Gosto deste tipo de acontecimentos. Gosto mesmo. Não por se assumirem como “reformistas” de uma sociedade ou por se constituírem como “fraturantes” no seio de um qualquer conjunto de valores, hábitos ou procedimentos, frequentemente adjetivados de “cristalizados”. Também não tem que ver com uma suposta abertura dos partidos políticos, entidades reais e concretas, à chamada “sociedade civil”, entidade de todo em todo abstrata e que, ao colo da sua abstração, tem o condão de a tudo e a todos poder representar, não representado, portanto, coisa nenhuma.
Gosto deste tipo de acontecimentos por nenhuma das razões anteriores, antes de mais, porque nenhuma delas é justificada. Não obstante, às eleições internas do PS são atribuídas estas e demais virtudes, mas efetivamente, não são mais do que bandeiras agitadas com fervor, com o sentido de esconder em seu desfraldar frenético o circo de vaidades, o vazio de debate político ou de contraditório ideológico.
Existe um único aspeto revolucionário a creditar estas eleições internas: a porta que se abriu, escancarada, a uma subespécie portuguesa de política “reality TV” que, tal como as congéneres televisivas, oferece uma ilusão de realidade, de contacto popular, de escolha e de decisão, quando, em verdade, tudo quanto se assume de importante se encontra já decidido nos bastidores. A escolha do carrasco político dessas decisões, essa, é que é tomada de acordo com os níveis de histeria popular.
Mas então, porque razão gosto tanto deste género de acontecimentos? Gosto da sua natureza reveladora. Estes acontecimentos são espelho do que é o partido político em causa, o que para mim não poderia ser mais irrelevante, mas sobretudo de que massa é constituída esta sociedade por onde caminhamos. São espelhos limpos de toda e qualquer sujidade, excetuando aquela que nos mostram, e refletem de forma nítida o povo que somos, o que escolhemos, o que achamos bem, em suma, aquela que é a nossa vontade coletiva.
Sobre o processo que nos conduziu a este ponto nada direi, exceto que não é algo de novo. Atrevo-me apenas a relembrar que a esmagadora maioria dos chefes de estado que no nosso país democrático ascenderam ao poder, no plano interno dos seus partidos, o fizeram esfolando a “lebre” que havia entretido o governo enquanto oposição. Em vez de “lebre” leia-se “o anterior líder de partido”. Não serve o facto de intencional desculpa. Antes, mostra que a falta de caráter faz parte dos pré-requisitos para se ser escolhido pelo povo.
Só que perante o facto repetido uma nova solução foi gerada abrindo, teoricamente, a todo o país a escolha do novo líder. Só que essa escolha não foi nada mais nada menos do que a escolha de uma imagem. Não foram colocadas em disputa diferentes ideias ou de projetos, na medida em que ambos estariam condicionados às diretivas extraídas de um congresso a realizar posteriormente. O que sobra, então? A imagem, os trejeitos, o corte do fato, a seriedade da face ou o olhar cativante e inspirador de confiança. O povo, pelo menos o do PS, submeteu-se a este género de escolha, a este processo ilusório chamado de eleições internas. E submeteu-se efusivamente, levantando-se como molas dinâmicas do conforto dos seus sofás! Mas mesmo que tivesse sido de forma diferente, isto é, que os candidatos que se apresentaram tivessem mais para oferecer para além de uma imagética e de uma dialética baratas, ainda assim, isso apenas se traduziria na assunção cabal de que certos partidos políticos se tornaram, há já algum tempo, em meras plataformas de movimentação de interesses e de ascensão social, varridos de qualquer vestígio de ideologia.
Este acontecimento diz muito acerca do nosso conceito de democracia. Diz mais do que o suficiente. E os mesmos que acorreram a participar do processo, escolhendo entre dois antónios, o primeiro o decalque perfeito do segundo, são precisamente os mesmos que normalmente respondem “são todos iguais”.