Um pouco de lealdade no debate, por favor!
Por vezes, parece que o exercício da política é inteiramente dedicado aos intelectualmente inferiores. Parece que nenhum recetor da coisa política é suficientemente inteligente ou letrado para reconhecer uma ironia ou um discurso figurado. Digo isto, obviamente, relativamente à já célebre promessa de um par de bofetadas do Ministro da Cultura.
Claro que daqui por uns tempos já ninguém se lembrará disto. A política, ou o tratamento que dela é feito, parece ter entrado decisivamente numa espécie de modo Reality TV, um género de sucessão de eventos pseudo-bombásticos, que inibe qualquer tipo de reflexão.
Ainda hoje, leio comentários indignados nos jornais que referem qualquer coisa como que um Ministro não pode ameaçar fisicamente ninguém e que, por isso, se deve demitir. É caso para duvidar, consistentemente com aquilo que escrevi no parágrafo primeiro, da capacidade intelectual de quem escreve tais comentários, de quem profere tais palavras. É sentido figurado! Não há qualquer perigo de violência física! Se não sabe, aprenda!
Porque já antecipo o género de comentários que esta minha opinião suscitará, deixem-me atestar que não considero a linguagem utilizada a mais apropriada para o cargo, nem nutro pela pessoa do Ministro da Cultura particular admiração. Acho, inclusivamente, que há um certo tom de sobranceria e de altivez que marca indelevelmente o seu estilo. Dito isto, também me parece que este jogo a que assistimos é profundamente desigual: aos comentadores tudo é permitido, podem adjetivar o cargo, a pessoa e a sua ação como bem entendem que nada lhes acontece — há uns anos um comentador chamou de palhaço ao Presidente da República e o tribunal, então, ilibou-o; já aos agentes governativos toda a parcimónia é requerida na escolha do léxico para se defenderem dos ataques de que são alvo, sendo que o recurso à adjetivação encontra-se condicionado e o recurso à linguagem figurada totalmente proibido.
É manifesto que cada governante deve ser um exemplo de boa conduta e educação mas francamente: haja também um pouco de lealdade no combate, isto é, no debate. Se são capazes de apelidar o Ministro de “insignificante” e de “lamentável”, por exemplo, sejam capazes também de aceitar igualmente as queirosianas bengaladas que virão, naturalmente, a caminho, sem delas fazer este espetáculo deprimente.