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Porto de Amato

Porto de abrigo, porto de inquietação, porto de resistência.

Porto de Amato

Porto de abrigo, porto de inquietação, porto de resistência.

Paralelo com mil novecentos e dez

Dizia-se da primeira República, a de Teófilo Braga, Manuel de Arriaga e Bernardino Machado, que dececionara o povo de tal forma que se constituíra como uma versão mais cara e corrupta da monarquia defunta. Tais razões, aliás, estão na base, segundo se crê, da ascensão aclamada ao poder da ditadura militar fascista.

 

É, todavia, paradoxal. A esta hora que escrevo, acompanho em direto a tomada de posse do quinto Presidente da República (a terceira República) desde o Vinte e Cinco de Abril, e a cerimónia assemelha-se mais à tomada de posse de um rei, rodeado de suas promíscuas cortes, do que de outra coisa qualquer. Está lá o chefe dos padres, estão lá os representantes nacionais e internacionais, está lá o povo, do lado de fora, a bater palminhas e a tirar fotografias. Não falta nada ao sinistro quadro.

 

Os níveis de despesismo não são diferentes daqueles que grassavam no ano de mil novecentos e dez e seguintes. Qualquer um facilmente percebe isto, basta tomar atenção nos números da despesa das várias presidências que se comparam com as mais faustosas monarquias europeias.

 

Por ventura, as razões que outrora, não há muito tempo, conduziram Portugal ao fascismo não serão tão simples de entender. Por ventura, serão mais profundas. Não será simplesmente o despesismo e a corrupção ou a indecência e a pompa, visto que estes, por ora, são entendidos e aceites como naturais. Será outra coisa qualquer.

 

Não há decoro. Simplesmente não há. Mas o povo parece gostar.

 

https://largodoscorreios.files.wordpress.com/2013/10/5-de-outubro-3.jpg

 

publicado às 10:02

Virgínia Moura

Virgínia Moura (1915-1998)

Não sei se por hoje ser o Dia Internacional da Mulher, mas lembrei-me de si. Lembro-me de estar a seu lado no banco de trás de um automóvel, já não sei se um fiat, se outro carro qualquer, numa viagem que se veio a revelar preciosa e, como tal, efémera. Acho que era outra marca, mas já não me recordo. Também não interessa. Mas recordo-me do seu sorriso. Adoro esta fotografia. Nela há o idealismo e o otimismo, a alegria e o crer. E há mais qualquer coisa, ainda. Há toda a esperança do mundo.

publicado às 22:26

Uma questão de perspetiva

O presidente da Confederação Empresarial de Portugal (CIP), António Saraiva, reconhece que em Portugal há muito trabalho precário, mas não hesita em dizer que, na atual conjuntura, “mais vale ter trabalho precário do que desemprego”.

— in Público

 

Dizer que mais vale ter trabalho precário do que desemprego não é dizer muito. Também mais vale trabalho escravo do que desemprego (Valerá? Voltarei a este tópico mais tarde). Ou, visto de outra forma, mais vale trabalho precário do que ter uma doença grave. Bem vistas as coisas, a saúde é o mais importante!

 

Juntamente, condicionar o discurso à “atual conjuntura” não é, em tese, muito meritório. Porque a única conjuntura a que se tem acesso plenamente é fatalmente esta, a atual. Não há outra. As conjunturas passadas são hoje interpretadas de forma desconforme com o distanciamento que hoje delas temos. As conjunturas futuras são impreterivelmente de natureza insondável. Por consequência, mais do que não meritório, usar de um condicionalismo argumentativo face à “atual conjuntura” é intelectualmente baixo, porque procura condicionar o pensamento alheio com coisa nenhuma.

 

Voltando um pouco atrás, à referência ao trabalho escravo, devo dizer, em abono da mais pura das verdades, que há circunstâncias várias em que mais vale (!) o trabalho escravo do que o trabalho precário. Reparem que não estou a comparar a escravatura com o desemprego, agora. Com efeito, o trabalho escravo propiciava casa, comida e vestes gratuitas, quando em muitos casos, no mundo ocidental contemporâneo, o vencimento oriundo do trabalho precário não possibilita tais “privilégios”.

 

Torna-se, deste modo, imperioso colocar as coisas em perspetiva. É melhor ganhar quinhentos euros do que duzentos, mas também é melhor ganhar cem do que dez e é melhor ganhar dez do que nada. Analogamente, é melhor trabalhar quarenta horas do que cinquenta e é melhor trabalhar de sol a sol do que não ter onde trabalhar e ganhar o sustento. De acordo: esta lógica é brilhante, mas não nos conduz a lado nenhum. Ou, por outro lado, sim, leva-nos precisamente onde os senhores que António Saraiva representa pretendem: à redução das condições de vida dos trabalhadores aos limites infra-humanos da sobrevivência.

 

Termino com uma palavra de incentivo a António Saraiva: é bom sabermos que em Portugal há sempre alguém suficientemente iluminado no meio de toda a bruma de ideias que não hesita em dizer o que deve ser dito. Obrigado! E muita saúde para continuar sempre a defender os bons valores no superior interesse do país e do povo!

publicado às 21:56

O caso Reino Unido - União Europeia, ou o ciclo de vida da libelinha

As recentes negociações da União Europeia com um seu estado membro não aderente ao euro, o Reino Unido, são de uma relevância extraordinária. Como todos os acontecimentos de extraordinária relevância, o resultado de tais negociações foi genericamente ignorado pela comunicação social.

 

Nem comentadores, nem ninguém. A notícia, dada como subestimada nota de rodapé de enfadonho jornal, mereceria outro tratamento, outra análise e aprofundada discussão.

 

Assume particular relevo, no contexto dos tratados assinados no seio da União, considerados ao extremo de suas literais interpretações para países de marginal importância como Portugal, que um estado membro possa garantir, por acordo, o incumprimentos desses contratos e reverter a lógica de poder que reina para todos os outros, isto é, que possa subjugar todas as decisões europeias ao crivo do seu próprio parlamento, da sua própria autonomia, da sua própria lei.

 

Resulta desde logo lúgubre que discutamos este ponto desta forma, quando deveria ser a norma e não a exceção que qualquer estado formalmente soberano pudesse discutir as decisões conjuntas europeias no seu parlamento através dos representantes do seu povo. Miseravelmente, assim nos encontramos a discutir o natural como se o natural fosse absurdo, visto a União Europeia ser este castelo de absurdos que é para não lhe chamar outra coisa pior, do género, império autoritário e despótico contemporâneo, ou uma versão de quarto Reich que se impõe e domina todos os outros não pelo poder das armas mas pelo poder do capital e da dívida.

 

A questão que se coloca, contrariamente ao que foi sendo timidamente suscitado, não é por que razão se obsequia aos Britânicos tais privilégios, mas antes pelo contrário, por que razão não usufruem todos os estados membros da União Europeia, formalmente pares iguais, de tais prerrogativas que deveriam ser naturais e ordinárias porque se constituem, afinal, como os eixos da soberania de qualquer estado.

 

As parcas vozes que tocaram com acanho no assunto esforçaram-se por esquadrinhar — imagine-se! — justificações desconexas em favor de tal tratamento desigual. Entre outros, referiram a situação dos refugiados, que hipoteticamente atinge com maior gravidade Inglaterra, e invocaram um certo estatuto singular do arquipélago britânico face ao continente europeu.

 

Acresce ainda em pertinência tal discussão pelo contexto económico atual de países como Portugal, verdadeiros escravos de tratados que, como grilhões e grilhetas, impedem o seu crescimento económico e os amarram a um serviço de dívida insustentável, indefensável, absurdo.

 

No final do dia, entende-se bem as razões porque tal discussão nunca teve lugar, de todo, ou por falta de lucidez, ou por falta de capacidade, ou até por falta de seriedade: convém ao poder burguês que governa a Europa a não discussão do assunto, convém que este passe despercebido.

 

Agora, volvidas uma ou duas semanas sobre o resultado das negociações, já ninguém fala sobre o assunto. A coisa aconteceu e morreu em pouco mais que um dia, qual fugaz ciclo de vida da libelinha, abafada já pela retórica capitalista de cumprimento do serviço da dívida que continua pujante, como sempre, jactante em cada jornal, em cada rádio, em cada televisão, megafones do sistema.

publicado às 18:28

Debruçando o olhar sobre a situação espanhola

Entretenho-me a debruçar o olhar sobre a cena política espanhola. É mesmo isso: não lhe dispenso uma atenção desmesurada, nem tenho os números de cabeça. Diverte-me, simplesmente, o imbróglio, o que se diz sobre o imbróglio e o que o povo, o espanhol e o português, pensa sobre o assunto.

 

Os comentadores dizem que o caso espanhol é muito diferente do caso português e talvez tenham razão. Depende sempre do ponto de vista. Na minha perspetiva, há mais do que os une do que o que os separa, sendo que o que os separa reduz-se aos resultados eleitorais. Com efeito, é na correlação de forças do Parlamento que resultou das eleições onde reside a única, mas substancial, diferença.

 

De resto, é tudo semelhante: o PP espanhol é tão conservador e retrógrado quanto o PSD-CDS português; o Mariano Rajoy é um ser tão ignorante e sinistro quanto o Passos Coelho; o PSOE é tão simultaneamente liberal, capitalista e demagogo quanto o PS português; o Podemos e o Bloco de Esquerda são gémeos paridos do mesmíssimo lugar, uma espécie de refundação da social democracia, anticomunista, mas inspirada na verve e na propaganda da extrema-esquerda, a que eu chamo ironicamente de “nova esquerda”, e os seus líderes são paladinos empáticos e bem-falantes; existe a Esquerda Unida em Espanha, irmã da CDU de Portugal; e pelo meio, há um novo partido conservador chamado de “Cidadãos” que é, de facto, como aquelas abjeções popularuchas, que nós também temos por aqui aos magotes, cujas bandeiras são a luta contra a corrupção, a refundação do sistema e o reavivar dos bons costumes com laivos de modernidade. Talvez os representantes do Ciudadanos se vistam melhor e sejam menos brejeiros do que por aqui. Ou talvez nem isso os diferencie.

 

A diferença, como dizia no início, reside na sentença decretada pelos verdadeiros juízes da democracia: os votos das populações. Enquanto que em Portugal, o PS pôde formar maioria parlamentar com duas forças à sua esquerda, tal não é possível em Espanha. O Ciudadanos obteve suficiente força eleitoral para se tornar peça-chave em qualquer solução governativa sem o PP e, então, disso resultou uma equação governativa envolvendo variáveis inversas não conciliáveis.

 

Tal como em Portugal com o Bloco, o Podemos cavalga sobre a onda do seu resultado eleitoral e joga o jogo político como um louco, sem bom senso e sem equilíbrio. A sua estratégia é o tudo ou nada. A diferença aqui reside no peso diferenciado entre os movimentos comunistas. Em Portugal, a CDU obteve suficiente peso para poder influenciar as decisões e equilibrar a estratégia kamikaze do Bloco. Em Espanha o mesmo não se verificou com a Esquerda Unida, pelo que o Podemos prossegue à vontade o seu extasiado foguetório sem qualquer tipo de contraponto.

 

Bastaria que em Portugal se trocasse a votação da CDU pela votação do partido de Marinho Pinto, por exemplo, para estarmos a viver a mesmíssima situação de ingovernabilidade que Espanha experiencia de momento.

 

É por isso que, enquanto outros procuram diferenças, eu encontro semelhanças. O povo português e o povo espanhol são muito parecidos, no seu conservadorismo essencial, nas suas ortodoxia e devoção religiosas, na forma como compreendem o mundo. As diferenças que vão ocorrendo são meros acasos, meros requintes da aleatoriedade.

 

É verdade que em Espanha há uma monarquia e um rei e em Portugal há uma república e um presidente, mas mesmo isso é uma questão meramente formal, é uma questão de estilo e de apresentação do regime. A maioria dos portugueses olha para a sua república como uma monarquia. A maioria dos portugueses entende o seu presidente, o seu primeiro-ministro e demais governantes, como se de tipos de sangue azul se tratassem. E ficam sempre muito admirados quando constatam que, afinal, assim não é.

publicado às 10:54

Uma questão de patronos e de patrocínios

Palavra que não percebo a admiração dos que me rodeiam a propósito da contratação da deputada pelo PSD e antiga Ministra das Finanças de Portugal, Maria Luís Albuquerque, pela Arrow Global.

 

Estariam à espera de coisa diversa?

 

Por ventura ainda acreditavam que o que a ex-ministra fez enquanto governante foi pelo “bem” do país?

 

A quem serviram as suas opções governativas? Ao povo?!

 

Não sei se o espanto resulta do conteúdo ou da forma, se é pela substância ou pela ética, e sendo esta uma discussão pertinente, não deixa de ser desapontante a leviandade costumeira com que a sociedade encara o tema. Já conhecemos bem a rotina: à histeria acéfala seguir-se-á um esquecimento amnésico quase que instantâneo. De um dia para o outro não se falará mais do tema até que o próximo episódio — e existirá um próximo episódio — o desenterre novamente.

 

Mais do que uma questão legislativa, trata-se de uma questão de opção democrática apenas solucionável a partir do momento em que atentemos nos patronos e nos patrocínios dos partidos políticos e suas figuras de destaque. Sem um tal essencial enfoque, casos como este repetir-se-ão eternamente. Para sabermos ao que vêm, devemos olhar para quem os suporta. Para sabermos o que esperar deles, devemos perceber quem os carrega verdadeiramente aos ombros. Isto, claro está, se não quisermos desempenhar o habitual papel de idiotas úteis balbuciando “os políticos são todos iguais”.

publicado às 20:53

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