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Porto de Amato

Porto de abrigo, porto de inquietação, porto de resistência.

Porto de Amato

Porto de abrigo, porto de inquietação, porto de resistência.

Foi tempo de mais

O único problema do chumbo deste orçamento de estado foi não ter acontecido há mais tempo:

  1. Foi tempo de mais de carta branca ao PS para este cristalizar as políticas sociais e laborais da troika e da direita.
  2. Foi tempo de mais de desrespeito, de falta de integridade e caráter nas negociações que manteve com os seus parceiros à esquerda corporizados nas cativações orçamentais regulares e crescentes e em promessas jamais cumpridas.
  3. Foi tempo de mais de adiamentos, de “para o ano é que vai ser”, ao mesmo tempo que os serviços públicos caíam na lama e no descrédito.
  4. Foi tempo de mais de malabarismo fiscal para disfarçar mais impostos sobre quem trabalha.
  5. Foi tempo de mais de medo do papão da direita que, em boa verdade, não teria feito muito pior se tivesse no lugar do PS.
  6. Foi tempo de mais de chantagem e ameaça, foi tempo de mais de uma esquerda refém da social-democracia burguesa. Historicamente, foi um tempo negro para a esquerda em Portugal.

Foi tempo de mais. Seis anos é tempo de mais. O único problema do chumbo deste orçamento de estado foi não ter acontecido há mais tempo.

Primeira nota: foi o PS que quis governar assim; foi o PS que não quis acordos ou aproximações de princípio; era o PS que não tinha maioria absoluta; era ao PS que se exigia que encontrasse o apoio parlamentar maioritário que não tinha. A responsabilidade de tudo o que aconteceu é do PS. Faltam bases objetivas e racionais a quem anda pela comunicação social a espalhar o contrário e ao povo que repete esta cançoneta sem pensar. PCP e Bloco não precisam de se preocupar muito com esta linha de argumentação: ela é alimentada por pessoas que nunca votaram (e dificilmente o farão) à esquerda.

Segunda nota: em todo este processo, o comportamento do Presidente da República foi impróprio, procurando condicionar a sucessão dos eventos e as negociações quando deveria ter-se limitado a promover o encontro entre as partes e a saudável discussão dos temas. Pelo contrário, ameaçou a dissolução da Assembleia da República de forma precipitada e injustificada, sem ouvir as partes, sem consultar o Conselho de Estado, sem considerar outras alternativas, numa clara tentativa de forçar a aceitação de um orçamento de estado que não tinha o acordo da maioria da Assembleia da República. Acresce ainda a inaudita e absolutamente irregular audiência concedida ao candidato à liderança do PSD. Não lhe chega meter-se diariamente em “bicos de pés” para fingir ser o chefe do governo de Portugal que não é: também tem que meter o dedo nas eleições internas dos partidos políticos. É admirável, contudo, como, sabendo de tudo, metendo o seu dedo em tudo, consegue sempre escapar às responsabilidades quando as coisas dão para o torto.

Terceira nota: para o papel politicamente medíocre do PAN, o partido que faz da abstenção a tudo o que mexe a sua regra dourada porque, em boa verdade, não tem posição bem definida sobre nada que não se mova sobre quatro patas, vem criticar quem tem a coragem de assumir uma posição, de quem ainda tem princípios e ideais — bem sei que é coisa que vai rareando — e se bate por eles. Neste particular, o PAN assemelha-se à direita que diz que a pior coisa que poderia acontecer a Portugal era haver uma crise política, como se ela própria não tivesse votado contra um orçamento de estado que poderia muito bem ter sido proposto por si. Nestes debates, se há coisa verdadeiramente indigerível é a hipocrisia oportunista e descarada.

publicado às 10:09

Mudanças em perspetiva no eleitorado da esquerda portuguesa

Por diversas vezes critiquei, neste mesmo espaço, aquilo a que chamo de incoerência do Bloco de Esquerda, a sua indefinição ideológica, que se traduzem, na prática, numa social democracia normalmente disfarçada de bandeiras garridas, que vão desde a mera igualdade social até aos direitos das minorias.

 

Do mesmo modo, por mais que uma vez apontei o dedo ao Bloco por este partido colocar o princípio do mediatismo e da aprovação popular à frente de todos os outros princípios, com particular incidência na atitude genérica deste partido no seio dos acordos parlamentares que corporizaram a chamada “geringonça”. O Bloco de Esquerda foi sempre um fator de instabilidade e as suas respostas revelaram ser pouco sólidas perante as várias partes em jogo. Como resultado disso, e adicionando a inesperada capitulação ideológica do PCP, o PS obteve um ascendente político perante todas as partes, ascendente esse que mantém ainda hoje.

 

Todas as críticas efetuadas mantêm-se válidas e carecem de evidências para poderem ser revistas. Dito isto, o discurso de Catarina Martins na noite de hoje e a decisão comunicada de voto contra na generalidade a este orçamento de estado merecem ser aplaudidos. Num discurso curto e pragmático, Catarina Martins parece indicar que o Bloco de Esquerda está disposto a inverter o ciclo de mais de cinco anos que vem enfraquecendo a esquerda no seu conjunto. Esquerda que se diz esquerda não pode aprovar um orçamento de um governo que insiste em defender uma sociedade axiomaticamente precarizada; que insiste em degradar o serviço nacional de saúde, num estado de permanente falta de meios humanos e materiais, eternamente suborçamentado, particularmente neste momento de crise pandémica; que insiste em injetar fortunas colossais em gestões privadas e escandalosas de bancos.

 

Na mesma semana em que o PCP vende a sua abstenção na votação global do orçamento pela antecipação de um aumento de dez (!) euros nas pensões — e, com isso, de modo bastante reacionário até, resolve o problema do governo e enterra qualquer aspiração de negociação que o Bloco poderia ainda manter —, esta afirmação do Bloco adquire uma relevância assinalável e pode resultar em deslocações de eleitorado significativas no campo da esquerda portuguesa, quer à sua direita, quer à sua esquerda, no futuro próximo.

 

 

publicado às 22:00

Uma epifania em janeiro

O anúncio do sentido de voto do Partido Comunista Português relativamente ao orçamento de estado deste ano é uma desilusão e, como todas as desilusões, tem a potencialidade de se tornar numa espécie de epifania, uma revelação.

 

O parlamento português está agora dividido, PCP incluído, entre partidos sociais-democratas e partidos liberais, uns mais populistas do que outros. A palavra comunista no PCP passa a valer tanto como a palavra socialista no PS. Valem o mesmo, ou seja, nada.

 

Nenhum partido comunista apoiaria um orçamento deste género que literalmente rouba o povo para gerar lucros para entregar à banca e aos mercados monopolistas. O líder parlamentar do PCP diz que o partido vai-se abster, é certo, mas isso é verbalismo, é brincar com as palavras. Se fosse necessário, votaria a favor. Não existe retórica suficiente no mundo da dialética para nos convencerem do contrário.

 

O insólito da coisa, ao que consta, é que este apoio terá sido dado a troco de um aumentozinho extraordinário de pensões. Prossegue, portanto, a confirmar-se o boato, esta linha miserabilista, este contentamento, esta satisfação com as migalhas lançadas por Costa sejam elas quais forem. Prossegue esta falta de respeito pela sua ideologia, que é o mesmo que dizer por si próprio, porque só um partido sem um pingo de amor próprio persiste em estender a mão a quem reiteradamente o desrespeita e desvaloriza, como ficou bem patente antes, durante e após as últimas eleições legislativas, com o desenvolver da “geringonça” e com o fim da mesma.

 

Mas isto tudo é demais, tudo isto é demasiado para que o leitor não desconfie, de si para consigo, que tanta incapacidade, que tanto defeito não seja apenas uma mera causalidade de um espírito mais ou menos inocente ou mais ou menos incapaz. A verdade encontra-se no princípio deste texto. O meu erro está em continuar a assumir certas premissas sobre o PCP como verdadeiras quando elas, claramente, já o deixaram de o ser. Porque se o comunista cair da denominação do partido, então deixa de haver qualquer problema e passa a valer tudo como, de facto, vale para qualquer outro partido onde a ideologia é coisa incerta, é coisa do passado. Se considerarmos a palavra comunista como simples adereço de sigla, então qualquer decisão é tão válida como outra qualquer e cada opção poderá ser justificada com maior ou menor dificuldade.

 

Já não há desculpas que subsistam. A troika partiu do país há mais de quatro anos. O medo que a direita, a direita assumida, retome o poder nas suas mãos existirá sempre e é um medo imbecil, infecundo, porque estamos fadados, neste sistema político de alternância, a que, mais cedo ou mais tarde, isso aconteça. E, todavia, o governo PS prossegue uma política de incrível sobrecarga de impostos, de subjugação do país ao poder económico, de destruição dos serviços públicos, de condenação das gerações mais jovens de proletários a vidas de trabalho precário, sem direitos, sem perspetivas, sem futuro.

 

Como pode um partido comunista apoiar um governo destes? A resposta é simples: não pode.

publicado às 15:21

Consciência de si no final de 2019

O final do ano de 2019 fica marcado por várias notícias que esboçam bem o quadro de profundo surrealismo em que a humanidade se vai mergulhando.

 

A primeira, sobre a qual gostava de me debruçar hoje, é a que diz respeito ao orçamento de estado já apresentado para o próximo ano. Há vários aspetos pertinentes no documento. Por exemplo, perspetiva-se aumentos de salários e de pensões que não acompanham o aumento da inflação o que resultará numa perda efetiva do poder de compra de funcionários públicos e pensionistas. Dentro destes, a esmagadora maioria que dedicou o seu voto ao PS nas últimas eleições e, em simultâneo, menosprezou Bloco de Esquerda e PCP, deve dar-se por satisfeita: tem exatamente aquilo em que votou. Há que ter consciência do que se faz, ser-se crescido e assumir responsabilidade. Isto é a democracia a funcionar no seu esplendor. Parabéns para todos eles.

 

Outra questão interessante é a anunciada dotação extra para o Serviço Nacional de Saúde que, ao que parece, depois de tanto alarido e de tantos foguetes lançados, mais não é do que o valor em dívida que o SNS carrega às costas do ano anterior. Anuncia-se também uma alegórica contratação de novos profissionais mas, nem as contas parecem bater certo para o efeito, nem isso será suficiente para estancar a sangria contínua de profissionais para o estrangeiro a que temos assistido. Portugal parece continuar seriamente dedicado em investir na formação de quadros altamente qualificados para dotar os países mais necessitados como a Alemanha, a Inglaterra, a França, a Suíça, o Luxemburgo ou a Bélgica.

 

No final, com pompa e circunstância, quais arautos da sapiência, foi anunciado também que, para o próximo ano, o país passará a dar lucro com um superavit de 0,2%. Este anúncio foi recebido com entusiasmo, claro. A burguesia rejubila: sabe bem que aqueles milhões têm como destino os seus bolsos, de um modo ou de outro, haja resgates ou antecipações de pagamentos. O povo ignorante, coitado, pensa que o estado é a mercearia da esquina e também rejubila: «se está a dar lucro é porque estará a ser bem gerido». Qual será o seu espanto quando a próxima crise chegar e bater com estrondo, talvez a bordo da bolha imobiliária que cresce a cada dia ou talvez da turística, quem sabe, e verificar que aqueles 0,2% que o estado poupou de nada servem e que o estado, afinal, está ainda mais desprotegido e impreparado para lidar com os sacanas dos bancos e das empresas que dão cabo da economia e fogem daqui com o nosso dinheiro. Qual será o seu espanto? Por ventura, nenhum. Nessa altura arranjar-se-á um qualquer bode expiatório conveniente. Nós somos um povo muito judaico. Arranjamos um bode, carregamo-lo com todos os nossos pecados, matamo-lo e lavamos a consciência. Somos muito judaicos, somos. E também muito estúpidos.

 

É preciso não ter um pingo de vergonha na cara para anunciar a um povo como o nosso que o país vai dar lucro. O regresso ao tempo do fascismo das contas certas de Salazar está inteiramente consumado. É irónico que tenha regressado com uma mão dos partidos mais à esquerda. O povo que trabalha mal tem dinheiro para pôr comida na mesa depois de pagar a renda da casa,  não liga o aquecedor no pino do inverno porque não pode sobrecarregar mais a fatura da luz e anda de carro às pinguinhas por causa do escandaloso preço da gasolina; o povo que trabalha cada vez mais, cada vez com piores condições e até mais tarde, que até pela reforma a que tem direito tem que esperar mais de um ano, que morre devagarinho a desesperar por uma consulta ou por uma operação constantemente remarcada e adiada. A este povo o governo vem anunciar que o país vai dar lucro. O país vai dar lucro à custa do seu povo que trabalha, à custa literalmente do seu sangue. É isso. É desse sangue que são feitos esses 0,2% de lucro que o país vai dar. Não é uma coisa no ar, abstrata. É feita de sangue, do sangue dos trabalhadores que pagam impostos e sustentam este país. E todos achamos bem e rimos de contentamento.

 

O que seria natural era que o povo exigisse que aqueles 0,2% de lucro fossem aplicados no país, na melhoria da saúde e da educação e dos serviços públicos. Ou, para quem tem opinião diversa, que o estado procedesse a imediata redução na tributação dos seus salários, porque os seus impostos não são para o estado andar a lançar foguetes ou dar espetáculo. Devíamo-nos perguntar: para que serve um estado afinal? Para que serve?

 

Claro que é sempre possível contrapor o que escrevi com o aumento do consumo que tem sido verificado e que atingiu o seu clímax com os massivos gastos recorde desta época festiva. Claro que sim. Mas grande parte disso é crédito. Não se enganem. É cartões de crédito para pagar cartões de crédito e o governo tem fomentado essa mentalidade. Diz, por exemplo, aos seus trabalhadores que vão ficar muito melhor com os aumentos que vão ter quando, na realidade, vão perder poder de compra. O que é isso se não um engodo? O que é isso se não dizer às pessoas que continuem a gastar ou que gastem ainda mais por conta de um aumento virtual, irreal, dos seus rendimentos? O que tem sido grande parte da política deste governo se não um incentivo mais ou menos declarado ao crédito? O que é um incentivo ao consumo alicerçado em baixos salários e trabalhos precários?

 

Mas nada do que se passa é muito normal, pois não? A realidade morreu. O que existe agora é a surrealidade. Bem-vindos! Pedir às pessoas que tenham consciência de si, que tenham consciência do que fazem, do chão em que pisam, do mundo que as rodeia é pedir demais, sobretudo quando todos andamos de ombros encolhidos e cabeça baixa enterrada em algum ecrã a emprenhar pelos ouvidos, pelos olhos sonâmbulos adentro.

publicado às 22:44

O acervo da realidade

Fechado mais um orçamento de estado deste governo, resulta transparente a ideia central que tem vindo a ser veiculada neste blog: a esquerda, PCP e BE, troca o seu apoio parlamentar por um punhado de pequenos ganhos centrados, sobretudo, no setor público do estado, funcionários públicos e pensionistas, bem entendido. Código de Trabalho, condições de vida e de trabalho dos trabalhadores não públicos, rendas e benesses aos grandes grupos monopolistas da economia e dos recursos nacionais, são dossiês que, com efeito, não sofrem uma alteração que seja ideológica, e é melhor não nos debruçarmos muito sobre o tema ou arriscamo-nos a descobrir alguma surpresa desagradável da qual não nos tenhamos dado conta, ainda. Sejamos muito claros: a influência da esquerda nesta governação não toca, tão pouco superficialmente, em absolutamente nada que seja estrutural. PCP e BE comportam-se como pedintes de mão estendida, agradecendo ao seu senhor a migalha de pão que este lhes dedica e parecem não ter a consciência do poder substancial que detêm e que lhes permite, qualquer um deles individualmente, fazer o governo cair.

 

Neste ponto, deixo um aviso à navegação. Leiam as palavras que escrevo com atenção para que delas não sejam extraídas conclusões erradas. Quem acompanha este blog sabe bem que eu nunca fui um opositor desta solução governativa e não deixo de lhe reconhecer méritos importantes. Entre outros, foi importante para travar o ímpeto legislativo neo-liberal que avassalava o país e para mostrar à sociedade que, quer PCP, quer BE, se podiam assumir ativamente como partidos de solução governativa, quebrando o preconceito político instalado em sentido contrário. Não obstante, a gestão que tem sido feita da “coisa” deixa muito a desejar e é contra isso mesmo que me revolto.

 

Em primeiro e em último lugar, vamos à realidade. Neste mundo completamente dominado pelo virtual, pela contaminação da mentira e pelo culto da propaganda elevados a níveis estratosféricos, nunca antes experimentados pelas sociedades humanas, diga-se, o apuramento do acervo da realidade revela-se um exercício de vital importância, nem que seja tão somente pelo resgatar da nossa própria sanidade mental dos grilhões de tão demente sociedade.

 

Se enveredarmos por este exercício honesto, a verdade é que, em abono deste governo não resta muito mais do que os fantasmas do governo anterior, o receio pelo que poderia ter existido, o medo, em estado puro, do desconhecido. Porque assim é, temos permitido que este governo, tendo parado a aceleração neo-liberal no país, prosseguisse a velocidade constante e firme esse mesmo caminho neo-liberal traçado anteriormente e não ousamos dizer nada, nem apontar qualquer dedo na sua direção, com medo do retorno de alguma imitação mais ou menos grosseira de Passos e de Portas.

 

Como disse anteriormente, nada de substancial ou estrutural foi beliscado no país; impostos de natureza extraordinária foram efetivamente substituídos por impostos de caráter permanente; orçamentos de estado conservadores, recessivos e anti-constitucionais foram substituídos por orçamentos de estado mentirosos alicerçados na cobardia e na baixeza política das cativações orçamentais. Não há ninguém que seja intelectualmente honesto, e que não seja um pensionista ou um funcionário público, que possa defender que o Portugal de hoje é melhor que o de ontem. Não há ninguém que consiga afirmar que a escola pública está melhor, ou que os centros de saúde ou os hospitais funcionam hoje melhor do que ontem. Não há ninguém que possa dizer que no seu trabalho dispõe de melhores condições ou de mais estabilidade, nem que, ao fim do mês, lhe sobre mais dinheiro do que sobrava no passado. É verdade que já não paga sobretaxa de IRS, mas está a pagar o litro da gasolina a quase 1,60 euros, entre outras taxas encapotadas de que nem dá conta, ao mesmo tempo que se vê empurrado para fora da sua cidade por causa do arrendamento turístico.

 

O país está melhor, afirmam os cartazes de propaganda governamental, e é verdade que está, porque há mais emprego e mais dinâmica económica, mais dinheiro a circular. Mas quanto disso é responsabilidade deste governo?

 

Quanto?!

 

Um crescimento suportado por um contexto de crescimento de todos os países da zona euro, dinamizado sobretudo pelo turismo e secundado pelo consumo e endividamento interno crescentes no país, denota que a influência governativa neste ciclo positivo é relativamente diminuta. Sejamos sérios: todos estes sinais já vinham a ser dados com o anterior governo e o mais certo é que, quando o ciclo económico fizer o pino, a nossa cada vez mais frágil economia, tão dependente do exterior — dos credores e dos agiotas, dependente do turismo e completamente terciarizada —, será afundada, uma vez mais, como a pobre embarcação que é, à deriva no imenso oceano da dívida, sem rumo e sem nenhuma ideia do que quer para si própria.

publicado às 19:55

OE 2018: aumento de impostos para os falsos recibos-verdes

Parece que o meu último post resultou algo precipitado. A alteração ao regime do IVA foi mais uma daquelas medidas que se atiram à parede para ver se o barro cola, que é como quem diz para ver como a sociedade reage. O IVA, ao que parece — até o orçamento ser aprovado muita coisa pode mudar —, fica igual.

 

Confesso que até fiquei com peso na consciência por ter sido demasiadamente duro com este governo no que diz respeito ao post que escrevi. Infelizmente, essa sensação não durou muito tempo. Durou até ao momento em que ouvi as alterações ao regime simplificado de tributação dos recibos-verdes que o governo propõe.

 

Sucede que este orçamento de estado contempla uma alteração à forma como o IRS é cobrado aos trabalhadores independentes que, na prática, se vai traduzir num aumento do imposto para milhares de trabalhadores. Até agora, um trabalhador independente de rendimentos modestos — falamos dos falsos recibos-verdes em geral — podia optar pelo regime simplificado de tributação no qual apenas 75% do seu rendimento era tributado em sede de IRS. Os remanescentes 25% eram considerados — e bem, em minha opinião — como gastos associados à atividade e, por conseguinte, isentos de tributação. O estado entendia dar este benefício a um conjunto de trabalhadores que tem que pagar todos os impostos e contribuições do seu bolso como se fosse patrão de si próprio, o que demasiadas vezes — os falsos recibos-verdes — não é mais que um embuste.

 

O que o governo propõe neste orçamento de estado é, na prática, acabar com este regime obrigando todos os trabalhadores independentes a justificar todas as suas despesas e tributando a totalidade do seu rendimento. A burocratização de um processo que era automático implica por si só que muitos trabalhadores não usufruirão dos abatimentos que lhes eram garantidos. Para além disto, é evidente que muitos destes trabalhadores, pela própria natureza da sua atividade, não conseguirão encontrar justificações para despesas que lhes permitam, no máximo, obter o mesmo benefício que já obtinham até aqui.

 

É evidente que esta questão pode ser sempre objeto de debate e de discórdia. Podemos sempre questionar os princípios e a justiça da coisa. Mas no fim de contas, uma coisa é clara como água: este orçamento de estado vai cobrar mais IRS a uma grande porção dos trabalhadores independentes, aqueles que estão enquadrados no regime simplificado de tributação. Isto é claro e isto é uma opção cristalina do governo PS. Partido Comunista Português e Bloco de Esquerda têm a palavra: que se justifiquem agora! Ah não... tinha-me esquecido! PCP e BE apenas se preocupam com os portugueses que ganham o salário mínimo e que pouco ou nada pagam de impostos. Estamos todos, portanto, bem esclarecidos!

publicado às 10:31

O IVA no país de faz-de-conta

Parece que o próximo orçamento de estado contempla que o IVA apenas passará a ser cobrado a partir dos vinte mil euros. A medida, que beneficia unicamente o patronato que contrata falsos recibos-verdes, anda a ser propagandeada como uma espécie de bálsamo nesta sociedade de faz-de-conta.

 

Conheço gente que trabalha eternamente a recibos-verdes que acordou hoje feliz da vida devido a esta notícia.

 

“Amigo, o IRS e a segurança-social não vão ser mexidos. Vais pagar o mesmo. Quem paga o IVA não és tu, é o patrão!”

 

“Mas o meu patrão recusa-se a pagar IVA, por isso sou eu que o pago daquilo que recebo!”

 

“Ah! Então é isso... A medida também te beneficia porque a lei não é cumprida. Está certo!”

 

Está certo! É um país de faz-de-conta, este! Uma vez mais, nada sai deste governo que beneficie objetivamente quem trabalha. Continuo à espera de ser surpreendido.

publicado às 22:33

Reformados e pensionistas de todos os países UNI-VOS

No dia de hoje, logo pela manhazinha antes de sair de casa, vi João Oliveira, o líder parlamentar do Partido Comunista Português anunciar, em tom de regozijo contido, que o governo aceitara a proposta do PCP para um aumento mínimo de 10 euros sobre as pensões em sede do próximo orçamento de estado.

 

Ao que parece vamos ter mais do mesmo no orçamento de estado do ano vindouro, isto é, algo da mesma natureza do que tivemos nos orçamentos de estado dos anos passados: o PCP congratula-se e satisfaz-se com aumentos nominais de pensões. Sobre o código de trabalho nem uma palavra, infelizmente.

 

Assistimos a muitas medidas pontuais, insignificantes do ponto de vista global da economia e facilmente reversíveis. Por seu turno, nenhuma medida estrutural, nenhuma medida significativa. Nem o PS estaria para aí virado, bem entendido, e este é que é o ponto essencial: o que é estrutural o PS não mexe. Com efeito, o PS está a conservar o formalismo da sociedade portuguesa tal como o herdou do governo Passos-Portas.

 

O PCP parece não querer ver isto, mantendo-se deslumbrado e apaziguado com aumentos de 10 euros em pensões. Que estes aumentos são positivos, são. Não se entenda o contrário, nem que por um instante, destas palavras. Que o lema do PCP, que aparece mesmo acima do nome do seu jornal Avante!, Proletários de todos os países UNI-VOS, esteja em risco de ser trocado pelo mais atualizado Reformados e pensionistas de todos os países UNI-VOS, também.

publicado às 20:55

Preparação para o OE 2018 — 2ª parte

Nas sociedades capitalistas, sobretudo as de modelo europeu no qual se inclui a portuguesa, há dois tipos de pobres. Na minha opinião, a perceção destes dois tipos afigura-se como fulcral para que a esquerda consiga granjear simpatia popular e crescer politicamente.

 

O primeiro tipo de pobres é aquele de cujos elementos normalmente associamos à palavra “pobre”. São indivíduos que declaram que auferem valores tão baixos — tão baixos que impossibilitam objetivamente a sua sobrevivência — que lhes garante uma ajuda do estado, seja através de habitação social, seja através de subsídios vários. Também não pagam impostos sobre nada a não ser aqueles associados ao seu próprio consumo e que todos, pobres, ricos ou assim-assim, pagam por igual. Objetivamente, estes aos quais chamamos de “pobres” vivem uma vida inteira deste modo, muitas vezes condenados a esta condição por dela não conseguirem sair, no limiar da pobreza e do remedeio. Muitos usam este modo de vida em seu proveito, escondendo atividades paralelas não declaradas, com objetivo de evasão fiscal, que se traduzem em pecuniosos níveis de vida. Todos conhecemos esta realidade de cor.

 

O segundo tipo de pobres são aqueles que trabalham entre oito a doze horas por dia para viver exatamente ao mesmo nível dos pobres do primeiro grupo ou um pouco mais acima. Bem entendido, este grupo é constituído pelos trabalhadores que têm que pagar habitação, cuidados médicos, medicamentos, escola para os filhos, alimentação, carro e gasolina, tudo do seu próprio bolso, mais impostos sobre o rendimento, impostos sobre o que consomem, segurança-social e, muitas das vezes, empréstimo ao banco. Feitas as contas, o segundo grupo de pobres atinge um nível de vida pouco superior ao do primeiro grupo, a troco de uma diária de trabalho exigente. No fundo, este segundo tipo de pobres sustenta o estado com o seu modo de vida, para que o estado sustente o primeiro grupo de pobres. Justo? Não me parece.

 

Acontece que esta realidade é sobejamente conhecida por quem nos governa. O estado, seja mais ou menos à direita, elege sempre o segundo grupo de pobres como o principal alvo de extorsão, no que a impostos diz respeito, invariavelmente quando se vê aflito com as contas dos orçamentos. Não elege o primeiro grupo porque não pode. Não elege os ricos, os donos dos negócios e das empresas, os exploradores do segundo grupo, porque não quer. Há quem chame ao segundo grupo de pobres de “classe média”, mas com taxas de impostos de quarenta, cinquenta e sessenta por cento, é melhor que se pense de novo sobre a nomenclatura. Metade do vencimento da classe média será ainda vencimento de classe média? Será?

 

Quem parece não perceber muito bem esta realidade é a esquerda política, PCP e BE. Na preparação do OE de 2018 lá vieram à baila os escalões do IRS com incidência nos rendimentos mais baixos. Chega a ser obsceno que, perante o quadro descrito, a esquerda prefira sempre o primeiro grupo de pobres como prioritário em detrimento do segundo quando se planeia uma redistribuição de riqueza. Ou se trata de populismo barato ou de desconhecimento gritante da realidade da sociedade. Crendo mais na segunda hipótese — por defeito do autor —, a esquerda parece não fazer uma pequena ideia das coisas, de como equilibrar eficazmente a economia do país, apelando a medidas que poderão colocar uma ainda maior pressão sobre as reais classes trabalhadoras.

 

Parece que a esquerda vive amarrada a uma certa visão novecentista da sociedade da qual não se consegue libertar e perdeu a noção de onde se encontra hoje e de quem deve realmente proteger nos dias de hoje. Em primeiro lugar, sempre, os trabalhadores, sobretudo aqueles que, mesmo trabalhando cada vez mais, empobrecem e perdem direitos.

publicado às 10:58

Preparação para o OE 2018 — 1ª parte

A preparação do próximo orçamento de estado arrancou nos últimos dias a todo o vapor com reuniões bilaterais entre PS/governo e os parceiros parlamentares a terem lugar. O comportamento dos intervenientes tem sido coerente e em linha com o comportamento passado.

 

O PS/governo consegue manter uma dicotomia incorruptível entre discurso e prática, o que é a todos os títulos notável. Há uma tradição no PS, desde os tempos de António Guterres e Jorge Coelho, aliás, de deter quadros de formação e vocação primordial para padre. É o “diálogo”, é as “pontes”, é o sotaquezinho beirão, ao mesmo tempo que os mais descarados favorecimentos das grandes empresas e da banca têm lugar. É, assim, uma espécie de imagética adaptada de Frei Tomás que tem lugar nestas conversas preparatórias do orçamento de estado de 2018: acreditem-se no que ele (governo) diz, não se acreditem no que ele faz.

 

O Bloco de Esquerda, não tinha ainda qualquer conversa tido lugar, já anunciava medidas a tomar, linhas vermelhas que não poderiam ser ultrapassadas, escalões de IRS e outras que tais, assim, em jeito de ultimatos à base de pólvora seca. Depois do resultado deste último orçamento de estado, em que tanto, tanto, ficou por cumprir, falando apenas daquilo que terá ficado acordado, em que se legitimou uma continuidade aguada da austeridade da governação anterior, seria expectável uma atitude um pouco mais ponderada e prudente por parte deste partido, algo que, de todo, não se verifica. Não digo que o Bloco não retirará dividendos desta estratégia, sobretudo quando comparada com a diametralmente oposta estratégia do PCP. Não olvidemos ou menosprezemos esta sociedade espetáculo em que vivemos, animada por mentecaptos incultos que mais não são que ovelhas modernas equipadas com iPhones e iPads. Sabe-se lá o que esta gente, de princípios dúbios e frágil caráter, pensa sobre política, sobre economia ou sobre as relações humanas? É impossível adivinhar o sentido em que votarão nas próximas eleições.

 

No seu estilo reservado e ponderado, que é sinónimo de um partido de responsabilidade feito duma matéria da qual já não se fazem mais partidos hoje em dia, o PCP mantém-se também fiel a si próprio nestas conversas preparatórias do OE 2018. O PCP prefere sempre fazer as coisas desta forma. Se todos os partidos adoptassem idêntica postura, teríamos garantidamente uma política mais limpa, livre do chavascal mediático orgiástico em que se tornou. Mas os outros partidos não são como o PCP, nem esta sociedade está muito interessada neste tipo de valores, e o PCP não percebe que, deste modo fornece aos outros as armas para o derrotarem politicamente. PS e BE preparam a esta hora, mais que um OE para 2018, um plano para minimizar o PCP ao ponto de o poder extrair, como apêndice supérfluo, da coligação parlamentar. É que o PCP não fala, não exige, não aparece, agarra-se a princípios que só ele respeita, a acordos que apenas ele protege. O PCP participa num jogo a três sendo o único que respeita um conjunto de regras que apenas existem, não obstante o seu intrínseco valor, na sua própria cabeça.

 

O PCP não percebe que o seu nome está indelevelmente ligado a este governo e continua a agir como se não tivesse parte nele. O PCP não percebe que, quando este governo cair, de nada lhe vai valer esta atitude de separação entre as partes e que as ondas de choque atingi-lo-ão de igual modo. A situação que se avizinha afigura-se dramática para o PCP e a forma como o partido for capaz de lidar com toda esta situação pode tornar-se crucial para a sua sobrevivência política, isto é, dos sete ou oito pontos percentuais de eleitorado que normalmente nele vota.

publicado às 11:27

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