É difícil comentar o nada e, ainda mais penoso, o vil. E é de algo de natureza da mais vil e desprezível de que se trata quando nos debruçamos sobre o que é notícia política em Portugal. Todavia, por simples imperativo de prática de escrita, abordarei aqui dois tópicos sugestivos de não mais que duas ou três palavras.
O primeiro tópico é dedicado a estas pseudo-entrevistas pseudomodernas onde existe um pseudopúblico expelindo questões pseudo-aleatórias e pseudo-representativas do universo de curiosidade da sociedade civil, tão em voga nas últimas semanas. Repare-se que a utilização deste elemento de composição “pseudo” é operada com respeito ao maior dos rigores linguísticos: nada há de mais falso e enganador na utilização de cada substantivo e de cada adjetivo acima elencado.
Existe uma vertigem eminente por parte dos media em fazer passar uma imagem diferente de si próprios, sobretudo, mas também da política. Essa vertigem justifica-se, numa certa medida, por um descrédito, chamemos-lhe assim, da coisa política entre as bases, as populações, que a têm sustentado até aqui. Não se confunda esse descrédito com aquilo que ele não é. Não se tome descrédito como sinónimo de descrença ou de mudança de vontades. Essas vontades permanecem fieis ao que sempre foram. Simplesmente, uma boa parte da população não liga uma pívia ao que se diz nas entrevistas da ordem ainda que saia à rua com a bandeira da setinha ou da rosa ou lá o que seja, porque isso muda todos os anos para animar a malta, de acordo com os patrocinadores. É como na bola.
Existe, portanto, este impulso, como um imperativo que martela sobre as cabeças dos chefões dos media, de dar ar de novo ao que é velho. E o que é velho são as perguntas combinadas, a ausência total de espinha dorsal, isto é, de um contraditório evidente às bacoradas que vão sendo jactadas do outro lado. Então, lembraram-se de ir buscar este modelo americano. Os meios de comunicação lembram-se sempre de ir aos states buscar destas ideias e doutras, luminosas e peregrinas. Então é vê-los, aos políticos, em contexto quase informal, descontraído até, entre um pivot passarinhante e uma bancada de indivíduos que poderão ser qualificados ou de papagaios ou de atrasados mentais, respondendo precisamente ao mesmo género de questões exatamente do mesmo modo, com um total absentismo de contraditório lógico. A vida tem disto: quantos mais anos sobrevivemos mais espetáculos deprimentes destes podemos assistir. E quanto mais velho me torno mais gosto da história d' “O Rei Vai Nu”, vá-se lá saber porquê.
Nada disto é irrelevante. Não se incorra no erro de pensar, nem que por momentos, o contrário. Os meios de comunicação social cumprem o seu maior desígnio: formar opinião, a precisa opinião que pretendem, plantando-a eficazmente no seio mais profundo da sociedade, para tal recorrendo a todo e qualquer recurso disponível.
Ao segundo tópico lanço-o conforme o mesmo me agrediu nesta manhã, enquanto passeava os olhos pelos jornais expostos na bomba de gasolina: “Poiares e Sérgio Monteiro despedem-se da política”. Parece que estão ambos muito cansados e, acrescento eu, com sentido de dever plenamente cumprido. De entre os membros desta sensacional parelha devemos destacar o papel de Sérgio Monteiro. Faz-me lembrar aqueles feirantes, aqueles que muitos de nós bem conhecemos, capazes de esvaziar, em apenas uma manhã de feira, todo o inventário de que dispõem. Sejam camisolas, soutiens, pares de peúgas, casacos ou bonés, seja o que for, vai tudo! E, se começamos a regatear preços com eles, conseguimos baixar o valor da compra até a um limite em que levamos a peça ao preço da chuva. É verdade: todos nós conhecemos o género. Todos nós, se fecharmos os olhos por um momento, vislumbramos a figura. Foi assim com a EDP, com a REN, com os CTT, com a TAP, com os transportes públicos, com os estaleiros navais, entre outros de menor montra.
Mas também todos nós conhecemos outros exemplos de outras personalidades com curtas mas muito ativas, e politicamente decisivas, participações políticas no país. São políticos que integram o governo com um caderno de encargos próprio, um caderno conferido em mãos pelos megalómanos patrocinadores de campanhas eleitorais, atrevo-me a imaginar. Lembro-me bem de um que apareceu tão depressa quanto desapareceu, num governo Durão Barroso, tendo sido senhor de uma participação determinante no processo de alienação da saúde pública para os grandes grupos privados. São intervenientes com um grau de independência surpreendente no seio dos seus governos. Parece que não respondem perante nada nem ninguém: estão para lá da política. São escolhidos a dedo: são escolhidos para cumprir objetivos muito concretos e não estão para fazer carreira política ou para construir uma qualquer imagem de credibilidade. Nada disso. Isso não lhes é relevante. São exemplo do pseudopolítico.
Quando as próximas eleições vierem, Sérgio Monteiro estará já longe da esfera política, muito longe, mas com dever cumprido. Quando as consequências dos seus atos governativos abalarem o país tão pouco se dará ao trabalho de responder pelas mesmas.