Marcelo Rebelo de Sousa é o último exemplo de como esta sociedade Big Brother exerce controlo ou, pelo menos, como influencia o pensamento de cada um dos seus elementos, de cada cidadão que pisa este solo retangular e que, todos os dias, procura sobreviver debaixo deste sol.
Marcelo Rebelo de Sousa é exatamente aquilo que é, nem mais, nem menos, mas isto é algo de diverso do que é apresentado na generalidade dos media. Hoje, Marcelo Rebelo de Sousa aparece-nos, televisão adentro, como um grande sábio, uma excelente pessoa, muito culta e muito capaz. Esta imagem levou mais de uma década a ser construída e juntou esforços de jornais, canais de rádio e de televisão. A verdade é que, quer quiséssemos, quer não, lá estava o Professor na TV a horas certas, a mandar bitaites sobre tudo e a recomendar livros. O Professor Marcelo substituiu o Vitinho e os Patinhos ao domingo à noite e a juventude habituou-se a ir dormir a seguir às suas palavras antes de acordar para uma nova semana de trabalho.
Não interessa que na vida política Marcelo tenha sido uma nódoa, incapaz de segurar a liderança do seu partido e de unir as suas vontades. E não interessa que Marcelo tenha sido uma nódoa de lavagem rápida rapidamente substituído por outros de menor currículo mas, todavia, capazes de fazer o que o Professor não soube ou não conseguiu. Nem interessa que Marcelo tenha virtualmente perdido todas as eleições a que concorreu. Nada da sua efetiva participação política interessa verdadeiramente.
Não interessa a ascendência de Marcelo e a sua íntima relação com o antigo regime. Diz-se que o último dos ditadores do Estado Novo, Marcelo Caetano, esteve para ser seu padrinho de batismo e diz-se que se batizou o menino de Marcelo em sua honra. Mas nada disso interessa porque Marcelo, o de 2016, sempre foi um democrata dos sete costados e nem sabia nada sobre o assunto. Nada do património histórico de Marcelo interessa verdadeiramente.
Não interessam as suas posições políticas. Não interessa que eventualmente seja um retrógrado conservador que preferiria os tempos simples do “antigamente” em que todos fossem à missinha ao domingo e em que as mulheres fossem umas parideiras de trazer por casa e a cuidar a casa enquanto os maridos trabalhavam de sol a sol para colocar comida na mesa. Não sei se é isso que o Professor pensa porque nada do que aquilo que o Professor Marcelo realmente pensa parece interessar aos meios de comunicação social, nem os sinais que foram sendo dados, nem os lados em que o Professor se foi colocando ao longo da passagem dos tempos.
Nada disto interessa porque o Professor Marcelo é afável e divertido, é simpático e bonacheirão e, por isso mesmo, dará um excelente Presidente da República que será muito próximo do povo.
O Professor Marcelo Rebelo de Sousa é, com efeito, apenas a face visível do controlo e da influência a que estamos sujeitos. Antes, há dez anos, tivemos já a cavalgada sebastiânica de Cavaco, imaculada de nódoas políticas passadas, até à presidência da República.
Não é que a maioria do povo não queira Marcelo. Provavelmente quer, estou seguro disso. Essa escolha, contudo, deveria ser limpa e transparente e não sob esta permanente capa de hipocrisia, este faz-de-conta com o qual se entretêm as crianças e se obtêm os comportamentos desejáveis.
Quando se fala em democracia avançada é exatamente o contrário disto que temos: esta democracia infantil feita de fantoches e de falsos ídolos, feita para ignorantes.