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Porto de Amato

Porto de abrigo, porto de inquietação, porto de resistência.

Porto de Amato

Porto de abrigo, porto de inquietação, porto de resistência.

Ainda estou para perceber...

Ainda estou para perceber a razão de ser da demissão do Primeiro-ministro. Pressões para aprovar negociatas? E para passar pareceres favoráveis? A sério? É por isso que se demite? Alguém no seu perfeito juízo acaso considera que isso não se constitui como o “pão nosso de cada dia” nos escritórios de qualquer poder, pequeno ou maior?

Todos os dias espero pelas notícias que vão caindo a conta-gotas nos jornais, como de costume, nos julgamentos na praça pública que rapidamente se estabelecem e parecem fazer parte das investigações, mas estas não conseguem iluminar-me o entendimento.

Muito bem vai o nosso país, em termos da ética política, se o Primeiro-ministro se demitiu apenas por isto — pergunto-me se existirá mais qualquer coisa? Se é só isto, então devemo-nos sentir orgulhosos do país que somos.

publicado às 14:48

A sociedade do duplo critério

Num ápice o foco mediático deslocou-se por inteiro do conflito Rússia-Ucrânia, para o conflito Israel-Palestina. Creio que, a ocidente, terá sido muito oportuna esta sucessão dos eventos: foi o pé de que precisavam para abandonar de vez (?) as ambições de guerra do insensato ucraniano. Nunca deixará de me surpreender, todavia, é a mudança de critério que acompanhou a mudança do foco:  o que se dizia a propósito do primeiro conflito, não se diz a propósito do segundo conflito ou, pior, diz-se exatamente ao contrário. Arrepia-me viver numa sociedade de dois pesos e de duas medidas. Arrepia-me que umas vidas sejam mais importantes que outras. A este respeito, também o tratamento mediático é o oposto, a imagética, o argumentário aplicado inverteu-se, a conceptologia substituiu-se, já não há invasores nem invadidos, já não há agressores nem agredidos, os terroristas são os outros, são sempre os outros. Terrorista é aquele conceito que se aplica a quem convém e que se subleva a qualquer critério. É como o bárbaro na boca dos romanos. É o inimigo. Elogie-se ainda o discurso de António Guterres por se limitar a dizer o óbvio e deixar, por breves momentos, de ser o serventuário do tio Sam. E veja-se como, para Israel, quem ousa criticá-la é imediatamente enxovalhado de antissemita para baixo. É um tipo de atitude que corta pela raiz qualquer tipo de diplomacia, de diálogo ou de entendimento. Não será por acaso que o problema do médio-oriente não se resolve. Nada se pode resolver na sociedade do duplo critério.

publicado às 17:54

A guerra e a greve

Não escrevi praticamente nada sobre a guerra na Ucrânia desde o início do conflito. O tema é complexo, estupidamente bipolarizado e, para mim, comum mortal, sinto que, desde o princípio, me faltavam bases sólidas para poder opinar. Entre um ocidente que chama a Rússia de comunista e uma Rússia capitalista com outros interesses para além da sua segurança, desde cedo me pareceu avisado simplesmente abster-me e não participar na insanidade.

Vou registar apenas aqui um momento que se deu esta semana e começa a anunciar uma viragem interpretativa e uma adaptação conveniente das narrativas a ocidente, no que ao conflito diz respeito. Quando este conflito acabar, ainda vamos ver, quer-me parecer, muitos comentadores e fazedores de opinião a dar o dito pelo não dito e a fazer piruetas de assinalável dificuldade técnica. Lembrem-se que, para muitos, anti-comunistas, a China já não é comunista e só lhes falta entoar o hino.

Um outro assunto em nada relacionado com este — ou talvez não seja bem assim?! — é a inusitada greve dos jornalistas da TSF e a incrível falta de cobertura da imprensa a respeito. É mesmo assim que se vê a hipocrisia do jornalismo que anda sempre a apregoar-se como defensor da liberdade e suprime, assim, a informação de modo totalmente descarado.

publicado às 16:50

Robin Hood e a esquerda

O que seria se Robin Hood, em vez de atacar o xerife de Nottingham e o príncipe João, usurpador do poder real do rei Ricardo, longe a combater nas cruzadas, se virasse para o povo faminto e dissesse assim: “é melhor não atacarmos o xerife e o príncipe João... vai dar muitos problemas. Melhor será se, entre nós, redistribuirmos o que temos.” Claro que o povo retorquiria de imediato: “Mas Robin, o que vamos ganhar ao redistribuir o nada que temos? Não há pão entre nós para redistribuir! Dividir zero dá sempre zero!”

A esquerda que se fortaleceu no final do século passado, aquela saída da queda do muro, e que, em boa verdade, mais não é do que social democracia bafienta, interpreta exatamente esta versão hipotética de Robin Hood: é especialista em criar legislação e finança para redistribuir o pouco que cai em sorte à classe trabalhadora sem nunca beliscar o capital que vai sendo crescentemente acumulado pela burguesia.

É engraçado vermos hoje, em Portugal, face aos aumentos absurdos dos créditos, um governo, com beneplácito geral de toda a oposição, propor medidas que nos põem a todos nós, trabalhadores, independentemente de termos créditos ou não, a suportar parte desses encargos. Nem uma ação contra a voracidade sempre crescente do setor bancário. Pelo contrário, é colocar todos os contribuintes a suportar esses vis apetites, com o perigo real de se colocarem trabalhadores contra trabalhadores, algo que a extrema direita consegue sempre cavalgar e capitalizar.

A esquerda não percebe que, se Robin Hood tivesse assim agido na sua ficcional existência, a sua história teria tido uma longevidade bastante curta. Ninguém gosta de um herói cobarde. E ninguém gosta de uma esquerda que fala muito, mas que no momento oportuno capitula ante qualquer medida social democrata com vista à manutenção das estruturas do poder, isto é, o proletariado cada vez mais pobre, ainda que disso não tenha consciência, e a burguesia cada vez mais anafada.

publicado às 15:35

Presidenciais 2026: perspetivas tenebrosas

Faltam ainda três anos para o próximo sufrágio presidencial, mas já se delineiam os contornos do mesmo. E esses contornos são grotescos, as perspetivas tenebrosas.

À direita começa a tornar-se claro o que já se adivinhava: o comentador semanal Marques Mendes já se prepara para avançar. Em tudo muito parecido com Marcelo, um indivíduo com poucas qualidades do ponto de vista político, que colecionou sobretudo derrotas nas disputas públicas que teve, tem ainda contra si a gritante falta de originalidade de estar a copiar o modus operandi que o atual presidente utilizou para chegar a Belém. Se conseguir a eleição — e acredito que consiga — servirá de barómetro para aferir a debilidade assustadora da nossa democracia: uma democracia onde a televisão e o entretenimento formam os candidatos, conferem-lhes popularidade e decidem o resultado das eleições, independentemente da sua capacidade ou mérito. O passo seguinte será, seguramente, colocar algum apresentador ou ator em Belém ou São Bento (o pão nosso de cada dia na “democracia madura” dos Estados Unidos da América, por exemplo).

À “esquerda”, o caso não é tão claro. Fala-se em Augusto Santos Silva e em Mário Centeno. O primeiro tem trabalhado para isso: saiu do governo porque queria voltar ao seu lugar na academia, mas, desde então, continua a colecionar lugares de suma importância. Como Presidente da Assembleia da República, extravasa frequentemente das suas obrigações para simular disputas estéreis com o Chega e afirmar-se como antifascista dos sete costados, cumprindo na íntegra a estratégia subliminar do seu partido para secar a oposição e perpetuar-se no poder, a reboque dos fantasmas da extrema direita. O segundo abandonou o importantíssimo cargo de Ministro das Finanças para seguir a sua carreira e assumir as rédeas do Banco de Portugal. Agora, a ser candidato presidencial, seria uma incongruência novelesca que qualquer eleitorado decente rejeitaria como inaceitável.

A esquerda à esquerda disto continua à deriva. Sem intervenção, sem posicionamento, sem voz. Sabemos bem quem vai continuar a capitalizar politicamente com esta situação.

Faltam ainda três anos. Tenhamos calma. Até lá, ainda pode ser pior.

publicado às 14:13

As alterações climáticas não podem servir apenas para estragar as férias ao proletariado

O Algarve tem a maior plantação de abacates da Europa, cada pé consome cinquenta litros de água por dia. A acrescentar a eucaliptais, campos de golfe, hotéis e turismo desenfreado. Depois é a seca extrema, a falta de água, as alterações climáticas. As alterações climáticas não podem servir apenas para estragar as férias ao proletariado.

publicado às 10:07

Os ratos

Não me incomoda nada debater com quem tem diferentes visões do mundo que eu. É um pouco desgastante debater com quem tem pouca bagagem cultural, todavia, mas é aceitável, bem entendido, que outras pessoas tenham valorizações diferentes dos acontecimentos passados. O que me repugna mesmo são os ratos. Sabem? Aqueles que adaptam narrativas, que suprimem factos, que misturam padrões lógicos, comportamentais e éticos objetivos em debate com avaliações subjetivas e emotivas com vista à defesa dos seus patronos. Desconfio que estes ratos, estes que vão preenchendo as janelas mediáticas continuamente, seriam capazes de defender e empurrar o nosso país para a tragédia, para o colapso, para a destruição total se isso assim conviesse aos seus senhores. E, se isso ocorresse, imagino-os a aparecerem por debaixo dos escombros a ensaiar justificações e culpabilizações alheias, erguendo inimigos ilusórios. Sobrevivem sempre. E, em última alternativa, mudam de lado como quem muda de roupa.

publicado às 13:56

O estado faz a sua cama e escolhe com quem se deita

Tem sido engraçado assistir à argumentação dos comentadores nobilitados em torno da questão dos certificados de aforro e ao modo encapotado com que foram diminuídos ou suprimidos, pela calada da noite: que não se justifica que o estado se continue a financiar deste modo quando o pode fazer, mais barato, lá fora; que não é admissível que continue a interferir com o que devia ser o negócio da banca; e, finalmente, porque não é justo que os portugueses paguem os juros de alguns dos mais favorecidos. Não se trata, de facto, de verdadeira argumentação: trata-se, antes, de uma cacofonia de mugidos e zurros, sem vislumbre de racionalidade, ética, moral, honestidade intelectual ou decência. O problema, como sempre, é que a cacofonia é apresentada em uníssono em todos os meios de comunicação e pouca ou nenhuma oposição enfrenta.

Os certificados de aforro não são uma mera política de financiamento do estado, são mais que isso, têm que ver com os sinais que se pretendem dar ao cidadão comum, o incentivo à poupança e um contributo para uma gestão equilibrada das economias familiares. Menorizar este instrumento é endereçar um convite muito claro aos apetites do consumo e do endividamento, os quais, como bem sabemos, não carecem de incentivo.

A ironia das ironias — ou talvez não, talvez tudo faça muito mais sentido assim —, é ver que os que defendem esta medida são os mesmos que se espumam em êxtase com a possibilidade de Passos Coelho voltar para desgovernar o país, o mesmo Passos Coelho que apontou o indicador aos portugueses que viviam acima das suas possibilidades e que endividaram o país.

Mas vamos à realidade do país. Quem utiliza os certificados de aforro é a classe média e quem paga os certificados de aforro é o próprio dinheiro dos certificados, em primeiro lugar, na mesma lógica da reprodução do capital que os adeptos do mercado tanto gostam e, no limite, será a própria, a mesma classe média que os pagará, como tudo o resto neste país. Querer deixar a suspeita de que é o dinheiro dos pobres que paga os juros dos certificados de aforro é simplesmente idiota. A isto estamos cada vez mais habituados.

Lançar a ideia de que é melhor o estado andar a financiar-se nos mercados internacionais do que com instrumentos da natureza dos certificados de aforro é outra pérola. A qualidade do ensino de economia neste país está a bater, seguramente, no fundo do poço. É dinheiro dos portugueses que fica nas nossas reservas e a qualidade da retribuição é diretamente relacionada com a estabilidade, permanência e incremento dos seus valores. O financiamento nos mercados internacionais é um negócio instável do qual, acaso tivéssemos uma memória melhorzita, estaríamos mais que avisados pela última crise financeira que sofremos na pele.

E, depois, há a questão moral. Quem ouve estes comentários e desconhece os certificados de aforro, fica seguramente a pensar que é possível viver à custa dos seus juros, os monstruosos 3,5 pontos percentuais máximos. A que ponto chegámos nós para considerarmos que 3,5% é muito de retribuição para um dinheiro parado, dinheiro que ajuda o estado e que este aplica na sua gestão própria, para fazer face às suas necessidades? Em anos em que a inflação acumulada é de mais de 10%, este modo de pensar é revelador.

Não, isto não se trata de uma opção económica racional: trata-se de mais um favor que o estado faz aos lucros dos capitalistas, das grandes empresas e da grande banca transnacional, um favor a expensas da sustentabilidade e da saúde económica do país. Um país que despreza os escassos instrumentos que tem em obséquio da ganância dos interesses privados. Neste caso, como em todos os outros, é o estado faz a sua cama e escolhe com quem se deita.

publicado às 16:01

Marcelo e o poder da palavra

Numa altura em que parece — tenhamos sempre cuidado com o que parece — que a sociedade como um todo se revolta contra Marcelo, permitam-me ensaiar uma posição contrária, como é, aliás, meu habitual timbre — eu, tantas vezes crítico da atuação do presidente. Este governo merece ser demitido, disso não há qualquer dúvida. É um governo que se tem envolvido em tanta situação imprópria que parece ter perdido qualquer vestígio de respeitabilidade. Este caso Galamba é simplesmente a cereja em cima do bolo dos casos que a maioria absoluta tem avolumado, embora, falando estritamente em termos do decoro e da famigerada “ética republicana”, poderíamos dizer que é o bolo em cima das cerejas...

É óbvio que o Presidente poderia ter demitido o governo. Com isso, corria dois riscos: que o PS ganhasse sem maioria absoluta e com a necessidade de encetar sempre belicosas negociações à esquerda para formar governo, num quadro em que é necessário executar projetos e verbas europeias no contexto do plano de recuperação; que a direita ganhasse as eleições, abrindo as portas do governo à extrema direita. Creio que Marcelo não quis correr nenhum destes riscos e não terá querido, sobretudo, prejudicar a sua imagem histórica, a coisa que, julgo, mais preza, o modo como a história olhará para ele.

Em vez de dissolver o parlamento e desmantelar uma maioria absoluta, para todos os efeitos, legitimada popularmente, escolheu, na minha opinião, fazer algo mais inteligente: usar a sua posição, credibilidade e popularidade para explicar pedagogicamente aos portugueses a situação em causa, o que resultou, como não poderia deixar de resultar, num enxovalho mais que merecido a ministro, primeiro-ministro e governo. Esta atitude não só é louvável como é recomendável: a política devia ser mais vezes assim e menos ensopada da hipocrisia do costume.

Não se trata de uma atitude frouxa, como muitos apressadamente e irrefletidamente a qualificaram, bem pelo contrário. Com o seu discurso, com o poder das suas palavras, Marcelo revelou elevado sentido de estado e colocou em evidência a “qualidade” de alguns dos membros do executivo. Deixo aqui a questão que me parece mais relevante: que género de pessoa ouve o discurso de Marcelo e não se demite imediatamente? Que valores é que o podem continuar a mover? É sobre isto que muitos portugueses, no final do dia, ficarão a pensar.

Que as oposições, sobretudo à esquerda que são as que mais me interessam, estejam aliviadas por evitarem eleições antecipadas, isso é outra questão, mas é uma que devia ser motivo de embaraço para as forças políticas em causa e grave sintoma do seu estado atual de morbidez e definhamento.

publicado às 15:29

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