A propósito da avalanche de notícias, que ultimamente pintam o nosso país como uma espécie de novo Chicago de Al Capone e seus comparsas, apetece-me discorrer sobre o tema corrupção. Ou melhor: corrupções.
É que existe mais do que um tipo de corrupção cada uma das quais com características muito particulares que as distinguem umas das outras e sobre as quais vale a pena pensar.
Consideremos os seguintes tipos:
- O trabalhador que, pressionado pela entidade patronal e/ou em situação laboral precária, é ativo em processo de corrupção envolvendo o produto do seu trabalho;
- O trabalhador que, sem pressão interna, é ativo em processo de corrupção envolvendo o produto do seu trabalho;
- O patrão que é ativo em processo de corrupção.
- O agente de autoridade que é ativo em processo de corrupção.
- O governante que é ativo em processo de corrupção.
Não sei se são apenas estes cinco tipos de corrupção que existem. Talvez esteja a desprezar mais alguns. Mas parecem-me, neste momento, os cinco tipos realmente importantes, dispostos em ordem de crescente gravidade.
A corrupção não é toda igual. Sendo toda ela moralmente reprovável e condenável depende das partes envolvidas, do seu poder efetivo e responsabilidade social. Por vezes parece que é tudo a mesma coisa. Parece que aquele precário que é pressionado para ser conivente com uma qualquer transação efetuada por debaixo da mesa é igual a um inspetor de exames de condução que apenas passa os examinados mediante gratificação apropriada. Não é a mesma coisa.
A ausência de pressão interna é fundamental para avaliar o nível de moralidade da coisa. Mas existem outros fatores.
Numa sociedade o nível de corrupção varia de forma inversamente proporcional com o nível de vidas das populações. Quanto maior for a necessidade maior é a propensão para a corrupção e os países onde o nível de corrupção é mais elevado são, de longe, aqueles cujas assimetrias económico-sociais são mais acentuadas.
Para além do fator nível de vida devemos considerar também os fatores ambição e competitividade. São estes os responsáveis por aqueles atos de corrupção à partida inexplicáveis, por abrangerem pessoas sem necessidade aparente de os cometerem. Com efeito, a ambição cria necessidades onde elas não existiam.
Se concordarmos sobre as raízes do problema, a questão que se coloca é: como poderemos erradicar ou, pelo menos, diminuir significativamente o problema, no contexto de um sistema social e económico que promove a desigualdade social, o desequilíbrio na distribuição da riqueza e, a nível individual, promove precisamente os valores da competitividade e da ambição materialista desmedida? A este nível, no sistema capitalista encontraremos todas as respostas para os nossos problemas.
E é precisamente segundo este contexto que devemos também entender os eventuais atos de corrupção dos nossos governantes e ex-governantes. Temos que perceber que fizemos uma escolha consciente: entregámos a economia nas mãos de interesses privados. É certo que quando olhamos para a orgânica da coisa vemos ainda muita responsabilidade estatal, mas na verdade não podemos olhar para o estado como responsável por nada. O estado tornou-se desde há muito tempo num interposto de interesses e numa plataforma de gestão e de legislação de defesa dos interesses privados. Não temos um país completamente liberal, é verdade. Na perspetiva das forças conservadoras temos melhor do que isso: temos um capitalismo de estado.
E neste sentido, os eventuais atos de corrupção deste ou daquele ministro, daquele ou daqueloutro ex-governante, não só é esperado como natural. É profundamente natural porque tratam-se de pessoas escolhidas para a função precisamente pelas suas ligações douradas ao mundo empresarial, mundo esse que trata de patrocinar largamente as campanhas eleitorais e as eleições dos seus protegidos. É um investimento, como outro qualquer, no jogo económico livre.
Tudo isto, com a benção consciente de uma maioria popular que sufraga democraticamente estas escolhas, muitas vezes também ela votando com segundas intenções e interesses diretos e egoístas na escolha deste ou daquele candidato. Falemos das autarquias?
Agora, a propósito da primeira detenção na história de Portugal de um ex-primeiro ministro, apraz-me dizer o seguinte, sem qualquer prejuízo pela sua provável culpabilidade eventual.
Primeiro, é incrível como parece que está o país todo contra este homem quando, há não tanto tempo quanto isso, lhe proporcionaram ganhar duas eleições consecutivas, a primeira com maioria absoluta! É simplesmente extraordinário: esta ausência de mea-culpa, esta desresponsabilização permanente de um povo é nojenta. Tudo com o único objetivo de, já nas próximas eleições, colocarem de consciência imaculadamente tranquila, um clone laranja ou rosa deste que agora tratam de enforcar em praça pública, sendo certo que o que ocupa agora o lugar teve também, sobre a sua cabeça, suspeitas da mesma natureza.
Em segundo lugar, sublinhar a digladiação épica que se está a travar agora mesmo a nível mediático, entre os maiores partidos do país. As notícias plantadas, as respostas bombásticas que se sucedem, formam um espetáculo de fogo de artifício mediático sem precedentes, estando a comunicação social, como é sua natureza, feita em grande gaiola de papagaios e de pombos correio. Todas estas notícias, atacando uma ou outra parte, podiam, em rigor, ter surgido muito mais cedo mas, não obstante, escolheram este calendário por ser este o calendário mais conveniente.
Em último lugar, dizer que a democracia é algo de extraordinário. Digo isto sem ponta de ironia. É extraordinário, porque a indignação do povo poderá ser facilmente exprimida em sede de eleições, penalizando os partidos mais embebidos nesta teia de corrupção a que chamamos de estado. E não venham dizer que se outros tomarem o poder sucumbirão de igual modo à corrupção. Os interesses privados patrocinam muitas campanhas eleitorais, mas há algumas que não. Eles sabem que há alguns partidos que é mais difícil corromper. Basta estar atento aos que não se vendem.