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Porto de Amato

Porto de abrigo, porto de inquietação, porto de resistência.

Porto de Amato

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Ornitorrinco de estado

Sobre o orçamento de estado para o ano corrente, e que já vai no seu segundo mês, os comentadores dizem que não é carne nem peixe. Há quem o compare a um ornitorrinco, uma bizarra criatura que vive no fim do mundo, na Austrália e Tasmânia, que é uma espécie de mistura de pato com castor e réptil, simultaneamente um mamífero sem mamas e ovíparo. Esta comparação é demasiadamente gratuita e vazia.

 

http://images.all-free-download.com/images/graphiclarge/platypus_116210.jpg

O que se tem dito sobre o orçamento de estado aponta no sentido de que o mesmo procura agradar tanto à esquerda como à direita. Antes pelo contrário, o texto final, ainda não aprovado, tem desde já o singular dom de inverter os papéis das forças políticas envolvidas. Perante um documento que, no essencial, mantém a dose de leão de austeridade da receita alemã, salpicada aqui e ali com uma pitada de boas intenções keynesianas, a direita ao invés de aplaudir rejeita e a esquerda apoia quando coerentemente se devia opor.

 

É claro que a leitura anterior é demasiado simplista e existem justos fatores que levam as partes a agirem em contraponto com a sua natureza própria.

 

Para a direita trata-se da sobrevivência da única coisa que sustenta atualmente o seu decrépito corpo, a sua retórica balofa, a qual procura desesperadamente ajustar a este cenário salvando-a com a rejeição de um orçamento que, acaso permanecesse no governo, seria muito bem capaz de propor à Assembleia da República.

 

Para a esquerda trata-se de um texto carregado de esperanças subliminares e improváveis que a toda a força quer transformar em realidade e consubstanciar numa inversão de políticas. E, por isso, apoia.

 

Bem vistas as coisas não poderia ser outro o posicionamento das peças no tabuleiro. O ornitorrinco deste orçamento não é um animal que queira agradar a todos por exibir partes de todos: é um animal que representa a subversão da natureza de todos e de cada um.

publicado às 00:17

Demonstração de antipatriotismo

Se há aspeto positivo em redor desta expectável novela do orçamento de estado é a forma como elegantemente se demonstra o antipatriotismo de demasiados portugueses. Deste conjunto, a peçonha é assinalavelmente mais grave quando afeta portugueses detentores de cargos políticos da mais elevada responsabilidade.

 

Façamos uso dos argumentos que bem entendermos e defendamos as posições que consideramos mais justas, mas há sempre um ponto em que o tempo de argumentar se suspende e em que temos o dever de não obstar à ação da posição vencedora do diferendo. Acresce que tal conclusão resulta com a naturalidade de que, se é certo que a discussão envolve interesses, motivações e opiniões distintas, também é certo que todas as partes se reconhecem como isso mesmo: partes de um mesmo todo. Acresce ainda em relevância o facto de que este todo se encontrar em processo negocial com entidades externas.

 

É como no futebol: por muito que não concordemos com as escolhas do selecionador e por muito que nos ofenda não ver mais jogadores da nossa equipa entre os convocados, uma vez iniciada a partida, a disputa, somos todos pela seleção, torcemos por todos e por cada um daqueles jogadores que vestem as cores da nossa bandeira.

 

O que se passa com a discussão em torno do orçamento de estado para o ano corrente não é nada disto. O governo, concorde-se ou não com as suas ideias, procura o melhor acordo possível com os interlocutores europeus, ao mesmo tempo que internamente, a nível do parlamento nacional, e mesmo externamente, a nível do parlamento europeu, a oposição perpetua um irrelevante debate e, com isso, enfraquece a posição negocial do país. Tal atitude constitui-se como uma imagem marcante de antipatriotismo e de, sublinhe-se cada uma das letras, terrorismo conspirativo político. A oposição, os seus deputados e eurodeputados, concorre objetivamente e ativamente para o fracasso do governo do seu país colocando-se do lado dos nossos opositores.

 

A tudo isto a sociedade portuguesa assiste com normalidade, sendo que uma parte substancial da mesma se posiciona do lado dos com que connosco negoceiam, ou seja, contra os interesses do nosso próprio país. Este posicionamento surge da ideologia de pensamento único vigente segundo a qual o capital é sagrado e os capitalistas (mercados) são deuses.

 

Perante o Olimpo, as aspirações dos mortais terrestres são irrelevantes e devem ser subjugadas aos interesses dos deuses, seus superiores. Este quadro alegórico é amplamente difundido pelos meios de comunicação social e, deste modo, temos uma boa parte do povo a repetir frases e a repensar pensamentos como: “não devemos ter opinião”, “não devemos ter vontade”, “devemos obedecer aos mercados sem negociar”, entre outras deformidades.

 

Fica claro que há portugueses que só apoiam a seleção de futebol se esta apenas tiver jogadores dos seus clubes. Fica claro que há portugueses que colocam interesses particulares, não necessariamente portugueses, à frente dos interesses de Portugal. Fica claro que há portugueses que são portugueses apenas pelo acaso do local do seu nascimento.

publicado às 12:30

O que fez Obama?

Falava há uns dias com uma querida amiga sobre o legado de Obama como Presidente dos Estados Unidos da América. Dizia-me ela: “Obama sempre foi melhor do que Bush...”; ao que eu retorqui: “Foi? O que fez Obama?”. A conversa prosseguiu sem que surgisse uma resposta clara à minha inocente pergunta.

 

“O que fez Obama?”.

 

Foi melhor do que Bush? Eventualmente. Mas será que foi mesmo? Será que, para lá da sua eloquência e superior capacidade oratória, existem diferenças políticas realmente substantivas?

 

Bush ficou marcado pelo onze de setembro e pela sua selvática e idiota reação que empurrou a América e meio mundo para bombardeamentos sem fim no Afeganistão e no Iraque. Mas Obama fez essencialmente o mesmo na Líbia e, agora, na Síria. Pode não ser tão violento nos métodos, preferindo armar e pagar a grupos de mercenários para por ele sujarem as mãos e causarem o caos político nesses países, mas essencialmente trata-se da mesma coisa. No mais, em termos de política externa, são como faces da mesma moeda.

 

Obama veio com a ilusão de ser o primeiro Presidente da América negro e, a reboque, trouxe inúmeras promessas, três das mais relevantes foram: um sistema público de saúde (obamacare), o retirar as tropas do Iraque e do Afeganistão e o encerramento da prisão de Guantanamo (o gulag norte-americano). A pouco tempo de terminar o seu segundo mandato, o saldo de tudo isto resume-se... ao facto de Obama ter sido, com efeito, o primeiro Presidente da América negro. Sim... a lista termina aqui.

 

Há quem diga que enfrentou e derrotou a seríssima crise financeira e económica, a crise do subprime, que assolou a América e que contagiou o resto do mundo capitalista. Teve o azar de ter tido que enfrentar uma destas crises cíclicas que afetam o capitalismo. Tudo isto é verdade, mas também é verdade que resolveu o problema, por ora, à custa de um exponencial aumento de dívida. Acrescente-se que a dívida americana, se já era um monstro incontrolável, com Obama tornou-se numa besta de duas ou três cabeças. Convenhamos que resolver uma crise económico-financeira é muito mais fácil se pudermos proceder a injeções virtualmente ilimitadas de capital no sistema.

 

Há, contudo, uma singular e preciosa ação de Obama que ficará para sempre nos anais da História e que talvez apenas ele pudesse ter levado a cabo e que consistiu no retomar das relações diplomáticas dos Estados Unidos da América com Cuba. Já não sobrava qualquer argumento justificativo para tal atitude e, com o patrocínio do Papa Francisco, bastou a Obama tomar esse evidente passo, todavia ainda grotescamente difícil, enfrentando uma violenta oposição interna. Obama ficará na História política por isto. O facto de ser o primeiro negro a ocupar o cargo tornar-se-á apenas numa mera curiosidade antropológica.

 

Poderemos sempre argumentar sobre o papel de Obama no processo. Terá sido um agente mais ativo ou mais passivo? Ou terá sido simplesmente apanhado pelo discorrer indelével das areias do tempo? Ou do destino?

 

Os Estados Unidos só voltarão a dialogar connosco quando tiverem um presidente negro e quando houver no mundo um Papa latino-americano.

— Fidel Castro, 1973

 

 

publicado às 09:23

O que se esconde entre o sudoku e as palavras cruzadas

Normalmente apanho o Metro de manhã quando vou de carro, não o metropolitano, o jornal. Abro uma frincha na janela, desejo um bom dia ao rapaz que por ali anda ao pé de Serralves e sigo para o trabalho. Dou uma vista de olhos aos títulos e vou direto à página do sudoku. Ouvi dizer que é importante fazermos isso e as palavras cruzadas para exercitar a mente e não a dar à preguiça com o avançar da idade. Tenho tempo porque chego sempre muito cedo.

 

Hoje fiz o sudoku, no parque de estacionamento, em menos de dez minutos mas também não era muito difícil, devo admiti-lo em abono da verdade. Estava na segunda volta das horizontais das palavras cruzadas quando me deparo com o correio do leitor, ali mesmo ao lado na página dobrada do jornal. Não tinha dado por aquilo. Este jornal tem um espaço assim: um pequeno retângulo onde uma breve mensagem, alegadamente enviada por um leitor, é publicada.

 

O que é interessante é que o teor da mensagem é sempre o mesmo, a ideologia é sempre igual, seja qual for a alma que se dá ao trabalho de enviar a sua opinião para esse importante veículo de informação que é o Metro. Seja o António de Ermesinde, a Maria da Póvoa ou o Aníbal de Gaia. Quem os lê fica com a certeza da existência de um pensamento único vivo no seio mais profundo da população. Na verdade, é como se existisse um objetivo subliminar e uma lógica subjacente que se sobrepõe à aleatoriedade que qualquer um espera quando se depara com tal espaço opinativo.

 

O Metro não constitui caso único. Pelo contrário, se estivermos atentos, parece ser prática comum generalizada nos jornais a escolha a preceito dos artigos de opinião do público anónimo a serem publicados. Muitos dirão que se trata apenas do legítimo direito do jornal em definir os seus critérios editoriais. Para mim, esta situação coloca assertivamente a nu a natureza não democrática da generalidade dos meios de comunicação.

 

Já sabíamos que os jornalistas são escolhidos para desenvolverem o seu trabalho com um determinado “estilo”, chamemos-lhe assim, e também já sabíamos que os critérios editoriais reservam-se o direito de censurar a notícia a seu bel-prazer. Agora, ficamos também a saber que mesmo as cartas dos leitores são selecionadas segundo tal critério. Isto quer dizer que os jornais vão até às últimas consequências do seu próprio poder para manipular a opinião veiculada nas suas páginas não admitindo outra que não a que entendem por correta.

 

Por isso, dá-me vontade de rir quando ouço frases do tipo: “o jornalismo livre é a base de qualquer democracia”. É que é tanto disparate junto...

publicado às 23:04

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