Ontem entretive-me a assistir aos debates promovidos pelos canais informativos. Fiquei admirado com o tempo de antena concedido por tais meios de informação a tantos candidatos desconhecidos e, apenas por um curto momento, senti um calorzinho no estômago, daqueles do mais puro contentamento, por aquela aparente transformação operada nos critérios editoriais respetivos no que respeita à cobertura informativa nestas eleições. Foi apenas por um efémero momento efervescido talvez pelo contraponto, ainda fresco na memória, da cobertura jornalística desses mesmos meios nas eleições legislativas de outubro passado. Nessa altura, a opção foi claramente a bipolarização, com as duas forças políticas mais votadas a dividir entre si todo o tempo de antena.
Então, caí de novo em mim, na plenitude das minhas faculdades, e entendi a diferença de tratamento. A diferença está no facto de não haver candidato evidente da área do PS para se poder bipolarizar o debate. Nesse sentido, a opção (de todo em todo esperada) foi a de confundir o eleitorado, chamando para a mesa de debate todos os candidatos, os mais e os menos sérios, inquinar as intervenções com questões menores e irrelevantes e criar um ambiente promotor da concentração dos votos em Marcelo.
Pode parecer demagógico falar em seriedade de candidatos quando cada um deles é tão legítimo como o que se lhe segue. Não é, contudo, demagogia: legitimidade e seriedade são conceitos distintos. Revejam os debates de ontem. Foram momentos deprimentes para a política em Portugal, não pelos intervenientes em si, mas pelo seu nível de preparação e por aquilo que (não) trouxeram para o debate. O que trouxeram resumiu-se aos chavões do costume, os chavões que eu pensava já estarem gastos, aqueles usados ad nauseam por candidatos presidenciais sem apoio partidário desde os últimos dez anos: “partidocracia”, “sociedade civil”, “cidadãos”, “luta contra a corrupção”, “pela seriedade das instituições”, “meritocracia”, ... É confrangedor, medíocre do ponto de vista intelectual, revelando total desconhecimento relativamente às funções do Presidente. É o populismo baratucho no seu esplendor.
Para se ser alternativa, para se ser transformação, para se corporizar a mudança, são necessárias mais do que palavras: são precisas ações, estrutura e caráter e, o mais importante, ideais. Porque quando esprememos cada um destes “candidatos da sociedade civil” o sumo que sai tem aquele amargo e familiar sabor que é deste sistema, que é deste modo de se entender o mundo que nos rodeia. É por isso que o discurso resulta oco. É por isso que tantos candidatos deste tipo resultam em nada uma vez adquirida a vara do poder e todos os chavões e todas as frases feitas evaporam-se instantaneamente, qual gás nobre. São candidatos que julgam que a transformação da sociedade é uma questão de competência. Não é. A sociedade apenas se transformará quando for operada uma transformação filosófica que abranja diametralmente todos os seus setores, incluindo as noções de justiça e de igualdade e que, por isso mesmo, altere os mecanismos de distribuição de riqueza, incluindo a cultura, a educação e a saúde. Tudo o resto são operações cosméticas sobre um velho sistema a que se convencionou chamar de capitalismo.
No meio de tudo isto, Marcelo, sem dizer absolutamente nada de remotamente relevante, faz uso da sua imagem mediática e passeia-se até ao dia das eleições as quais, acredito, vencerá à primeira volta.
Mas retorno ao meu ponto central: o exposto apenas demonstra a natureza claramente parcial da comunicação social. Caso contrário, porque razão os pequenos partidos não tiveram igual tratamento na campanha eleitoral para as eleições de outubro passado? Porque razão, volvidos apenas três meses, se justifica agora que se ouçam os candidatos mais desconhecidos? O plano é diferente mas o objetivo é o mesmo: a concentração dos votos na área política de estimação. Desta vez os sapientes e autónomos critérios editoriais dos meios de comunicação social elegeram esta estratégia de polarização controlada do espaço mediático para poderem construir uma imagem de “seriedade” em redor de Marcelo e promover a concentração dos votos na sua cabeça.