Sobre as conexões mentais coletivas
Se a sociedade, o conjunto de pessoas que inclui cada um de nós, fosse um corpo de uma pessoa apenas, é seguro afirmar que seria o corpo de um débil mental.
Os acontecimentos sucedem-se com grande celeridade, cada um dos quais lidado com um nível de histerismo próprio de uma criança cara a cara com um presente na véspera de Natal. É claro, portanto, que o corpo tem olhos e nariz, ouvidos e mãos para muito bem reconhecer o acontecimento com plenas capacidades sensoriais. Também dispõe de pernas em forma para correr e saltar e armar o circo que é comum ser armado nos primeiros dias após o reconhecimento sensorial. Acontece que, depois, qualquer tipo de conexão mental se revela infrutífera, não sendo estabelecido qualquer tipo de relação entre o que é observado ou uma aprendizagem consistente.
Nos últimos dias do ano vimos mais um banco ser intervencionado pelo Estado, com quantias avultadas a serem avançadas para cobrir buracos, justificando a aprovação de um orçamento retificativo na Assembleia da República. Quase de seguida, tivemos o anúncio de acordos de patrocínio a clubes de futebol, por parte de empresas de telecomunicações, que ascendem aos milhares de milhões de euros. Perante a sucessão dos eventos não vi ninguém questionar a moralidade da coisa que se assume particularmente grotesca no contexto de carestia em que o nosso país vive. Ao mesmo tempo que as classes trabalhadoras veem os seus magros rendimentos ainda mais emagrecidos, existem grandes empresas que engordam os seus lucros e que têm a possibilidade de oferecer estes escandalosos patrocínios. Mais: não exibem tão pouco qualquer vestígio de pudor em fazê-lo. O pior é que as duas coisas estão relacionadas. Ainda pior, como dizia no início, é a sociedade observar os acontecimentos e para além de não sentir revolta ainda bater palmas.
O melhor que descobri nos media foi uma tira de cartoon no DN que chamava a atenção para o assunto, ainda que timidamente e, diga-se, de forma intelectualmente pouco nutrida. De resto, não li nenhum comentário de nenhum comentador que conseguisse sequer apontar o óbvio.
Esta sociedade, se acaso fosse uma pessoa, seria efetivamente um perfeito débil mental.