponderar seriamente, muito seriamente, se este governo não estará desesperadamente à procura de pretextos para se desmoronar, como que tateando no escuro em busca do botão de autodestruição.

 

Pode ser que não. Pode ser que João Soares apenas se sentisse incapaz para o desempenho do cargo. Mas tudo isto parece-me demasiado forçado...

 

O pior de tudo é que esta demissão apenas concorre para o alimentar desta era de mediatização da coisa política que mais não é do que a manipulação pura e dura da democracia pela economia. Essa manipulação é operada por intermédio da comunicação social que age sob a capa negra dessa entidade abstrata chamada de opinião-pública. De pública a opinião nada tem. Todavia, de uma forma tão natural quão sinistra, a opinião-pública incorpora-se no povo e apodera-se das suas vontades fazendo delas as suas e justificando, deste modo, a sua ação.

https://revolution-news.com/wp-content/uploads/2015/01/Alfredo-Garzon-Cartoon-Movement.jpeg

publicado às 11:26

Um pouco de lealdade no debate, por favor!

Por vezes, parece que o exercício da política é inteiramente dedicado aos intelectualmente inferiores. Parece que nenhum recetor da coisa política é suficientemente inteligente ou letrado para reconhecer uma ironia ou um discurso figurado. Digo isto, obviamente, relativamente à já célebre promessa de um par de bofetadas do Ministro da Cultura.

 

Claro que daqui por uns tempos já ninguém se lembrará disto. A política, ou o tratamento que dela é feito, parece ter entrado decisivamente numa espécie de modo Reality TV, um género de sucessão de eventos pseudo-bombásticos, que inibe qualquer tipo de reflexão.

 

Ainda hoje, leio comentários indignados nos jornais que referem qualquer coisa como que um Ministro não pode ameaçar fisicamente ninguém e que, por isso, se deve demitir. É caso para duvidar, consistentemente com aquilo que escrevi no parágrafo primeiro, da capacidade intelectual de quem escreve tais comentários, de quem profere tais palavras. É sentido figurado! Não há qualquer perigo de violência física! Se não sabe, aprenda!

 

Porque já antecipo o género de comentários que esta minha opinião suscitará, deixem-me atestar que não considero a linguagem utilizada a mais apropriada para o cargo, nem nutro pela pessoa do Ministro da Cultura particular admiração. Acho, inclusivamente, que há um certo tom de sobranceria e de altivez que marca indelevelmente o seu estilo. Dito isto, também me parece que este jogo a que assistimos é profundamente desigual: aos comentadores tudo é permitido, podem adjetivar o cargo, a pessoa e a sua ação como bem entendem que nada lhes acontece — há uns anos um comentador chamou de palhaço ao Presidente da República e o tribunal, então, ilibou-o; já aos agentes governativos toda a parcimónia é requerida na escolha do léxico para se defenderem dos ataques de que são alvo, sendo que o recurso à adjetivação encontra-se condicionado e o recurso à linguagem figurada totalmente proibido.

 

É manifesto que cada governante deve ser um exemplo de boa conduta e educação mas francamente: haja também um pouco de lealdade no combate, isto é, no debate. Se são capazes de apelidar o Ministro de “insignificante” e de “lamentável”, por exemplo, sejam capazes também de aceitar igualmente as queirosianas bengaladas que virão, naturalmente, a caminho, sem delas fazer este espetáculo deprimente.

publicado às 10:47

Os Papéis como sintoma

Hoje fui à Autoridade para as Condições de Trabalho. Cheguei cedo, ainda era muito cedo, o sol ainda espreitava tímido no céu azul e os seus raios finos e tenros mal conseguiam perfurar as paredes de prédios cinzentos que ladeavam a avenida. Mas o meu conceito de cedo revelou-se desajustado com a realidade daquela sala de espera.

 

Encontrei uma vintena de pessoas que, como eu, esperavam, ansiosas por resolver os seus problemas laborais ou, no máximo, colher um feixe de esperança que, ainda que ténue, os guiasse para uma luz ao fundo do túnel.

 

Isto é o reflexo do estado do país, do estado lastimável da sociedade. Não são nem Panamá Papers nem outros mega processos jornalístico-judiciais que o mostram. O estado do país vê-se aqui. O resto é foguetório para entreter a malta.

 

A raiz dos problemas revela-se aqui, no ACT, onde cada sala de espera apinhada devia envergonhar cada governante sobre o estado do trabalho, sobre o desequilíbrio de forças que existe no nosso país e sobre as consequências nefastas que se multiplicam na distribuição da riqueza e na justiça social.

 

Nada disto é genuinamente surpreendente. Estas salas abarrotadas são o resultado de vários anos de políticas que forçaram o desequilíbrio de forças entre o patronato e o operariado, com vantagem evidente para o primeiro, ainda que com o obséquio ativo do segundo. E é precisamente aqui que radica tudo o resto, a acumulação obscena de riqueza e, consequentemente, casos como este que agora preenche todas as primeiras páginas, os Papéis do Panamá.

 

Os Papéis não são causa de nenhum problema, são apenas sintoma. Simplesmente é-nos conveniente pensar o contrário.

publicado às 12:17

Panamá quê?

Já não tenho paciência para estes casos. Lamento, mas já não tenho. Nem para os nomes apelativos que os promotores encontram para os apelidar. Panama Papers dará, decerto, um excelente título para uma meia dúzia de livros de auto nomeada investigação, bem como pelo menos uma longa metragem no “bom” estilo de Hollywood.

 

As sociedades ocidentais entretêm-se, por ora, com o escândalo, envolvidas num já visto e recorrente estado de surpresa histérica e de alarme. Os jornais e as televisões carecem de outro assunto e doseiam, como tão bem sabem, as novidades, dia após dia, comentando e espremendo o não-assunto ao máximo. O que se seguirá será a também habitual súbita amnésia coletiva.

 

O povo participa, como sempre, desta dança macabra. Quando se lhes pergunta, a uns ou a outros, o que fazer, então, com tamanho escândalo, encolhem os ombros. Segue-se um silêncio tumular apenas quebrado por frases tão ocas quanto “isto é a ganância e a falta de ética de alguns”, o que, em boa verdade, não responde à questão. Antes, desculpa a situação, querendo efetivamente dizer que deve ficar tudo na mesma.

 

É exatamente disto que já não tenho paciência. Quando alguém ousa propor um maior controlo das economias pelos estados democráticos, uma maior transparência que inclui uma quebra de relações económicas com todo e qualquer paraíso fiscal, uma distinta responsabilidade social por parte desta burguesia acumuladora de capital e, por fim, uma distinta distribuição de riqueza, quer em forma, quer em conteúdo, esse alguém é imediatamente enxovalhado com uma série de preconceitos e votado ao ostracismo.

 

Este tipo de medidas, que efetivamente contêm em si o potencial de erradicar casos como o Panama Papers, não colam, não medram, entre o povo. O povo recita frases imbecis como “Se se fizesse isso, havia fuga de capitais” ou “Os capitalistas é que criam trabalhos e riqueza”, entre outras, recitam-nas melhor do que as passagens mais batidas da eucaristia, e empurram com a barriga para a frente, aceitam de bom grado a recorrência destes incidentes. Porquê?

 

A razão é simples. Faça-se esta pergunta a uma pessoa qualquer que encontremos na rua, no autocarro, no café ou no trabalho: “O que faria se estivesse no lugar destes que foram apanhados a lavar dinheiro?”. A resposta não é surpreendente e é provável que você mesmo, você que está a ler neste preciso momento as palavras que escrevo, esteja a dá-la mentalmente: “Faria exatamente o mesmo ou pior. Procuraria era não ser apanhado.” Acertei?

 

A resposta não é surpreendente mas é elucidativa. Elucida-nos sobre o sucesso generalizado, em termos de aceitação, do sistema capitalista entre os povos do mundo. É exatamente esta ilusão de liberdade, esta ilusão de podermos ganhar muito dinheiro com pouco trabalho, sem produzirmos o que quer que seja, e podermos acumulá-lo em algum cofre de algum lugar recôndito, sem darmos sequer um tostão a ninguém, que apela ao mais íntimo e selvagem do Homem e o seduz.

publicado às 09:57

Desconfiemos sempre do que os nossos olhos nos mostram

https://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/7/79/PSM_V37_D740_Rene_Descartes.jpg

 

Whatever I have accepted until now as most true has come to me through my senses. But occasionally I have found that they have deceived me, and it is unwise to trust completely those who have deceived us even once.

 

O que quer que tenha aceite até agora como absolutamente verdadeiro chegou até mim através dos meus [órgãos dos] sentidos. Mas, ocasionalmente, cheguei à conclusão de que eles me iludiram, e que não é prudente confiar completamente no que nos iludiu nem que seja uma só vez.

 

— René Descartes, in First Meditation: On what can be called into doubt [Primeira Meditação: Sobre o que pode ser objeto de dúvida], 1639.

 

N. B.: todas as traduções são não oficiais.

publicado às 23:16

Quando consideramos que os fins justificam os meios

Será que não é simplesmente o facto de desconsiderarmos e rejeitarmos o governo angolano o que nos faz considerar injustas as condenações e penas aplicadas a Luaty Beirão e seus companheiros? Não será esse o derradeiro argumento que nos faz tomar posição?

 

Imaginemos a situação com diferentes intervenientes. Imaginemos... ainda que por um efémero momento. Será que assumiríamos as mesmas posições? Neste particular, erijo sérias dúvidas.

 

O que resulta de toda esta situação não é mais do que o diagnóstico cabal a uma certa forma que as sociedades ocidentais adotam para encarar os problemas e que poderia ser descrita à custa do lema “Os fins justificam os meios”.

 

Porque consideramos válido o fim “Depor o governo angolano”, então consideramos legítimo todo e qualquer meio (ação) empregue nesse sentido. Este modus operandi, esta forma de entender as coisas, não deve ser entendido com a mesma leviandade com que é empregue, porque isso traduz-se numa sociedade sem lógica estrutural, com um conjunto de princípios tão plasticamente moldáveis aos interesses mais convenientes de terceiros que esvaziam rapidamente a nomenclatura.

 

Podemos discordar do governo angolano e até nutrir simpatia por todos aqueles que lutam, dentro e fora da lei, para depor tal governo. É uma prerrogativa de cada um. Outra coisa, diversa, é desculpabilizar todos os atos perpetrados nesse sentido e não aceitar as suas consequências.

 

O nosso mapa populacional ajuda a explicar esta febre de entendimento, estes julgamentos céleres, sobre o governo angolano. O que sobra, e é muito, é explicável recorrendo aos muitos interesses económicos em jogo. Sinceramente, gostava de poder olhar para este caso sem que estas duas realidades estivessem tão presentes. Gostava que o governo angolano fosse manifestamente pró-imperialista e que governasse um país pobre, de diferenças sociais crescentes e que não estivesse economicamente cada vez mais pujante. Gostava de poder ver nessas circunstâncias Luaty Beirão a lutar pela liberdade e pela democracia e, sobretudo, gostava de ver a cobertura mediática que Portugal lhe dedicaria.

 

Estou a lembrar-me, por exemplo, de um país do género da África do Sul, de que ninguém fala, e que, tendo entregue todas as suas riquezas a multinacionais americanas e europeias, atravessa uma crise económica, social, democrática e política sem precedentes. Também podia falar de outros países africanos: em boa verdade, qualquer um que escolhesse faria de Angola um exemplo de civilização e de progresso em toda a linha e, também, de liberdade e de democracia. Mas creio já ter vincado bem o meu ponto, bem como colocado a nu toda a hipocrisia que rodeia o tratamento mediático deste processo.

 

Acabo como comecei: façamos o exercício de imaginar a situação, segundo os factos de que temos conhecimento, mas com intervenientes diferentes. Se nenhuma modificação for suscitada no nosso entendimento, então prossigamos como antes.

publicado às 14:01

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