Saltar para: Posts [1], Pesquisa [2]

Porto de Amato

Porto de abrigo, porto de inquietação, porto de resistência.

Porto de Amato

Porto de abrigo, porto de inquietação, porto de resistência.

Um guião para privatizar uma empresa

1. Desvalorizar a empresa.

     a) Proceder a investimentos ruinosos.

     b) Falhar compromissos com clientes existentes.

     c) Rejeitar novos clientes e novas oportunidades de negócio.

     d) Implementar uma política contracionista que rejeite qualquer forma de modernização da empresa.

 

2. Gerar propaganda pública e massificada sobre a inviabilidade da empresa através dos canais habituais que sempre se prestam a tal papel.

 

3. Despedir ou acordar rescisão com uma boa parte dos trabalhadores da empresa.

 

4. Construir um caderno de encargos para a privatização que inclua tudo e mais alguma coisa para acalmar vozes preocupadas.

 

5. Face aos pontos anteriores, vender a empresa a preço de saldo e, se possível, pagar ao privado que a compre.

 

6. Pegar no caderno de encargos e depositá-lo no caixote de lixo mais próximo.

 

http://www.struggle.com.pk/wp-content/uploads/2013/07/privatization-cartoon-1024x727-Small.jpg

 

Este tem sido o guião implementado pelos sucessivos governos, PS, PSD, PSD-CDS, para privatizar as mais diversas empresas públicas. É curioso que a maioria dessas empresas, antes da implementação do guião, eram lucrativas (ou dispunham de todas as condições para tal) e após a sua privatização rapidamente voltaram a sê-lo. Após a privatização dos Estaleiros Navais de Viana, por exemplo, choveram copiosas novas encomendas de diversos clientes quando, antes, incrivelmente, não existiam. Com a TAP, com a PT, qualquer coisa do mesmo género se passará.

 

O mais grave, contudo, é o facto deste mesmo guião estar neste preciso momento em pleno cumprimento nas empresas públicas ou com participação pública que sobram. Os próximos tempos serão reveladores, sobretudo se voltarem os mesmos a vencerem as eleições. Estejamos atentos. O meu palpite: o preço da gasolina vai disparar ainda mais, tal como já aconteceu com o da eletricidade, o do gás e o da água.

publicado às 08:32

Pontos-chave da poupança

 

 

Acabo de assistir a um debate sobre a poupança em Portugal que se viu reduzida a uma percentagem residual no último ano. Durante o debate nem sequer se afloraram os dois pontos-chave na matéria e que para mim resultam evidentes. São eles os seguintes.

 

  1. Rácio rendimento disponível e custo de vida.

 

Falar em rendimento por si só é profundamente estéril. Um cidadão pode, em tese, ter um salário líquido de cem euros e poupar setenta, por exemplo, se com os outros trinta conseguir pagar todas as suas necessidades básicas. O problema de Portugal está nos salários praticados, sem dúvida, mas não apenas, também está no custo de vida. Ao contrário do salário médio que se reduz ano após ano e se aproxima do salário mínimo, o custo de vida em Portugal alcança a cada ano que passa a média europeia, a média dos países mais ricos, com salários médios que se multiplicam muitas vezes quando comparados com o nosso. O problema de Portugal é a pergunta: com um salário líquido de quinhentos euros mensais quanto se consegue colocar de lado ao fim do mês?

 

https://thefamilychapters.files.wordpress.com/2010/05/skinny-piggy-bank.jpeg

 

  1. Banca.

 

Quem tem um pouco de dinheiro e que eventualmente poderia ser seduzido a poupá-lo não o faz. Não o faz porque não é burro. É tão simples quanto isso. A banca nacional, a principal e mais apta instância a promover a poupança, oferece juros que são mais do que uma vergonha para quem nos governa e deveria estar atento a estas coisas. Os juros praticados são um insulto. Vale mais pegar no dinheiro e gastá-lo. E convém dizer que a responsabilidade do Estado, neste particular, não é apenas indireta. Também o estado deveria incentivar a poupança dos seus cidadãos e desse modo obter financiamento mais vantajoso. Pelo contrário, o Estado tem vindo a desvalorizar os seus instrumentos de poupança, nomeadamente os certificados de aforro. Veja-se a diminuição abrupta do número de aforradores descontentes com os juros miseráveis sobre o seu dinheiro.

 

Falar em poupança é inexoravelmente falar do exposto.

publicado às 18:51

O que o povo quer

O resultado das eleições gregas do último fim-de-semana conduz-nos a uma reflexão aguda no domínio da antropologia. Como compreender tal resultado?

 

Objetivamente o povo grego decidiu renovar a confiança depositada no Syriza depois de este partido ter feito o que fez neste período último de governação. O Syriza chegou ao governo através de um discurso agressivo anti-austeridade e, passado um prelúdio de oposição verbal veemente junto das mais altas instâncias europeias, sucumbiu dramaticamente a essas mesmas políticas de austeridade. Fê-lo, sem um plano B autónomo, sem uma ideia própria para a Grécia. O Syriza, conclui-se do exposto, abraçou a governação da Grécia com o propósito tresloucado de modificar os resultados do sistema a seu favor sem o transformar, sem beliscar os seus alicerces. Tudo isto é factual e objetivo e, ainda assim, o povo grego renovou a confiança no Syriza. O povo grego, que acreditávamos ter votado no Syriza com base no que o Syriza prometeu, não se sentiu traído, não se sentiu enganado.

 

Por ventura, nós é que estamos todos enganados quando achamos que o povo vota ao engano, que se engana com o discurso político, com a dialética argumentativa. Sim, nós é que estamos totalmente equivocados quando acreditamos que o povo é ignorante e incapaz de ver para além das entrelinhas das promessas.

 

Analisemos, portanto.

 

O povo grego não votou (felizmente, diga-se) nos partidos gregos com tradição de poder, ou seja, não votou nos responsáveis pela situação do país e naqueles que por ventura seriam os mais hábeis e preparados para seguir à risca a moratória europeia da austeridade.

 

Do mesmo modo, o povo grego não votou nos partidos que assumiam a alternativa, isto é, o tratamento duro mas inevitável para a doença económica: a saída do Euro e, ultimamente, da União Europeia. Sejamos, portanto, claros: o povo grego não preferiu nenhuma das alternativas claras que se perfilavam diante de si. Rejeitou um regresso ao passado assumido, ou seja, uma manutenção da Grécia numa eterna política de subalternidade e de austeridade e disse que não, também, à procura de uma solução, naturalmente drástica mas eficaz, para o seu problema económico. O povo grego decidiu-se, então, por uma via diferente. Optou por um governo que mantivesse a Grécia numa situação de protetorado, de submissão, mas com capacidade oratória para reivindicar, negociar, fazer espetáculo, ainda que desse processo pouco possa resultar de substantivo, porque fazer as duas coisas em simultâneo é como que tentar cantar e assobiar ao mesmo tempo.

 

Vejo esta decisão do povo grego com tristeza. Esta decisão puxa-os do Olimpo para a Terra, liberta-os daquela aura divina que parecia existir nos primeiros tempos de Syriza: o povo grego lutava contra a Europa, lutava sozinho e a Europa toda junta tremia. Agora o povo grego parece-se com os outros povos e com o português também. Afinal não lutam pelo que consideram certo ou justo, mas pelo quinhão mais fácil, pela migalha mais rápida e indolor. E, neste momento, o mais fácil, rápido e indolor é a austeridade. E nem como Homens a irão engolir. Não: têm lá uns tipos no governo que vão chorar o tempo todo, a cada pontapé no traseiro. Vão chorar e não vão fazer nada sobre isso.

publicado às 16:13

Armadilha? Já caímos nela!

É preciso que se saiba com clareza o que é a armadilha, não para evitarmos cair nela, porque já o fizemos, mas para saber do que se trata, para um dia dela podermos sair e para nela não voltarmos a cair.

http://www.jennysmith.net/wp-content/uploads/2014/08/cg_trap-and-rabbit1.jpg

Hoje, dezassete de setembro de dois mil e quinze, a escola e a saúde públicas estão reduzidas a metade do que já foram. Ao longo dos últimos anos, os sucessivos governos PS, PSD, PSD-CDS, fecharam no setor público valências várias para as subconcessionar ao setor privado. Centenas de escolas privadas floresceram com novos cursos subsidiados pelo dinheiro estatal, transferido diretamente das unidades públicas encerradas, e o mesmo se passou com os hospitais privados que proliferaram como cogumelos ao abrigo de idênticas promiscuidades de dinheiros públicos, de utentes do serviço público incentivados a utilizar os serviços privados.

 

Hoje, dezassete de setembro de dois mil e quinze, começa-se a ver o efeito da armadilha supra descrita. Muitas instituições de ensino privadas veem os seus subsídios reduzidos, limitados, retardados ou negados e muitos alunos que foram empurrados para essas escolas veem o seu futuro imediato em risco. Por outro lado, a saúde privada intensifica a procura por lucros à custa dos utentes desviados do serviço nacional de saúde, serviço esse que se vai desqualificando e desertificando a cada ano que passa, mostrando-se incapaz e impotente para receber de volta, eventualmente, os utentes perdidos. O povo caminha para a lógica do “utilizador pagador” e, sendo uma opção tão válida como outra qualquer, é necessário que se assuma o lema com clarividência e transparência, para se assumir, então, todas as responsabilidades do que daí resultar.

 

A armadilha foi lançada com sucesso e o povo português nela caiu como uma ovelha. Cada ano que passar assistirá a um agravar natural do problema quer no setor educativo, quer no setor da saúde. O precipitar da situação do país e o desequilibrar violento da balança social ameaça cruzar uma linha de não retorno, se acaso essa linha não tenha sido já pisada, que fará com que o inverter da situação, o resolver do problema, não possa mais ser operado no domínio da diplomacia.

publicado às 17:00

Testemunho

http://www.mymanlyblog.com/wp-content/uploads/2015/03/pen-and-paper.jpg

“Eu e a minha companheira somos professores. Todos os dias levantamo-nos às seis horas da manhã para começarmos a trabalhar às oito e um quarto. E todos os dias, antes das oito e um quarto, temos que colocar a impressão digital naquele aparelho cinzento-escuro, quase preto, com um díodo que emite uma luz vermelha como um laser. É o “picar o ponto” dos tempos modernos. Ela vai para a escola dela e eu vou para a minha. Só nos voltamos a ver depois das oito da noite.

 

Trabalhamos a recibos-verdes, ao minuto. Não é à hora. É ao minuto. Eles contam os minutos de aulas ou formação, porque aquilo que eu dou agora chama-se de formação. E quando vou ao quarto de banho não é formação nem direito. Não recebo quando vou ao quarto de banho, nem quando me desloco de uma escola para a outra. Sim, porque também não dou aulas apenas numa escola.

 

O que ganhamos não é mau. Não é mau quando comparamos com o salário mínimo. Mas depois há que colocar algum de lado para a segurança social, todos os meses. Ah: e também para o IRS. É melhor colocar algum de lado para o IRS se não para o ano a pancada será forte demais. Este ano que passou tive que pedir dinheiro aos meus pais. Para o ano quero ver se não peço. Mas o mês ainda não acabou e eu já ando de bolsos vazios... O que a gente ganha é muito mau. O que a gente ganha é uma merda.

 

Mas não é por isto que escrevo. Escrevo pelo que referi no início. Todos os dias eu e a minha companheira levantamo-nos às seis e meia da manhã, despedimo-nos às oito da manhã e só nos voltamos a ver depois das oito da noite. Tentamos ir para a cama às onze, tentamos dormir. Durante o fim-de-semana trabalhamos um pouco mais, pelo menos uma manhã ou uma tarde, para ganhar uns euros mais. No restante vamos fazer as compras da semana e tentamos limpar a casa que mal nos vê, que mal vemos. Tenho saudades de a abraçar e de lhe dizer que a amo. Digo-o todos os dias, mas não o digo com cabeça. Digo-o de cor porque ando cansado e ela ouve-me e sorri de cor porque também ela anda cansada. Tenho saudades de sentir os beijos que lhe dou.

 

Dá-me vontade de rir quando se fala em falta de natalidade em Portugal. Eu e a minha companheira trabalhamos os dois das oito da manhã até às oito da noite e não somos ricos o suficiente para o luxo de termos um filho que seja. Mas mais do que isso, mais do que o dinheiro que custa ter um filho, não temos tempo. Não temos tempo para nos amarmos, não temos energia. E se assim é, como poderemos ter tempo para amar um filho? Como poderemos ter tempo para o criar, para o educar?

 

Quando se fala em falta de natalidade em Portugal dá-me vontade de chorar. Porque nós não somos um caso isolado. Não somos a exceção à regra. Nós somos a regra neste país. E todos nós, a minha geração, a nossa geração, aceitamos estas políticas, esta distribuição de riqueza e de tempo, porque o tempo também é riqueza.

 

Até quando?

 

Quando esse dia chegar espero não me ter esquecido do sentido das palavras e voltar a sentir “meu amor” cada vez que lhe digo “meu amor”. Espero poder envolvê-la no meu abraço e senti-la comigo e não noutro lado qualquer. Espero que esse dia chegue a tempo de termos um filho como um homem e uma mulher devem ter um filho e não como dois animais que procriam apenas porque lhes dá a vontade. Espero que chegue a tempo esse dia, antes de ser velho demais e ela velha demais, antes de sermos cadáveres. Se não chegar a tempo, ficará para a próxima vida, ficará para a eternidade o beijo e o abraço que deixei de lhe dar, o sorriso e o olhar que deixei de receber. Ficará para sempre o “meu amor” que tão poucas vezes lhe disse ao ouvido.”

publicado às 11:16

Em terra de cegos...

Em Portugal dizer-se que não se gosta de Matemática e, mais grave, justificar-se desse inaceitável modo o insucesso na área, tornou-se algo de natural, tão natural como se nascer a gostar de fado, de futebol e de Fátima.

 

Ao longo dos anos, a sociedade portuguesa estimulou e acarinhou este género de comportamentos quer através de uma simples inação, quer através dos modelos sociais que ativamente promoveu e continua a promover. Com efeito, não existe uma mudança de paradigma no que a este particular, a forma como vemos a ciência, diz respeito. Os símbolos sociais mais estimados são inexoravelmente os modelos com que moldamos os adultos de amanhã e esses símbolos, esses modelos, são os jogadores da bola, os cantores populares e os atores de novela. Atenção que não existe aqui nada contra a existência de tais símbolos. Simplesmente e sem sombra de dúvida, a sociedade colhe as gerações que semeia.

 

Neste sentido, o amanhã tem a vocação de nos surpreender no dia de hoje. A falta de formação matemática, como simples cultura geral, surge gritante no folhear de um jornal qualquer. Neste fim-de-semana os exemplos são vários. Os mais frequentes estão presentes nas conclusões que se retiram das sondagens. Falta estudo de Estatística, falta saber o conceito de “amostra representativa”, de “erro máximo”, de “nível de confiança” e outros, falta tanta coisa... E, contudo, referem-se ao resultado das sondagens como “factos”. Utilizam mesmo a palavra “facto”. Por vezes fico na dúvida se será mesmo ignorância pura ou se também eles farão parte do processo de manipulação da opinião pública.

 

Também houve aquela referência engraçada à sequência de Fibonacci. Só que a sequência estava errada... Faltava um crucial número. Foi uma pena, o texto estava a dar a ideia de que o autor percebia imenso da matéria mas houve qualquer coisa que falhou entre o ditado ou a célebre técnica do copy-paste.

 

É claro que tudo isto é significativo. É claro que tudo isto exibe com nitidez onde estamos metidos, por um lado, e, por outro, de que massa é feita quem tem voz neste país. Também é evidente que o fomento deste estado de espírito face à Matemática e à Ciência em geral, mas também à História e à língua, por que não dizê-lo, é útil para a manutenção dos públicos que ouvem e aceitam, acriticamente por ignorância, este tipo de opinião. É a promoção dos cegos, geração após geração, para que os reis do costume mantenham o seu poder.

 

http://www.brandeis.edu/ethics/images/blindfolded.jpg

 

publicado às 13:09

Fazer CVs é para totós

Tenho um passatempo que hoje partilho aqui no blog. Consiste no seguinte: de cada vez que ouço ou leio uma opinião num espaço televisivo ou num jornal faço uma pesquisa sobre o nome e a biografia associada ao comentador em questão.

 

Em regra geral os resultados são estupendos. Encontra-se com assaz facilidade jornalistas, analistas económicos ou políticos, bem colocados profissionalmente mas sem qualquer formação ou com formação incompleta na área ou, melhor, numa área não compatível. Também existem os que adquiriram os certificados muitos anos depois de exercerem os cargos respetivos embora, ainda hoje, estando o país fartamente dotado de instituições de ensino superior de conveniência, subsistam vários “profissionais” que tão pouco se dão a esse trabalho. Muitos destes personagens são ainda professores catedráticos em diversas universidades ou escolas superiores convidados para partilhar um pouco da sua brilhante experiência.

 

Depois penso que há pessoas com muita sorte. Há pessoas que não têm que enviar centenas de CVs e receber centenas de rejeições para empregos, para os quais se formaram e prepararam especialmente, só para conseguirem uma ocupação a recibos-verdes num call center qualquer. Com efeito, há pessoas que ainda não têm qualquer formação e logo são convidadas para trabalhar no jornal A ou na empresa B. Desconfio que nunca terão escrito um Curriculum Vitae na vida. Fazer CVs é para totós, é o que é.

 

http://clarksearch.com/blog/wp-content/uploads/2012/06/4596eb-400-border-300x300.gif

 

Tenho um punhado de nomes na manga para partilhar aqui, mas tomei a decisão de não o fazer. Por um lado, perco a oportunidade de os apontar, um por um, de produzir uma lista exaustiva para lhes poder dizer claramente que sei como eles chegaram onde chegaram e de que esse processo faz deles submissos e não livres em toda a atividade que desenvolvem, eternos lacaios dos seus padrinhos, particularmente enquanto comentadores. Por outro lado, evito fazer qualquer tipo de promoção a cada um desses medíocres personagens que, já sei, adoram que falem deles.

 

Assim é muito melhor: eles sabem bem quem são. Qualquer um pode saber, basta googlar. Espero, deste modo, conseguir que mais companheiros e companheiras se juntem a mim neste passatempo e que possamo-nos juntar com alguma frequência para mostrar e trocar os nossos cromos.

publicado às 12:08

Bipolarizar para monopolizar

A comunicação social tudo faz para bipolarizar a cena política em Portugal. Pela primeira vez na história da democracia portuguesa apenas se fez um debate entre líderes de forças políticas em canal aberto e esse debate aconteceu ontem, com pompa e circunstância, nas belíssimas instalações do Museu da Eletricidade, entre o líder do PSD e o líder do PS. Os outros líderes, considerados menores, debateram nos estúdios das televisões por cabo.

 

Durante vários dias ouvi atentamente os anúncios produzidos, a antecipação que se semeava sobre o debate. Ouvi coisas como: “... entre Passos e Costa sairá o próximo Primeiro-ministro...” o que é verdadeiramente espantoso e grave. Na Grécia também diziam isso e, por mais do que uma vez, as contas saíram trocadas. É grave que tais frases, de caris marcadamente condicionante, sejam permitidas. Não percebo o que andam as autoridades reguladoras das eleições a fazer na campanha.

 

Mais: a indecência das sondagens continua forte e pujante e as conclusões que delas se retiram também. Constroem sondagens com amostras de umas poucas centenas de pessoas e extrapolam conclusões universais quando, ainda por cima, os dois partidos mais votados têm escassa percentagem de preferência. É tudo muito absurdo. É tudo muito grave. Mas tudo é permitido neste Portugal. Os jornais e as televisões até podem, se assim o quiserem, começar a advogar o geocentrismo e outras palermices de um passado não muito longínquo que nada lhes acontecerá, ninguém lhes porá a mão e, pior, haverá sempre gente a comer dessa palha.

 

http://www.iptn.info/uploads/iptn/201507/20150706_034923_LXRqooO5lp_p.png

 

Mas a principal conclusão é esta que se segue. O debate foi excelente. Quem assistiu ao debate com olhos de ouvir percebe cristalinamente que entre Passos e Costa apenas subsistem vestigiais diferenças de estilo. Não existe uma diferença de conteúdo, visto ambos seguirem a mesma cartilha. Ideologicamente falando, as palavras-chave, quer para um, quer para outro, são as mesmas e os personagens são como faces da mesma moeda. E o problema do país não se resume a mais ou menos confiança ou a mais ou menos motivação. Não existe nem confiança nem motivação num par de calças rotas e bolsos vazios. Não existe empreendedorismo sobre o nada.

 

Faço votos para que o número das pessoas que “ouviram” o debate seja superior ao número das que integram as clientelas partidárias dos partidos do arco do poder e que votarão independentemente de ser Passos, Costa ou outra figura qualquer. Só desse modo será possível mudar o rumo do país. Só desse modo será possível destruir esta vil bipolarização que nos querem impor, esta falsa bipolarização cujo único objetivo é monopolizar a política, monopolizar as ideias, monopolizar o pensamento.

publicado às 12:56

A Festa

Neste último fim-de-semana teve lugar na Quinta da Atalaia, Seixal, a trigésima nona Festa do Avante, mesmo ao lado do campo do Amora F. C., o primeiro que viu Jorge Jesus como treinador de futebol.

 

A Festa do Avante pode ser vista de várias formas. Depende se se é anticomunista ou não. Depende se alguma vez lá se foi ou não. Depende de muitas coisas. Depende da qualidade do observador.

 

O que é verdadeiramente triste é que não seja dada a oportunidade plena, livre, democrática, ao observador, seja ele qual for, de saber o que é a Festa do Avante, de formar opinião própria. Ao observador apenas resta uma hipótese para saber o que é a Festa do Avante: ir.

 

Isto é tão verdade se lermos as referências à Festa do Avante nos noticiários televisivos, nos jornais diários e semanais, antes e depois do acontecimento. Não existem, são minimais, vestigiais quanto muito. São notícias produzidas por ditado de alguém superior, peças que já se encontram feitas de antemão, expelidas frequentemente em tom jocoso, preconceituoso e boçal. São peças jornalísticas que procuram reduzir a Festa do Avante à sua componente política e que ignoram, em regra, toda a componente cultural massiva, plural e democrática que é superlativa, que é dominante, que é estrutural naqueles três dias de celebração. Isto para não referir a solidariedade que se sente, que se respira, o clima de fraternidade verdadeira que é palpável em cada momento.

 

Neste sentido, em todos os sentidos, não existe nenhuma outra festa no panorama nacional e internacional que se aproxime daquilo que é a Festa do Avante. E, contudo, não existe um anúncio da Festa do Avante que passe na comunicação social, são raríssimas as reportagens decentes produzidas sobre a Festa do Avante, cobertas sempre de uma velada censura em anos de eleições. Contrariamente, qualquer “festival musical de verão”, qualquer “festa do continente”, tem coberturas de meia hora e anúncios repetitivos fastidiosos a cada intervalo na programação.

 

Isto é a democracia do poder dominante, isto é a pluralidade, isto é a liberdade para quem nos governa, para quem nos fornece as notícias.

 

Este ano levei uma amiga apartidária à Festa do Avante. Ela não sabia o que a Festa era. Nunca tinha ouvido falar da Festa do Avante apesar de viver em Portugal, apesar de ser letrada e informada. Agora já sabe. Para o ano que vem, no primeiro fim-de-semana de setembro, vai voltar. Adorou a música, a Orquestra Sinfonietta de Lisboa, os Xutos e Pontapés, o Fausto, o Janita Salomé, os Expensive Soul, a Brigada Victor Jara, a Linda Martini, o Sebastião Antunes e tantos outros. Mas também adorou as peças de teatro e as exposições de pintura e desenho e ciência, o artesanato e a gastronomia nacional e internacional, e as atividades desportivas e o resto, adorou tudo isto.

 

E, pelo meio, gostou das mensagens políticas, identificou-se com elas. Porque isto também é fazer política, isto é mostrar o que se quer para o povo e para a sociedade. Isto é mostrar ao que um partido vem e o que se propõe fazer se acaso tiver o poder. Não existe nada de mais transparente.

 

Não sei o que ela fará nas próximas eleições de quatro de outubro (nem tenho nada com isso) mas, pelo menos, sei que o país tem agora menos uma pessoa a dizer que os partidos e os políticos “são todos iguais”. Porque não são. Porque a Festa do Avante não é feita por um partido qualquer. É obra do Partido Comunista Português.

publicado às 23:26

Pág. 1/2

Mais sobre mim

imagem de perfil

Subscrever por e-mail

A subscrição é anónima e gera, no máximo, um e-mail por dia.

Arquivo

  1. 2023
  2. J
  3. F
  4. M
  5. A
  6. M
  7. J
  8. J
  9. A
  10. S
  11. O
  12. N
  13. D
  14. 2022
  15. J
  16. F
  17. M
  18. A
  19. M
  20. J
  21. J
  22. A
  23. S
  24. O
  25. N
  26. D
  27. 2021
  28. J
  29. F
  30. M
  31. A
  32. M
  33. J
  34. J
  35. A
  36. S
  37. O
  38. N
  39. D
  40. 2020
  41. J
  42. F
  43. M
  44. A
  45. M
  46. J
  47. J
  48. A
  49. S
  50. O
  51. N
  52. D
  53. 2019
  54. J
  55. F
  56. M
  57. A
  58. M
  59. J
  60. J
  61. A
  62. S
  63. O
  64. N
  65. D
  66. 2018
  67. J
  68. F
  69. M
  70. A
  71. M
  72. J
  73. J
  74. A
  75. S
  76. O
  77. N
  78. D
  79. 2017
  80. J
  81. F
  82. M
  83. A
  84. M
  85. J
  86. J
  87. A
  88. S
  89. O
  90. N
  91. D
  92. 2016
  93. J
  94. F
  95. M
  96. A
  97. M
  98. J
  99. J
  100. A
  101. S
  102. O
  103. N
  104. D
  105. 2015
  106. J
  107. F
  108. M
  109. A
  110. M
  111. J
  112. J
  113. A
  114. S
  115. O
  116. N
  117. D
  118. 2014
  119. J
  120. F
  121. M
  122. A
  123. M
  124. J
  125. J
  126. A
  127. S
  128. O
  129. N
  130. D
Em destaque no SAPO Blogs
pub