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Porto de Amato

Porto de abrigo, porto de inquietação, porto de resistência.

Porto de Amato

Porto de abrigo, porto de inquietação, porto de resistência.

Espiral de demência

http://i.ytimg.com/vi/XIzScwydxOE/maxresdefault.jpg

Não é difícil explicar ou compreender, mas é difícil de aceitar: a sociedade portuguesa, particularmente, vive mergulhada num ciclo vicioso, não é bem um ciclo, é mais uma espiral que roda, demente, e parece que volta sempre ao mesmo ponto, mas na verdade, conduz-nos em cada volta um pouco mais perto do abismo.

 

Quando se liga a televisão, noventa por cento do tempo é ocupado com os partidos do governo e com o, dito, maior partido da oposição. Isto sucede não apenas pela razão óbvia das exigências de um público que, com efeito, confere, eleição após eleição, a importância que esses partidos depois exibem nos meios de comunicação, mas existe também uma ação premeditada e objetiva dos próprios meios de comunicação para construir essa bipolaridade, para reforçarem os alicerces dessa bipolaridade nas fundações da sociedade portuguesa.

 

O último exemplo disto mesmo é o facto de que, pela primeira vez na história da democracia portuguesa, apenas haverá um debate na televisão em canal aberto antes das legislativas entre líderes de partidos com assento parlamentar e esse debate será entre o Primeiro-ministro e o líder do maior partido da oposição.

 

Diversas questões se levantam acerca da qualidade da democracia ou do pluralismo democrático, mas a questão que me apetece perguntar é: para que servem as estações de televisão pública?

 

Para quê?!

 

Para quê, senão para isto mesmo, para estarem ao serviço da democracia e da república?

 

Estamos todos dementes, fazemos todos parte desta espiral doentia e, a cada volta completa percorrida, estamos mais próximos do fim de tudo isto, do fim da república, do fim da democracia, do fim da igualdade e, somadas todas as anteriores e outras tantas não mencionadas, do fim da liberdade. No meio de tudo isto, não sobram ideais, não sobram sonhos, o povo rejeita-os, o povo abraça apenas o que é palpável, abraça apenas o que os seus olhos míopes conseguem alcançar, contenta-se com o aqui e o agora. E o aqui e o agora não é mais que esta selva, esta lei do mais forte, este capitalismo podre e desumanizado.

publicado às 11:37

Medida do sucesso

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 “I perdenti, come gli autodidatti, hanno sempre conoscenze più vaste dei vincenti, se vuoi vincere devi sapere una cosa sola e non perdere tempo a saperle tutte, il piacere dell’erudizione è riservato ai perdenti. Più cose uno sa, più le cose non gli sono andate per il verso giusto.”

 

“Os perdedores, assim como os autodidatas, sempre têm conhecimentos mais vastos que os vencedores, e quem quiser vencer deverá saber uma única coisa e não perder tempo sabendo todas, o prazer da erudição é reservado a perdedores. Quanto mais coisas uma pessoa sabe, menos coisas deram certo para ela.”

 

— Umberto Eco, Número Zero

publicado às 11:36

Escrever “arte”

https://remagez.files.wordpress.com/2014/02/img_3261.jpg

 

Escrever não é despejar quilos de informação para o papel. Escrever “arte” é outra coisa.

 

É, pelo contrário, saber escolher que detalhes revelar. Quando se conta uma história o principal objetivo é capturar literalmente a atenção do leitor. Isso não se faz, contudo, com a inundação do mesmo com detalhe.

 

O escritor deve, com efeito, deixar espaço branco, espaço em aberto, para que o leitor o preencha com a sua própria imaginação, com os seus próprios detalhes, com algo que seja seu. Deste modo a história, não deixando de ser transmitida rigorosamente, passa a ser pertença do leitor, pois uma certa quantidade de detalhes perfeitamente irrelevantes (e aqui é que entra em jogo a capacidade do escritor) serão daquele leitor e apenas dele.

 

É por isso que o grande desafio do escritor não é simplesmente colocar a história no papel. Isso, qualquer um, qualquer jornalista, o pode fazer. O grande desafio do escritor é, antes, escolher o que contar, escolher como contar e abrir um caminho transparente e aliciante que o leitor possa percorrer.

publicado às 16:27

A gadanha dos sonhos traídos

http://i.imgur.com/exCGk13.png

Tsipras e o Syrisa deram, por estes dias, a machadada final do seu grotesco plano para a Grécia. O que fizeram é vexante a todos os níveis para qualquer pessoa decente independentemente do quadrante político a que pertença. É mais do que vexante: é nojento. Não obstante, no processo, terem posto a nu o que realmente é isto da União Europeia e de terem reduzido palavras como solidariedade aos chavões que realmente são no palco europeu, independentemente disso, o que fizeram é nojento. Para o que fizeram teria sido preferível os fantoches do costume, os socialistas ou os sociais democratas. Esses, pelo menos, são mais autênticos naquilo a que se propõem. Usam de oratória oca, mentem, são demagógicos, claro que sim. É a sua natureza. Mas por ser uma natureza tão repetida, tão pegajosa nas traves políticas europeias, que qualquer um, qualquer cego, consegue ver por entre tudo isso. A sua natureza não engana verdadeiramente ninguém e quem diz o contrário mente. No fim de contas, os socialistas ou os sociais democratas teriam feito o mesmo que fez este Tsipras e este Syriza sem tanto foguetório.

 

Tsipras assinou o acordo e agora demite-se. Aqui reside a vergonha, a falta de caráter, da coisa. Tsipras e o Syriza traíram descaradamente o povo grego nas promessas que fizeram e na prática que seguiram deixando-o, agora, atado de mãos e pés a mais um resgate e a mais austeridade.

 

Não é invulgar, contudo, este género de acontecimento. As classes dominantes do capitalismo têm esta capacidade de minar a luta das classes sociais desfavorecidas desta ou de outra forma qualquer. O poder do capital nunca deve ser desconsiderado. Os seus tentáculos chegam a todo o lado. A sedução pelo poder ou pelo pequeno poder tem esta capacidade de criar Tsipras e Syrizas, como que agentes duplos que se apresentam como estando ao serviço do povo e dos trabalhadores mas que, em verdade, são assalariados do regime colocados em campo para dividir, confundir e para que os seus mestres continuem a reinar.

 

Seria importante, transportando diretamente por decalque para o caso português, ouvir a opinião do Bloco de Esquerda sobre estes acontecimentos, já que o Bloco de Esquerda sempre se colou ao Syriza e ainda se cola a todos os outros movimentos europeus similares como o Podemos espanhol. Seria interessante ouvir o que têm a dizer e se é expectável esperar algo de semelhante na sua ação política se acaso um dia tomem em mãos a vara do poder. É que o Bloco de Esquerda não apenas tem cavalgado a onda de populismo deste género de movimentos, que na verdade ninguém percebe bem o que são até que seja demasiado tarde, como se cola também a eles nas suas opções políticas. Por exemplo: o Bloco de Esquerda apresenta-se contra a austeridade alemã e é bastante verbal neste particular, todos os de esquerda concordamos, mas ao mesmo tempo revela-se a favor da União Europeia e do Euro. Como é, afinal? O Bloco de Esquerda propõe o mesmo que o Syriza ou tem ideias diferentes?

 

Pela minha parte, acho que já chega de brincar à política e às esquerdas. Se o povo português quiser mudar para uma sociedade diferente, mais justa, e sublinho aqui a palavra justiça, uma economia equilibrada e sustentável, desenvolvida com vista ao crescimento do país e à satisfação das necessidades das pessoas, se o povo português quiser uma democracia real e não fictícia, então sabe bem onde colocar o seu voto. Aliás, sempre soube. Talvez por isso fuja disso mesmo e prefira esta selva em que vivemos. Ao invés, se quiser prosseguir nestas brincadeiras e experimentalismos que constituem apenas divertimentos para a classe dominante, pois não a afetam nem procuram beliscar em absolutamente nada, então que continuem. Será sempre divertido.

 

O futuro do Syriza e de Tsipras, contudo, será algo de bastante diferente. Para eles não auguro mais brincadeiras, grandes planos ou palcos. O seu destino é a extinção e ser-lhes-á conferida a golpes furiosos de gadanha, da gadanha dos sonhos traídos, pelas mãos e pelos braços dos gregos que neles votaram. Que eles desaparecerão, mais cedo ou mais tarde, é garantido; o povo grego tratará de o fazer. Que eles surgirão com um outro nome, com um novo logótipo e com novas caras, anos mais tarde, também.

publicado às 12:41

Vida de cão

Há pessoas que gastam dinheiro para comprar canais de televisão cujo único objetivo é entreter os cães que deixam em casa, nos apartamentos.

 

Há pessoas que fazem outras coisas por ventura mais ridículas.

 

Isto diz muito sobre a forma como a riqueza é distribuída pelas pessoas do planeta.

 

Isto (também) é capitalismo.

 

https://wordsandtoons.files.wordpress.com/2009/09/fruit-bats-promo.jpg

 

publicado às 09:44

A "panaceia" da reciclagem

Os tempos correntes são febris no que ao tema da reciclagem diz respeito. Há metas envolvidas. Há médias europeias a superar. Há também uma moralidadezinha associada. Quem não recicla é como quem não se lava todos os dias ou então, outra coisa pior.

 

A reciclagem é um bom exemplo desta sociedade doente em que vivemos, desta demência permanente que nos envolve. Vivemos numa sociedade em que não pensamos sobre nada, não temos um juízo crítico sobre as coisas que se nos impõem e contentamo-nos em seguir procedimentos mais ou menos imediatistas ainda que absolutamente inócuos.

 

É difícil de imaginar alguma coisa que exista neste mundo capaz de exceder em hipocrisia o fenómeno da reciclagem. Enquanto todos berram aos ouvidos de quem não recicla usando a argumentação mais pobre e trivial que existe, o mundo continua a girar numa rotação de excesso de produção, de consumo desenfreado, de exploração incorreta e desequilibrada de recursos, o que inclui, naturalmente, o abuso de utilização de materiais não biodegradáveis. Esta lógica de governação dos povos é tida maioritariamente não só como legítima mas também como desejável, não obstante ter em vista apenas o enriquecimento de uma pequena parte da população. Então, o problema do excesso de resíduos não é colocado ao nível da quantidade completamente redundante e desnecessária de embalagens e de embalagenzinhas produzida, mas no cidadão médio que não transporta essas embalagens para o contentor amarelo. Não obstante, independentemente da ação adotada pelo cidadão médio, a mesma quantidade (senão maior) de embalagens continua a ser produzida e a acumular resíduos.

 

Mas há mais. Há um par de anos ouvi uma estatística reveladora que dizia que qualquer coisa como dois terços do lixo enviado para a reciclagem em Portugal não era reciclável por mais do que um motivo. O processo de reciclagem era, então e de facto, de todo em todo ineficaz.

 

Gostava de poder, com efeito, apresentar as estatísticas atuais sobre o fenómeno mas não consigo. Não existem tais estatísticas. Não são disponibilizados dados sobre a eficácia processual da reciclagem nem, tão pouco, sobre os custos associados. Por isso, reservo-me o direito de especular que a situação permanece mais ou menos idêntica. Ou seja, ainda que todas as embalagens fossem colocadas na reciclagem, apenas cerca de um terço seria recuperado. E a que custos?

 

Mas é isto a nossa sociedade no que respeita à reciclagem ou a outra coisa qualquer: os problemas não são enfrentados de frente, na sua origem, na fonte. Prefere-se, pelo contrário, não mexer com qualquer interesse instalado e inventar remedeios fáceis, panaceias ilusórias e mais ou menos descartáveis, fáceis de aplicar, e, se possível, capazes de espoliar os estados de grandes quantidades de dinheiro. Estas panaceias, transmitindo uma ideia contrária, nada curam de facto. Ao mesmo tempo que se faz um enorme esforço e se gastam enormes quantias para reciclar um pouco, poucochinho, o mundo continua a produzir e a multiplicar grandes quantidades desnecessárias de plástico, vidro e papel, quantidades essas tornadas resíduos insustentáveis para o planeta independentemente da micro-gota de água, a que se chama de reciclagem, que cai no oceano.

 

Para ser suficientemente claro: o problema ecológico reside também ele no modelo de desenvolvimento económico adotado. O problema ecológico reside na filosofia gananciosa que preside ao sistema capitalista e não, como nos pretendem fazer crer, na falibilidade do ser humano.

publicado às 15:06

Uma ânsia

Ontem vi um velhote trémulo, muito trémulo, que cedia com as mudanças de direção do vento. O velhote encontrava-se agarrado, débil mas resolutamente, a uma marreta comprida, mais comprida e rija do que ele próprio. Esteve uma hora ou mais a arremessá-la custosamente, a intervalos regulares, contra uma grande pedra que emergia no seu quintal em perfil com uma horta de couves verdes.

 

Ali esteve o velhote durante uma hora ou mais. A mim pareceu-me a tarde inteira. Fechei as cortinas da janela para afastar aquela visão do pensamento, mas continuava a ouvir as pancadas. Ouvia as pancadas regulares e elas ouviram-me a mim, também, já que vieram dormir comigo esta noite. Sonhei com o velhote. Arfava com dificuldade a cada pancada. No final, a grande pedra quase não se modificou. Terá adquirido, no processo, faces mais arredondadas. Parecia um elipsoide imperfeito ou, melhor, uma espécie de ovo de Colombo feito de pedra. De cada vez, em cada repetição, a marreta erguia-se um pouco mais devagar e esgares de dor desenhavam-se, um pouco mais marcados, na face do velhote.

 

Porquê?

 

Porque é que o velhote fazia aquilo? Porque escolhia gastar algumas das últimas batidas do seu fraco coração com aquelas inúteis marretadas? Uma insatisfação permanente? Um sentimento, uma ânsia, uma necessidade de utilidade? Ou para provar, a si mesmo e aos outros que, como eu, o observavam, a posse e o domínio físico sobre a sua propriedade?

 

A pedra por lá continua na margem daquele quintal de couves verdes. Está ali, repousa agora, como sempre esteve, como espantalho de um feno de pedra a guardar o quintal.

publicado às 23:23

Um olhar em redor

Já viram no que nos estamos a tornar? A sério: já repararam? Já pararam para olhar à vossa volta? Já repararam nas vossas cidades e vilas, nos vossos vizinhos, nos desconhecidos com que se cruzam no metro no caminho para o trabalho? E na vossa cultura? Os livros que se escrevem, as transformações na língua, as músicas que passam na rádio, as novelas da televisão, as peças de teatro, o cinema?

 

Repito: já repararam no mundo que se estende em vosso redor?

 

Comparem com que existe aí dentro, com o que subsiste no vosso íntimo, com as imagens que guardam de anos passados. Comparem. É fácil: basta fechar os olhos e pensar um pouco, recordar. Por vezes basta apenas um som, uma melodia, um vislumbre de uma coisa qualquer, para se desenrolar um novelo de memórias, das memórias do que é “ser português”. Abram os olhos, então, escrevam as primeiras palavras que vêm à cabeça e comparem com o que os olhos veem.

 

É assustador. Ainda vivos assistimos ao enterro resoluto e inexorável da nossa identidade coletiva. Vemo-lo claramente. As nossas cidades enchem-se de legiões e legiões de imigrantes, centuriões sem escudo mas com a espada afiada de uma necessidade superlativa que vem de assalto aos trabalhos dos mais miseráveis salários. De um modo de todo em todo semelhante, as gerações nativas mais jovens emigram também, como que impelidas a pás cheias, procurando as condições de vida dignas que não encontram no seu país. Reforço a similitude entre os que chegam e os que partem. São iguais, procuram o mesmo tendo, todavia, referenciais de conforto e de qualidade de vida diversos. Uns escrevem-se com “e”, os outros com “i” e a diferença esgota-se aqui.

 

Os nativos que permanecem mal sobrevivem e já nem sonham tão pouco com a vida dos pais e dos avós. Não têm filhos. Não podem. Não têm dinheiro. Não aceitam trazer para este seu mundo nem uma só criança. Os seus padrões de bem-estar, de cultura, não poderão ser alcançados. Pelo contrário, os imigrantes que chegam, os imigrantes dos salários baixos, das sociedades menos desenvolvidas, do chamado terceiro mundo, conhecem vivências e culturas muito distintas. Para eles, muitas vezes, o número de filhos é diretamente proporcional a um certo entendimento de riqueza e, por isso, reproduzem-se abundantemente sem as considerações prévias que os primeiros tecem antes de ter filhos.

 

Numa geração uns suplantam os outros e o país chamado Portugal já quer dizer outra coisa distinta, uma coisa que se escreve da mesma forma, com as mesmas letras, mas sem o mesmo significado. Numa geração, a palavra Portugal transforma-se noutra diferente, homógrafa.

 

Escrevo sobre Portugal como poderia escrever sobre Espanha, Itália, França ou outros tantos países. Escrevo sem nenhum conteúdo xenófobo. Nenhum! Antes pelo contrário. Escrevo porque vejo esta realidade forçada sobre nós. Não é uma realidade natural. Não se trata de um fenómeno do domínio do inevitável. Não! Nada disto é natural. Nada disto é inevitável. Nada disto é desejado nem por uns, nem por outros, tivessem ambos a opção de escolher. Tudo isto é o resultado de políticas muito concretas, políticas de exploração de uns, dos que chegam, e de outros, dos que partem. E nada disto, sublinho, se desenvolve no sentido do bem estar dos cidadãos. Pelo contrário: tudo isto é uma estratégia de empobrecimento das sociedades e de concentração da riqueza e do poder.

 

Com efeito, estas transformações devem ser percebidas como sintoma ou consequência das políticas redistributivas da riqueza das economias destes países.

 

Os imigrantes que acorrem aos países ocupando os trabalhos de salários baixos, insuficientes para garantir uma vida decente nesses mesmos países, fazem-no porque alguém os chama. Existe um punhado de gente, gente que no fim do ano ilustra as páginas da revista Forbes na lista dos mais ricos do planeta, que esfrega as mãos de contentamento com a chegada dos vagões destes imigrantes, legiões de gente que se digladia pela mais singela migalha ao mais baixo preço. Os governos locais, por seu turno, permitem que este ciclo se perpetue, sendo agentes ativos no processo, permitem-se assistir à exploração declarada de uns e à evasão massiva de outros. Assistem numa poltrona privilegiada ao processo.

 

É essencialmente isto, não obstante tudo o resto, de toda a guerra que se vai semeando mundo fora com naturais consequências nos movimentos demográficos dos povos. É essencialmente isto em Portugal, como em Espanha, Itália, França e noutros países. Muitos outros. É essencialmente isto a que assistimos impávidos, serenos, ao nosso redor, nas nossas cidades e vilas, nos nossos vizinhos e desconhecidos com que nos cruzamos no metro a caminho do trabalho. Se olharmos não reconhecemos. Não reconhecemos a nossa cultura, os livros que se escrevem, as transformações na língua, as músicas que passam na rádio, as novelas da televisão, as peças de teatro, o cinema. Não reconhecemos. Não sei se não vemos ou se fingimos não ver.

publicado às 11:35

O professor de história incapaz

Existe um indivíduo a quem chamam de Rui Tavares. Este indivíduo diz-se um historiador e diz-se de esquerda. Aqui seria importante acertarmos agulhas e chegarmos a um consenso sobre o que quer dizer “ser historiador” e o que quer dizer “ser de esquerda”. Sem tempo para tal relevante exercício, diz o historiador de esquerda Rui Tavares no seu novo livro, à semelhança do que já havia escrito em outros textos publicados num blog pessoal, que “não há superioridade moral [da esquerda sobre a direita] nem razões históricas” que justifiquem tal superioridade mítica ou mitificada da esquerda sobre a direita. No fundo, o historiador de esquerda Rui Tavares defende uma tese em que faz equivaler os movimentos de esquerda e de direita tanto em pecados como em virtudes.

 

Antes de prosseguir noto, sem qualquer fibra de surpresa, o facto de que Rui Tavares esteja a recolher uma intensa e flamejante admiração por parte dos comentadores de costume, da oratória de direita, dos peões do sistema vigente. Nada disso é motivo para estranhar.

 

Passando à análise do conteúdo da tese supra apresentada, impõe-se, por imperativo de memória e de história, que se refira o seguinte. A direita, e por direita entendemos as forças políticas conservadoras, nunca, em nenhum momento da história da humanidade, esteve do lado do progresso, do lado das evoluções sociais, do lado da redução do horário de trabalho, do salário mínimo, do direito a férias remuneradas, do direito à cultura, à liberdade religiosa, política, sexual, da igualdade de género, de raça, e a lista continua, interminável. Escolha-se o tema que se quiser. Desafio, aliás, Rui Tavares a apresentar um (apenas um) ponto onde a ação da direita tenha contribuído, por livre e espontânea manifestação ideológica, para o progresso do Homem, para o seu bem estar, no seio de alguma sociedade humana. Pelo contrário, do lado do progresso estiveram sempre os movimentos de esquerda: foi aí mesmo que nasceram, da luta de classes, pelo equilíbrio social e por uma melhor distribuição da riqueza.

 

Estranho que um historiador de esquerda desconheça o que acabei de referir. Estranho que desconheça o conceito de luta de classes já que nunca o profere. Esta estranheza ajuda a explicar, contudo, muita coisa que não se percebia. Ajuda a perceber um pouco o que está na base daquela plataforma/partido político/movimento de cidadãos a que chamam de livre/tempo de avançar, criação do próprio Rui Tavares.

 

Existe, portanto, uma superioridade moral da esquerda relativamente à direita. Claro que existe! Não se confundam erros pontuais ou de percurso com erros de genoma, com erros de valores e de ideologia. Não se coloquem farinhas muito distintas no mesmo saco só porque o pasteleiro é, eventualmente ou por consideração arbitrária, incapaz de fazer um bolo com uma ou com outra. Não é a mesma coisa.

 

Com isto percebemos que Rui Tavares não é duas coisas. Não é historiador ou não é um razoável historiador porque desconhece a história, porque ignora nomeadamente uma parte importante, a mais significativa, do século XX. Se, pelo contrário, não ignora a história e escolhe fazer tamanha interpretação parcial da mesma, então é um medíocre historiador. Mas, se das duas anteriores apenas uma poderá estar correta, uma coisa é garantida: Rui Tavares não é de esquerda.

 

Fica bem dizer este tipo de coisas. Fica bem procurar o politicamente correto por mais absurdo, por mais grotesco, que possa ser. Rui Tavares procura pescar apoios em todo o lado. Não quer muito compromisso com o que quer que seja. Quer ser um simpático para o cidadão médio português que não quer saber, em boa verdade, nem de esquerda nem de direita. As muletas do PS não costumam ter, todavia, muita sorte. Na verdade, costumam ter o ciclo de vida do tamanho do de uma libelinha. Nascem do meio da lama, esvoaçam e fazem uma dança nos céus e depois morrem, aterram tão depressa quanto levantaram voo. No entanto, temos que compreender: os incapazes não têm muita imaginação; só sabem repetir o que já viram feito em algum lado, em algum sítio. É uma mímica triste e enxovalhante.

publicado às 13:40

A face da realidade

São mais de vinte pontos percentuais de desemprego do outro lado da fronteira. A quantidade de pedintes nos comboios, nos metros, nas ruas, de mãos estendidas e cabeça baixa é assustadora. E não, não são apenas os emigrantes, os desgraçados, do costume. Madrid, a capital espanhola, está assim. É impossível ficar indiferente.

publicado às 09:42

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