O referendo na Grécia: uma análise exaustiva
Volvidos muitos meses desde o início das negociações e a escassos dias do país entrar em incumprimento com os “credores”, foi apresentada à Grécia uma proposta com a adjetivação de definitiva mas que, entretanto, diversas vozes oficiais e oficiosas vieram já garantir assim não o ser, que ainda há “margem de manobra”, dizem. Estas declarações muito nervosas surgem após o anúncio de um referendo a esta proposta por parte do governo grego. Aliás o nervosismo parece ser característica endémica por parte das instituições internacionais que se comportam claramente como representantes aflitos dos interesses dos “credores”, essa massa intangível de coisa desconhecida e vil.
A proposta, muito melhor do que a apresentada a qualquer outro país intervencionado, incluindo Portugal, o que, por si só, demonstra, para lá de qualquer argumentação, a vantagem da negociação relativamente à aceitação obediente dos ditames externos, não deixa de estar carregada de austeridade e de amarrar o povo grego a uma espiral de dívida e de recessão. Bem entendido, outra coisa diversa não seria de esperar. Não está na sua natureza. Perante tal proposta o governo grego decidiu colocar a sua decisão de aceitação ou não nas mãos do seu povo.
O referendo é democraticamente inatacável. A democracia tem isto mesmo: ouvir a voz do povo resolve qualquer contenda, legitima qualquer decisão, para além de qualquer dúvida. Posto isto, devo dizer que a decisão de referendar este acordo é uma das atitudes moralmente e politicamente mais covardes de que há memória. O povo grego vê-se confrontado com uma decisão após meses de impasse e de incerteza, após anos de insegurança relativamente ao seu presente e ao seu futuro. Onde está a sua liberdade de escolha? É lamentável e, repito, covarde que o governo grego não assuma claramente a sua posição e procure, assim, um bode-expiatório para retomar nas suas próprias mãos a política de austeridade, numa procura permanente e imatura de popularidade e aceitação das massas.
Parece que apela ao não neste referendo, como não poderia deixar de ser pois caso contrário cairia definitivamente a máscara que o conduziu ao poder, mas deixo aqui algumas interrogações. O que acontecerá se o sim ganhar? Demitir-se-á o governo? Prosseguirá a austeridade ou entregará essa tarefa aos outros que o antecederam? Com que premissas é que afinal foi eleito?
Não existe aqui, nesta crítica, qualquer incongruência da minha parte. Louvo a atitude deste governo em fazer o que mais nenhum país europeu fez e o que poucos mundialmente fizeram: negociar perante as instituições internacionais de abutres. Louvo e continuarei a louvar. Trata-se de uma atitude patriota que qualquer governo patriota tomaria independentemente do seu posicionamento político. Entendo, porém, que este governo, suportado numa coligação entre partidos antípodas, revela-se ideologicamente esvaziado. Mediaticamente opõe-se à austeridade alemã mas perdurou, meses a fio, na procura de um acordo de financiamento. Por que acordo esperava afinal? Não se percebe muito bem qual o fim que este governo grego procurava. Ao mesmo tempo diz não querer sair deste euro que asfixia a Grécia e que é o principal responsável pela dimensão da sua dívida. Com efeito, em nenhum momento rasgou nem com esta moeda, nem com os parceiros europeus que, ao invés de apoiarem a Grécia, ofendem-na, achincalham-na e humilham-na em pleno processo negocial numa base diária. Não se percebe qual é o plano.
O Syriza é o representante desta “nova” esquerda, que noutros países tem nomes diferentes, que é lesta e assertiva no diagnóstico aos problemas do capitalismo, e com o qual todos nós, os de esquerda, concordamos, mas depois, quando lhe é concedida a oportunidade de tomar o destino dos seus povos em mãos, não sabe bem o que fazer. Tem medo das experiências do comunismo e do seu legado e rejeita-as dogmaticamente porque receia o que o povo pensará deles se não o fizer mas, nesse processo, cola-se às estruturas do capitalismo, às estruturas de consolidação do poder burguês que governa as sociedades. Esta esquerda não sabe o que fazer, nem sabe bem o que quer, não sabe por onde caminhar e, por isso mesmo, dá um mau nome à esquerda, isto é, concorre para a sua difamação e para o alimentar dos chavões cuspidos desde o outro lado.
Falta bagagem a esta esquerda. Falta-lhe passado. Falta-lhe compreensão histórica e entendimento. Falta-lhe fazer as pazes com a história para poder corrigir os erros cometidos e poder trilhar um caminho desconhecido mas a passos sólidos. Falta-lhe futuro.